Quais as dificuldades para refugiados no mercado de trabalho brasileiro?

No dia do refugiado, FOLHA DIRIGIDA evidencia as dificuldades de empregabilidade

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Publicado em:20/06/2020 às 06:00
Atualizado em:20/06/2020 às 06:00

O Brasil conta com mais de 48 mil refugiados que saíram de seus países em contextos de guerra e perseguição. Eles buscam uma oportunidade para recomeçar, mas nem sempre é fácil entrar no mercado de trabalho brasileiro.

A língua e cultura são algumas das barreiras para agregar a mão de obra estrangeira. A Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) realiza uma série de ações para fomentar a empregabilidade dessas pessoas.

A inclusão dos profissionais, segundo o Acnur, pode tornar a economia mais diversificada e com diferentes conhecimentos para somar à sociedade. Neste sábado, 20 de junho, quando é comemorado o Dia do Refugiado, FOLHA DIRIGIDA evidencia as dificuldades de acesso ao emprego para refugiados no Brasil.

Além de apresentar relatos de quem luta para reconstruir sua própria história em território brasileiro. Salsabil, por exemplo, teve que deixar a cidade de Douma, na Síria, devido à guerra que persiste no país há mais de nove anos.

No Brasil desde 2014, Salsabil teve o seu diploma de Farmácia revalidado pela Compassiva, organização parceira do Acnur. Porém, ela seguiu por um novo caminho: o da culinária.

“Desde que cheguei ao Brasil fui atrás do que queria. Revalidei meu diploma, fiz cursos de capacitação profissional com a Migraflix, Empoderando Refugiadas e Mulheres do Brasil. Com todos esses saberes, optei por abrir o meu próprio negócio, o serviço de catering que tem meu próprio nome: Cozinha de Salsabil”, disse com orgulho a empreendedora.

 

Refugiados encontram maneira de estruturar vida no Brasil
Salsabil ao lado da chef Paola Carosella (Foto: Divulgação/Acnur)

 

Com a pandemia do Coronavírus, ela precisou se reinventar. Passou a receber encomendas por redes sociais e oferecer marmitas e comidas congeladas.

 “Até já cozinhei ao lado da Paola Carosella, mostrando os segredos de como fazer os deliciosos quibes sírios, mas agora dependo dos pedidos das redes sociais para manter a casa de pé, onde passei a ofertar marmita e comidas congeladas para encomendas familiares”, afirmou a chef.

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Dificuldades no acesso aos programas governamentais

O caminho nem sempre é fácil. Muitos refugiados perderam trabalho diante da pandemia. Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, Maria Nilda, idealizadora e coordenadora do projeto Deslocamento Criativo, em São Paulo, indicou que os refugiados em trabalhos braçais foram os primeiros a serem dispensados.

“Se a pessoa não tem um trabalho autônomo, como criar um da noite para o dia e enfrentar toda a concorrência que estamos vendo? Sem falar do pouco domínio do processo de produção e a logística. Alguns têm sobrevivido porque já atuavam desse modo e as comunidades (pessoas) se sensibilizam, compram e divulgam”, contou.

Miguel Pachioni, assessor de informação pública do Acnur no Brasil, também evidenciou os resultados de uma pesquisa que realizou com 153 pessoas atendidas por uma ação no Centro de Integração da Cidadania (CIC) do Imigrante, em São Paulo.

De acordo com o assessor do Acnur, 93% das pessoas estavam desempregadas, 73% não recebiam o Bolsa Família e 59% não tinham acesso a ajuda emergencial do governo.

“É um recorte mínimo que fizemos, mas conseguimos ver que as demandas tem aumentando de forma exponencial. As pessoas usam o auxílio para ‘compra de alimentos e pagamento de aluguel’. A situação, hoje, é muito complicada”, contou à reportagem.

Para Pachioni, “se a gente não conseguir manter a pessoa com minimamente alimento e moradia, isso vai gerar um impacto muito maior na população como um todo”.

