Dia das Mães: o desafio de mães que atuam na Segurança Pública
FOLHA DIRIGIDA conversou com profissionais da área de Segurança Pública que falaram sobre seus desafios com o trabalho e com os filhos.
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Publicado em:08/05/2020 às 16:23
Atualizado em:08/05/2020 às 16:23
Conciliar as atividades profissionais com as tarefas de casa e o cuidado com os filhos é uma realidade na vida de muitas mães brasileiras. Todos os dias, milhares de mulheres se desdobram para equilibrar casa, vida pessoal e trabalho.
Neste Dia das Mães, FOLHA DIRIGIDA conversou com duas profissionais da área de Segurança Pública que compartilharam os desafios de ser mãe e atuar em um setor que exige muita dedicação como profissional. Confira!
Tatiana Nascimento é cabo na Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) e mãe de duas crianças, de cinco e um ano, respectivamente. A cabo ingressou na PM em 2011.
A vontade de se tornar policial veio de uma "herança de família". Seu avô paterno foi integrante da Guarda Real Portuguesa e influenciou as gerações futuras da família a atuar a serviço da Segurança Pública.
Na época em que prestou o concurso PMERJ, Tatiana fazia faculdade de Letras, o que a ajudou muito durante a preparação. Estudou sozinha para as provas e a rotina saudável que mantinha, com prática de atividades físicas e alimentação equilibrada, foi fundamental para que saísse bem nos testes físicos.
Naquela época, o sonho de ser mãe já existia, mas sua primeira gravidez só aconteceu quatro anos depois, em 2015. Tatiana conta que foi díficil voltar ao trabalho depois do período de nove meses de licença e ter que ficar horas afastada do filho. A mãe a ajudava com o bebê enquanto ela se dedicava às atividades da tropa.
"Quando eu chegava em casa ainda tinha todo o processo de ser mãe. Não queria deixar que ele identificasse na avó a figura de mãe, eu queria ser mãe também. Então eu ficava com ele o máximo de tempo possível, nas folgas, nos passeios, nas brincadeiras, sempre tentando me fazer presente", relembrou.
Com o segundo filho não foi mais fácil. Com a mãe já falecida, a solução para continuar trabalhando foi deixar o bebê na creche. "Chorei uma semana inteira. Dessa vez, eu que tive que me adaptar, não ele. Eu fiquei muito mal porque tinha que deixá-lo com pessoas que eu não conhecia."
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Cabo recebe apoio de comandante, quando necessário
Mesmo em meio a esse período de isolamento social, imposto no Rio de Janeiro para frear os impactos da Covid-19 no estado, Tatiana segue com seus serviços na Polícia Militar. A cabo contratou uma pessoa para ajudá-la nos momentos em que precisa se ausentar por conta do trabalho.
Seu comandante também não se opõe a ajudar, permitindo que ela se dedique aos cuidados dos filhos, quando necessário. Em casa, Tatiana, junto com o marido, se desdobra para dar atenção às crianças e fazer as tarefas de casa. O marido também tem um filho de seis anos, de outro relacionamento, que fica com eles a cada 15 dias.
Para Tatiana, o mais desafiador na rotina de mãe e policial é precisar sair e deixar as crianças sob o cuidado de outras pessoas. Hoje a cabo atua no setor administrativo, por opção do comando.
Sobre a possibilidade de ser realocada para trabalhar nas ruas, a PM disse que o que a mais preocupa é a possibilidade de ficar mais tempo na rua e longe dos filhos.
Ao mesmo tempo, largar a farda para se dedicar exclusivamente às crianças não é uma opção: "É difícil demais, mas ao mesmo tempo eu não conseguiria lidar com essa anulação."
Secretária de estado de vitimados conta sobre sua trajetória na Segurança Pública
Priscilla de Oliveira Azevedo, secretária de estado de vitimados do Rio de Janeiro, compartilha as mesmas inseguranças ao deixar a filha de cinco anos na creche para ir trabalhar. Apesar de atuar como secretária de estado hoje em dia, ela também iniciou sua carreira na Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Na época do vestibular, Priscilla tinha muitas dúvidas em relação à carreira que desejava seguir. Depois de presenciar uma abordagem policial, se encantou com o modo de operação dos profissionais e decidiu tentar a prova para ingressar na academia de polícia.
Aos 17 anos foi aprovada no concurso e desde então mantém uma bela trajetória na carreira de Segurança Pública. Trabalhou nos batalhões de Itaboraí, em Niterói e em Olaria.
Depois disso, recebeu um convite militar para assumir a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio de Janeiro, na comunidade Santa Marta, em Botafogo.
Dali, foi assumir uma coordenadoria, na antiga Secretaria de Segurança, para tratar especificamente das UPPs. Nessa época, recebeu mais um convite militar. Dessa vez, para comandar a Rocinha. Tinha a opção de recusar a proposta, mas conta que sempre aceitou as oportunidades que surgiram no trabalho.
