Quais os direitos das pessoas trans no mercado de trabalho?

Thaís Brazil e Pedro Sampaio falam das dificuldades para a inserção das pessoas trans no mercado de trabalho e dos caminhos para vencer o preconceito.

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Publicado em:29/01/2021 às 16:30
Atualizado em:29/01/2021 às 16:30

Nesta sexta-feira, 29, é comemorado o Dia da Visibilidade Trans. A data foi criada em 2004, quando lideranças do movimento pelos direitos de pessoas trans se reuniram no Congresso Nacional, em Brasília, para lançar a campanha “Travesti e Respeito”.

Passados 17 anos desde o acontecimento, as pessoas trans ainda enfrentam dificuldades, sobretudo na inserção no mercado de trabalho. Quais os caminhos a serem percorridos para que esses cidadãos passem a ser vistos como parte da sociedade? 

Thaís Brazil, advogada e pesquisadora de gênero e sexualidade, comenta que as dificuldades das quais pessoas trans enfrentam ao buscar um emprego, na verdade, são adversidades que antecedem o ato da busca por um trabalho. 

"Digo isso porque as pessoas trans não estão nas escolas, não estão nas faculdades. As pessoas trans possuem problemas de saúde específicos, problemas de saúde mental, psicológico e emocional. Isso atrelado ao preconceito é muito mais grave", diz Thaís, que também é professora de Direito. 

Na visão da pesquisadora, uma forma de combater todas essas dificuldades relativas às pessoas trans, com o emprego e o mercado de trabalho, é através da intervenção estatal, tais quais: 

  • Leis e políticas públicas de segurança;
  • Atenção e incentivo à profissionalização e à educação básica de pessoas trans; e
  • Atenção à saúde, tanto no ponto de vista físico, quanto no ponto de vista psicológico. 

"Pensando na autonomia das empresas, talvez seja interessante que a diversidade, cada vez mais, passe a ser uma realidade de cada companhia. Que cada vez mais as empresas, da mesma maneira que se preocupam com questões, como marketing, publicidade, fiscais, se preocupem com o bem-estar e a diversidade interna."

Para que isso seja possível, Thaís cita os programas de treinamentos de diversidade, já adotado por grandes empresas, como Farm, Magazine Luiza e O Boticário. E afirma que as empresas não só podem, como devem, cada vez mais, aderir a programas de treinamento em diversidade com o seu público e os colaboradores. 

 

Dia da Visibilidade Trans foi criado em 2004
(Foto: Divulgação)


O que + você precisa saber:


Ambiente de trabalho não tem leis específicas para pessoas trans

O profissional contratado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, aqueles que têm carteira assinada, possuem uma série de benefícios que são garantidos pelas leis trabalhistas. 

No entanto, Thaís explica que não existe nenhum tipo de lei específica voltada às pessoas trans, muito menos no ambiente de trabalho. 

"O que nós temos é um compilado de leis, de maneira generalizada, que trata sobre preconceito, discriminação. Nós temos o entendimento do Superior Tribunal Federal (STF), que equipara o crime de transfobia ao crime de racismo." 

A advogada também cita uma resolução da CLT, caso uma pessoa se sinta desvalorizada monetariamente por conta do gênero. Nessas situações, a empresa paga uma espécie de multa, de sanção monetária ao profissional. 
    
"Os direitos das pessoas trans estão voltados aos Direitos Constitucionais, aos Direitos Humanos, de uma maneira geral, garantindo que essas pessoas não sejam discriminadas, violentadas, assediadas moralmente, não sejam assediadas sexualmente, mas nada de forma específica."

Preconceitos enfrentados por pessoas trans dentro e fora do mercado de trabalho

Pedro Sampaio, analista na Tree - consultoria e educação em diversidade -, é homens trans e acredita que as pessoas transexuais podem enfrentar diferentes formas de preconceito ao buscar um trabalho e até mesmo no ambiente profissional depois de contratadas. 

"O preconceito físico é aquele expresso pela violência física, por agressões. O preconceito verbal são os xingamentos, as ofensas diretas à pessoa trans por ela simplesmente ser quem é. Existe também o preconceito velado, expresso nas microagressões, que na minha visão são as mais danosas, porque a maioria das pessoas não as vê como agressões", explica Pedro. 

