'As pessoas nos veem como a última tábua de salvação', diz defensor
No Dia do Defensor, veja a história de Vander Antunes e conheça o papel social da carreira, além de vantagem, desafio e benefício da função.
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Publicado em:19/05/2020 às 05:00
Atualizado em:19/05/2020 às 05:00
Aquele ditado: 'a primeira experiência a gente nunca esquece' é aplicável em várias situações. E para o defensor público, Vander Antunes, não foi diferente. Em sua primeira defesa da carreira ele ajudou a absolver um réu que seria condenado a 119 anos de reclusão.
É com esse e outros relatos que o servidor concedeu entrevista à FOLHA DIRIGIDA para falar um pouco sobre a sua atuação na Defensoria Pública, em uma data para lá de especial: 19 de maio é Dia do Defensor Público.
Além de ser Dia do Defensor, também é dia da Defensoria Pública. Mas, você sabe o motivo de ser comemorado no dia 19 de maio?
De acordo com uma jurisdição regional do próprio órgão, a data foi escolhida para homenagear Santo Ivo de Kermatin - uma personalidade que se dedicou ao exercício da advocacia com excelência em defesa de: órfãos, viúvas, pobres - ou seja, todos os definidos, pela sociedade da época, como desassistidos.
19 de maio foi a data de sua morte, em 1303 e, a partir de 1982, foi instituído que se comemoraria o Dia do Defensor e da Defensoria nessa data.
Vander Antunes, 55, é defensor público no Estado do Rio de Janeiro há 14 anos, atuando na Vara de Família na Baixada Fluminense e conta o que é preciso para se tornar um servidor público da carreira.
"Há que se ter vocação. Essa é a palavra. Para exercer as funções inerentes ao cargo a pessoa precisa ter empatia, responsabilidade, amor ao próximo e muito controle emocional", elencou.
'As pessoas nos veem como a última tábua de salvação', diz o defensor
Vander diz que é realizado na carreira e que, perante a sociedade, o papel do defensor público é fundamental. Ele classifica que as pessoas enxergam o defensor como, talvez, a última saída para conseguir algum tipo de assistência em processos judiciais ou administrativos.
E, segundo ele, é papel do defensor prestar essa assistência integral e gratuita, além de orientação jurídica à essas pessoas - que não têm condições de arcar com as as custas judiciais e honorários advocativos.
"Sinto-me realizadíssimo na profissão, em todos os sentidos. Nada melhor do ver e sentir o agradecimento do assistido através do brilho nos olhos e do sorriso no rosto como forma de agradecimento, além, é claro, da remuneração ao final do mês que é condizente com a relevância do cargo."
"Sinto-me realizadíssimo na profissão, em todos os sentidos", diz Vander
(Foto: Arquivo pessoal)
O início de tudo veio com a primeira reprovação
A vida de um futuro servidor público não é feita só de conquistas. É o que falam por aí, concurso se faz até passar. E essa frase não é clichê não, viu. A história de Vander também revela o motivo de porque não desistir após a primeira reprovação.
O defensor conta que decidiu que tentaria o ingresso na carreira ainda na década de 90, nos primeiros anos - quando trabalhava como técnico em uma telefonia.
Ele conta que precisou dos serviços da Defensoria Pública em uma ação de natureza cível, na cidade de Nova Iguaçu - na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. E a experiência foi boa. De acordo com ele, sua defesa foi marcada por excelência, mesmo com muitas dificuldades encontradas pelos defensores.
Após perceber as responsabilidades e dedicação que eram compatíveis ao cargo, revela que se apaixonou de maneira imediata pela profissão e saiu decidido que seria defensor público.
Foi em 1993 que começou a graduação na área e terminou em 1997 - decidindo que na década seguinte começaria a sua dedicação ao ingresso no serviço público. Já em 2001, começou os estudos para o concurso público da Defensoria Pública.
Vander conta que estudou para a prova na própria Fundação Escola da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, realizando a prova no ano seguinte. Foi ai que veio a reprovação - após não passar pela banca de Direito Público. Segundo ele, por não se dedicar ao Direito Administrativo.
Mas, não foi essa tentativa frustrada que fez Vander desistir da carreira. Três anos depois, ele conta que foi aberto novo concurso e ele finalmente conseguiu a sua aprovação.
"No meu caso especificamente, as maiores dificuldades foram as questões financeiras para pagamento de cursos e para aquisição de material didático e a conciliação entre os estudos, trabalho e família, valendo ressaltar que recebi bastante ajuda ao longo dos estudos, de colegas de curso e, em especial, da própria Defensoria Pública, através da FESUDEPERJ."
