Governo errou em não incluir atual servidor na Reforma, diz deputado

Em entrevista à Folha Dirigida, deputado Tiago Mitraud, coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, fala sobre as propostas

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Publicado em:07/10/2020 às 16:00
Atualizado em:07/10/2020 às 16:00

Folha Dirigida: Qual papel da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa?

Tiago Mitraud: As frentes parlamentares mistas são grupos de deputados e senadores que se reúnem para debater um tema de forma técnica e entendendo o diagnóstico da situação. No caso da Reforma Administrativa, nos reunimos desde o fim do ano passado e percebemos que o governo estava com certa dificuldade em fazer o tema avançar.

Nos perguntamos o que poderíamos fazer, do ponto de vista do Congresso, para que evoluir essa pauta. A Reforma Administrativa é essencial para o Brasil evoluir. Mas, infelizmente não tratamos muito desse tema. Há 22 anos, foram feitas as últimas modificações relevantes na legislação da Administração Pública. Vimos inúmeros países fazendo Reformas Administrativas e o Brasil foi ficando para trás, não modernizando seu serviço público.

Na quinta-feira, 8, será lançado o primeiro resultado do trabalho da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa. Fizemos amplos debates com acadêmicos, representantes de sindicatos, servidores públicos para fazer esse diagnóstico em relação as necessidades de melhoria na legislação brasileira.

A PEC 32/2020 não é a Reforma na sua integralidade. É o primeiro passo. Acreditamos que têm outros elementos que não foram mencionados agora e devem ser mencionados nessa Reforma.  

FD: Quais pontos mais te agradam na Reforma Administrativa e quais considera mais inadequados?

TM: Estamos trabalhando para melhorar o texto. Não estamos 100% de acordo com o que foi enviado. Temos a convicção que a Reforma Administrativa é essencial para fazer o país avançar, mas esse texto ainda precisa passar por melhorias na Câmara. Um deles é sobre certos privilégios que existem em setores do serviço público brasileiro.

Além da revisão dos vínculos que o servidor estabelece com o Poder Público. E, por fim, a maior flexibilidade da organização interna do serviço público. Esses três temas são corretos. Agora, essas redações precisam de melhorias.

Na parte dos privilégios, faltou incluir, a meu ver, os membros de Poder.  A PEC enviada também determina que as alterações só sejam válidas para futuros servidores, excluindo os membros de Poder.

Não acho que faz sentido termos essas distorções vedadas só para quem entrar daqui para frente e deixando de fora os membros do Poder. Meu partido (Novo) já apresentou emendas para incluir os atuais servidores e os membros de Poder.

FD: Em petição pública no site da Câmara, 98% das pessoas desaprovam a Reforma Administrativa. A Frente Parlamentar está ciente disso? O desapontamento da população será levado em consideração?

TM: Essas enquetes não representam a opinião da sociedade brasileira como um todo. Elas não têm fundamento estatístico. Quando isso é feito com embasamento em estatísticas, vemos um apoio bastante amplo para Reforma Administrativa.

O que não quer dizer que a sociedade não tenha que ser ouvida. Tenho conversado com grupos de servidores e sindicatos para entender as preocupações desses grupos e identificar quais tem concordância com a Frente Parlamentar.

A PEC não extingue o Regime Jurídico Único. O que cria são desdobramentos para esse regime e regras para determinados tipos de carreira, a serem definidas por lei complementar.

Novas tecnologias surgem e é impensável ter concursos para carreiras tão específicas e com regras tão engessadas que impedem o serviço público de se modernizar. Temos até hoje, por exemplo, datilógrafos e assistente de videocassete.

É correto o diagnóstico de que precisamos de maior flexibilidade nos atuais vínculos, sem abrir margem para interferência política e para uso indevido na máquina pública.

FD: Ao enviar a PEC, o Governo Federal retirou a elite das propostas. A Reforma Administrativa é para atingir apenas a plebe?

TM: O governo errou em não incluir os membros de Poder e os atuais servidores, mas já apresentei emenda para corrigir esse erro. Não tem nada ali que tira direito dos servidores. Para mim, um professor universitário ter 45 dias de férias pagos pela sociedade brasileira não é um direito, é uma distorção e um privilégio que, a meu ver, não faz sentido.