Pedro, que ainda possui genitália considerada feminina e, por isso, precisa ir ao ginecologista para cuidar da saúde, dá um exemplo de uma microagressão que aconteceu com ele:

"Uma vez precisei ir passar na emergência e a sala de espera para o consultório não tinha banheiro masculino. Obviamente, não usaria o banheiro feminino, pois me identifico como homem e isso seria desagradável para as demais pacientes. Tive que sair da área de espera e ir até uma outra área do hospital para utilizar o banheiro. Aquele ambiente não estava preparado para receber uma pessoa como eu, mas deveria, independente da minha aparência ou da minha genitália. Isso é uma microagressão."

Um colega que se recusa a te tratar pelo pronome que designa o gênero de identificação ou só te chamar pelo nome de registro e a recusa do setor de RH em providenciar um crachá com nome social depois que já imprimiu o crachá com o nome documental são outros exemplos dados por Pedro.

"Esses comportamentos decorrem, na maioria das vezes, de vieses inconscientes, que se combatem com informação e com empatia", ressalta. 

Importância da diversidade no ambiente corporativo

Segundo Thaís Brazil, a diversidade é importante em todos os espaços e aspectos. Nesse mesmo caminho, a McKinsey já comprovou em mais de um estudo que empresas diversas são mais rentáveis, produtivas, inovadoras, criativas, desenvolvem produtos e serviços melhores e acabam, por fim, alcançando mais consumidores. 

E, na visão da advogada, falar sobre diversidade vai além de falar só sobre a inclusão de pessoas trans. É falar sobre homens e mulheres, pessoas cis e trans, pessoas mais jovens, pessoas mais velhas, pessoas de diversas culturas e diferentes regiões. 

"Acredito que na diversidade é onde mora a riqueza de todos os tipos de relação. Dessa forma, as pessoas vivem em um ambiente mais empático, em um ambiente que existem maiores desafios, a empresa será uma empresa mais atualizada, uma empresa em que as pessoas trabalharão com mais respeito, com mais amor, mais dignidade." 

Pedro acredita que a melhor produtividade e rentabilidade das organizações acontece porque quando uma empresa se mostra diversa, ou seja, quando há pessoas de diferentes origens, com vivências variadas, junto com um ambiente de inclusão, os debates são muito mais produtivos e contemplam mais aspectos da realidade. 

Dessa forma, os processos, os produtos, os serviços, as criações e pesquisas dessa organização são, inevitavelmente, melhores que uma empresa liderada por pessoas originárias da mesma bolha social. 

"Diversidade significa agregar pontos de vistas diferentes às discussões. Mas, para dar certo, o ambiente tem de ser seguro. As pessoas precisam poder se expressar livremente. Elas precisam gastar mais energia trabalhando do que se defendendo de agressões, ainda que as de escala micro."

Dicas para pessoas trans que estão em busca de recolocação profissional

Se você é pessoa trans e está em busca de emprego, saiba que quase todas as consultorias de desenvolvimento têm bancos de talentos onde seus clientes recorrem para ampliar a diversidade dos quadros profissionais. Pedro comenta que a própria Tree Diversidade é uma delas e os currículos de perfis diversos são recebidos no e-mail  empregabilidade@treediversidade.com.br.

"Estamos atentos a esse banco de currículos. Eu recomendo que o candidato se inscreva nos programas de todas as consultorias que encontrar. Muitas ONGs têm programas para ajudar membros da comunidade trans a encontrar trabalho. As maiores e mais bem estruturadas têm perfis no LinkedIn. Siga essas instituições, no LinkedIn e nas demais redes sociais. Entre em contato com elas. Os empregadores interessados em ter pessoas trans nos seus quadros vão buscar essas organizações."

Thaís explica que a alteração do nome e/ou sexo na certidão de nascimento não tem nenhum tipo de trâmite judicial: 

"Basta ela ir até o cartório, fazer uma declaração e pagar as taxas. O trâmite é feito normalmente. Após o tempo exigido pelo cartório, ela terá uma nova certidão de nascimento, com o nome escolhido de acordo com o seu gênero e também com o sexo de acordo com o gênero de identificação. A partir disso, basta ela pegar essa certidão de nascimento nova e ir até os órgãos responsáveis para alterar o nome nos demais documentos." 

A necessidade de entrar com uma decisão judicial para que o juiz autorize a mudança só acontece no caso das pessoas trans que utilizam sobrenomes não existentes da certidão de nascimento. 

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