Na primeira defesa: uma absolvição a condenação por 119 anos
A primeira experiência marcante de Vander atuando como defensor foi logo das grandes. Segundo ele mesmo diz "o primeiro a gente nunca esquece".
Ele conta que realizou sua primeira defesa na sessão plenária do Tribunal do Júri na 4ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias, com menos de um mês de posto.
Na ocasião, estava em decisão o futuro de um réu que já havia sido condenado a 119 anos de reclusão por uma chacina com cinco homicídios - havendo, por este motivo, um recurso de protesto por novo júri.
O réu foi submetido a um novo julgamento e lá estava Vander para atuar em sua primeira defesa. Além dele, ele conta que havia um promotor de Justiça também recém chegado, mas que mantinha em sua decisão a certeza por uma nova condenação - justificando sempre a vida pregressa do réu.
Entretanto, Vander comenta que verificou os autos e lá havia uma sindicância efetuada pela Corregedoria da Polícia Militar, na qual apontava os autores do crime. E o fato curioso: o nome do réu não estava entre eles.
O defensor comenta que, na época, nenhum dos operadores que haviam atuado no processo, incluindo o promotor, haviam dado percepção a essa sindicância. E, após caloroso debate oral da defesa, a leitura da sentença foi absolutória por falta de provas no placar de 4 x 3, resultando na absolvição.
"Nesse momento, o réu abaixou seu rosto sobre as mãos abertas e chorou de felicidades e logo em seguida voltou seu olhar para mim, com lágrimas nos olhos, um sorriso nos lábios e um semblante de gratidão e agradecimento."
Vander destaca o papel social da carreira, mas também destaca as vantagens
(Foto: Arquivo pessoal)
Desafios e vantagens da carreira de defensor público
Perguntado sobre quais seriam os desafios que a carreira de defensor público apresenta, o servidor resumiu em: tornar-se vela. E ele explica, ainda, que o ato de defender, por si só, já é um grande desafio.
Vander comenta o fato de ter que lidar com a enorme desigualdade socioeconômica do país - que obriga a ter que manter efetivamente a garantia dos direitos fundamentais do cidadão, além dos direitos sociais previstos em Lei.
"Portanto, o maior desafio do defensor público, ao meu sentir, é tornar-se vela, como outrora disse o Padre Antônio José Vieira: “Há homens que são como as velas; sacrificam-se, queimando-se para dar luz aos outros.”
Sobre as vantagens da função, Vander cita os privilégio de poder ser livre para exercer as atividades, sem quaisquer influências ou pressões - sejam elas internas ou externas.
"A observância dessas prerrogativas, o tratamento isonômico e o enorme esforço envidado pela chefia institucional e sua equipe da Administração Superior para prosseguir na conquista dos avanços, são as maiores vantagens de exercer o cargo de Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro."
Das atribuições, servidor elenca a mais difícil, delicada e injusta da carreira
As atribuições de um defensor público são variadas. Mas, segundo Vander, nem todas têm o seu mesmo grau de dificuldade e justiça.
Segundo ele, a atuação nas Varas de Fazenda Pública ou nas Varas que fazem às vezes destas (varas cíveis com atribuição fazendária) é a atribuição maisdifícil, delicada e injusta da carreira de defensor público.
"Mesmo após vitória sofrida e sacrificada contra o Poder Público, após anos a fio de batalha judicial, via de regra, a pessoa ainda tem que se submeter a uma fila de espera infindável para receber sua indenização, os denominados precatórios, que nunca chega a hora de serem pagos por conta de indefinidas prorrogações dos prazos por leis e emendas constitucionais."
Por fim, o servidor ainda conta à reportagem que são muitos os benefícios de um defensor público. Além das garantia remuneratórias, ele cita o ambiente de trabalho - afirmando que a defensoria é uma grande família e isso já pode ser considerado um grande benefício.
Ele ainda cita a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, ajudando com seu mister a diminuir as injustiças sociais - sendo tudo isso muito gratificante.
"Como disse antes, fui assistido da Defensoria Pública. Estive do lado de lá da mesa e hoje estou do lado de cá, exercendo a apaixonante função de defensor público. Portanto, não desista. Só os que persistem chegam lá, os que desistem nunca chegarão. Não importa a carreira almejada, não põe a culpa na falta de tempo ou de dinheiro ou que você precisa se dedicar à sua família.
Durma menos, peça ajuda se necessário for. Seus filhos e sua esposa irão compreender. Não passou na primeira, nem na segunda, nem na terceira, continue estudando e tentando. Agindo assim, certamente sua vez chegará. Bons estudos e boa sorte."