Não significa corte de direitos e sim corte de privilégios. Não acho que o governo está ‘vilanizando’ o servidor. O vilão não é o servidor e sim quem fez as atuais regras da Administração Pública. Hoje, quase 14% do PIB brasileiro vão para a folha de pagamento do serviço público.

O objetivo é modernizar as regras do serviço público para valorizar o bom servidor e também adequar a máquina pública a realidade brasileira. É dar maior produtividade ao serviço público. O objetivo não é meramente fiscal.

Devemos fazer uma completa reestruturação também nos salários das carreiras.

FD: Uma das propostas da Reforma Administrativa é aproximar os salários das carreiras públicas das carreiras da iniciativa privada. Qual sua análise sobre isso?

TM: O Brasil é um país pobre, a renda per capita ainda é muito baixa. A gente está longe de ser um país rico. E a gente só vai ter melhores remunerações para iniciativa privada se o país enriquecer. Um dos fatores que pode proporcionar isso é a tramitação das Reformas.

No serviço público, as carreiras que fazem pressão no parlamento conseguem ser bem remuneradas.

FD: Dentro da Reforma Administrativa, os cortes nos salários, mudanças na estabilidade não deveriam vir de cima para baixo? Não seria necessário, primeiro, uma Reforma Política?

TM: O país é muito mal representado e temos muitos políticos que estão no poder para criar benefícios e não para transformar o Brasil. Eu sou o parlamentar mais econômico da Câmara. Só meu gabinete economizou mais de 3 milhões de reais, mas que não é uma prática seguida pelos demais parlamentares.

FD: A estabilidade é o ponto mais sensível da Reforma. O senhor não acha que a Reforma deixará servidores, não só das carreiras de Estado, vulneráveis a uma ideologia de quem está no poder?

TM: Precisamos encarar a estabilidade não como um privilégio. É uma proteção à sociedade e ao interesse público para que não tenha o risco de que decisões sejam tomadas em prol de um político ou de alguém que tenha interesse particular.

O problema é quando a gente trata a estabilidade como um manto sagrado, que não pode ser discutido e não pode ser modernizado.

Eu até questiono se há necessidade de separar as carreiras de Estado das demais em relação a essas regras. A estabilidade hoje não é absoluta. Não existe avaliação de desempenho hoje e não existe regulamentação da exoneração por insuficiência de desempenho.

A legislação não está adequada. Temos que ter regras mais rígidas também para os cargos comissionados. Quem quer que cometa desvios, será exonerado por sua improbidade.

FD: Faz sentido fazer uma Reforma Administrativa e manter o modelo de avaliação por concurso públicos, em que as provas objetivas são dominantes e não prezam tanto o lado prático?

TM: Esse é um ponto muito importante que precisamos modificar. Esse modelo não é tratado na PEC porque não é um dever constitucional. A Constituição prevê que o ingresso seja por provas e títulos, mas não está dizendo que essas provas são só objetivas.

Você pode ter outros tipos de prova para competências que serão utilizadas pelo profissional no exercício do cargo. Por exemplo, um professor pode ser aprovado no concurso por uma prova de múltipla escolha sem ter feito uma prova prática para saber se sabe lecionar e se tem boa comunicação.  

FD: Uma das propostas do Governo é criar uma etapa entre as provas de concursos e a posse no cargo público: o vínculo de experiência. Os candidatos passariam por um período prático na função e, depois, só os melhores avaliados ingressariam de fato nas carreiras. Como garantir uma avaliação impessoal desses candidatos?

TM: A regra atual do estágio probatório já teria possibilidade de desligamento nos três primeiros meses. O problema é que o estágio probatório não funciona. Pode acontecer de nas primeiras semanas de trabalho perceber que o servidor não tem habilidade para aquela função que passou no concurso.

Dados do governo mostram que mais de 99% dos aprovados em concursos e que passam pelo estágio probatório são efetivados. Essa proposta do vínculo de experiência veio para melhorar essa etapa do ingresso do servidor e garantir que os que permanecerem tenham compatibilidade com o perfil da função.

FD: A Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa pretende propor algum tipo de freio no que tange as contratações temporárias?

TM: Eu acho que temos que ter níveis de flexibilidade na força de trabalho. O que eu prefiro é criar uma regulamentação da contratação de temporários, que hoje é feita quase sem regulamentação.