"Eu nunca deixei de aceitar qualquer coisa. Desde o início, quando resolvi entrar para a polícia, eu não queria assistir a polícia acontecer, eu queria fazer a polícia acontecer. Sempre fui assim. Então, tudo o que apareceu na minha frente, mesmo inicialmente parecendo ruim, eu aceitei."
Mesmo grávida, a profissional manteve rotina de trabalho
Foi enquanto estava no comando da Rocinha que a atual secretária de estado de vitimados engravidou. Inicialmente, sentiu medo de contar para alguém sobre a gravidez, porque não sabia qual seria a reação dos comandantes.
Depois de compartilhar seu segredo, foi trabalhar como coordenadora regional das UPPs, sendo responsável pelas unidades da Zona Sul e do Centro. Lá suas atividades eram mais administrativas. Então, mesmo grávida, continuou mantendo a rotina no trabalho, normalmente.
"Me lembro que foi época de eleição e tínhamos que ir nas comunidades verificar a ordem e as urnas, para garantir que todos pudessem votar. Eu fiquei trabalhando até o último momento", contou.
Quando a filha nasceu, Priscilla precisou se adaptar com a rotina de mãe:
"Eu vivi minha vida inteira de forma independente, liderando sempre no meu trabalho e aí me deparei com a situação de ser mãe. Foi um impacto muito grande. Não estava preparada porque eu não planejei a gravidez e de repente tinha um neném totalmente dependente."
A mudança no trabalho também a impactou. Priscilla explicou que na carreira militar quando uma mulher engravida há uma certa interrupção. Se a mulher ocupa o cargo de comandante, por exemplo, ela precisa largar seu comando.
Mesmo após a maternidade, profissional continuou avançando na carreira
Os primeiros momentos como mãe foram difíceis para Priscilla. A secretária contou que quase chegou a entrar em depressão.
"Minha filha nunca me deu trabalho, nunca trocou o dia pela noite, mas eu não conseguia dormir. Na minha cabeça parecia que aquela ia ser minha rotina para sempre. Eu não conseguia enxergar que minha filha ia crescer, ia para escola. Eu só enxergava aquela situação ali e pensava 'minha carreira acabou'."
Quando voltou do seu período de licença, a profissional foi assumir uma função na área de Comunicação Social. Depois de um ano e alguns meses, foi convidada a assumir a companhia que era responsável pela guarda do Palácio Guanabara.
Ficou apenas quatro meses, porque logo em seguida foi promovida a Tenente Coronel. Com 15 dias de promovida, ganhou o comando de um batalhão.
"Pra mim foi uma das coisas mais importantes da minha carreira, porque sempre admirei os comandantes. Fiquei assustada, muito feliz, mas com medo porque era um batalhão, não uma UPP. Mas, aceitei de cara", lembrou.
Depois do bom desempenho no comando do batalhão, chegou a promoção para se tornar a primeira mulher a assumir um cargo de secretária de estado. "
Independentemente do que eu tenho hoje, eu foco na minha carreira. Meu marido precisou entender isso, foi necessário. Nós [mulheres] precisamos nos impor."
Priscilla conta como foi adaptação à rotina de mãe
Priscilla sempre cuidou da filha somente com a ajuda do marido. Assim como Tatiana, precisou escolher uma creche para deixar sua bebê, enquanto trabalhava.
"Quando saia do trabalho eu pegava ela na escola e no carro mesmo tinha que amamentar. Foi uma rotina bem intensa. E eram muitos sentimentos. Quando eu estava perto não queria ficar longe e quando estava longe ficava preocupada."
Somadas a essas preocupações ainda tinham as responsabilidades do trabalho, que demandavam atenção e comprometimento.
Priscilla ainda destacou a ajuda que teve do marido nos cuidados com a filha, desde o nascimento da bebê. "Ele sempre foi nota dez. Se ele não me ajudasse como ele me ajuda, eu não sei se ia conseguir exercer as funções que eu assumi depois de me tornar mãe."
Hoje em dia, Priscilla e o marido, que também é policial, revezam nas tarefas de casa e nos cuidados com a filha. Até o momento, o casal cuida de tudo sem contar com ajuda de uma babá ou demais parentes.
A secretária nunca cogitou abdicar da carreira para se dedicar exclusivamente à rotina de mãe. O que mudou é que hoje a profissional tem mais cuidado em relação à sua segurança e a de sua família. Priscilla aproveitou para deixar um recado às mães que sonham em ter sua independência profissional:
"Corram atrás do melhor para si mesmas, porque isso vai gerar uma satisfação pessoal e financeira. Temos limitações e teremos sempre, mas a capacidade intelectual e de administrar problemas é a mesma para todos. Todas nós podemos."