Em momentos de crise, os refugiados no Brasil não costumam contar com a mesma rede de proteção social que ampara os nacionais, sobretudo os empregados formalmente. A falta de um CPF, por exemplo, já impossibilita o acesso ao auxílio emergencial oferecido pelo governo para trabalhadores informais durante a pandemia.

“Os programas do governo federal têm uma dificuldade de aceite das pessoas refugiadas até relacionadas à documentação. O auxílio emergencial impõe ter uma conta bancária ou um aplicativo. O que são limitações que restringem o acesso da pessoa. Além do conteúdo ser apenas em Português”, ressaltou.

Já para Maria Nilda, a reversão só se dará quando governantes, ao criarem serviços de apoios, considerarem todas as especificidades desse grupo de pessoas. “Desde a documentação, que é diferente, até a questão do idioma e outras peculiaridades. Ter a consciência de que se aceitou a estadia deles aqui, é responsável”, pontuou.

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Organizações trabalham para mudar o atual cenário

Para Miguel Pachioni, é preciso desmistificar que existem diferenças entre contratar uma pessoa refugiada e uma brasileira.

“Uma pessoa refugiada quando chega ao Brasil ou que solicita o refúgio já pode ter dois documentos fundamentais: o CPF e a Carteira de Trabalho. Daí, o processo de contratação é igual ao de qualquer outra pessoa”, afirmou o assessor do Acnur.

A Agência trabalha com algumas ações para gerar a empregabilidade de refugiados no país. Como por exemplo, a revalidação gratuita dos diplomas, processo que pode custar até R$20 mil. Além de cursos de aperfeiçoamento e de adequação dos saberes à realidade brasileira.

 

Acnur realiza ações para desenvolver a empregabilidade de refugiados no Brasil
Acnur realiza ações para desenvolver a empregabilidade de refugiados
no Brasil (Foto: Divulgação/Acnur)

 

Há também o Projeto “Empoderando Refugiadas”, que é voltado para mulheres refugiadas. As participantes aprendem sobre entrevistas de trabalho, sobre o mercado brasileiro e quando uma atitude pode ser considerada assédio.

O Acnur também desenvolve a plataforma “HELP”, que possui informações voltadas à pessoas refugiadas. A Agência traduz conteúdos sobre auxílios emergenciais do governo em cinco idiomas para ajudar os refugiados.

“A questão do idioma é um gargalo. Cabe a gente saber tudo que está sendo produzido no Brasil na ajuda emergencial, traduzir e fazer com que a informação chegue as pessoas”, explicou Pachioni.

De acordo com o assessor, é necessário facilitar o acesso das pessoas refugiadas à informação. Em um formato que seja fácil e acessível.  A idealizadora e diretora do projeto Deslocamento Criativo, Maria Nilda, complementa a discussão. Para ela, o idioma e a equivalência de certificado são os primeiros entraves para ingresso no mercado de trabalho brasileiro.

“Depois, estão os preconceitos e o fato de a pessoa ter de ingressar como iniciante em qualquer área. Diversos questionamentos acontecem, tais como ‘por que empregar um imigrante se temos tantos brasileiros desempregados?”, apontou.

Maria contou que o projeto Deslocamento Criativo é voltado para refugiados que atuam, ou queiram atuar, na área da economia criativa. “Em geral, aqueles autônomos (moda, artesãos, gastronomia, cinema e outros). Buscamos gerar oportunidade onde possam comercializar seus produtos, acompanhar o desenvolvimento de suas atividades, divulgar”.

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79% dos refugiados querem abrir o próprio negócio

Uma maneira comum dos refugiados recomeçarem a vida é com a abertura de próprios negócios. Uma vez que a atividade não exige revalidação de diplomas ou indicações de emprego.

Em pesquisa feita pelo Acnur, 79% das pessoas refugiadas querem abrir seu próprio negócio. “As pessoas chegam ao Brasil e, pela necessidade de ter sua própria fonte de renda, elas querem ter seu negócio. Mas, aí esbarram na burocracia, tempo para abrir uma empresa, a documentação para ter conta bancária”, relatou Miguel Pachioni.

O assessor explicou que o Acnur dialoga com algumas empresas, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para espalhar conhecimento sobre empreendedorismo. Na visão de Pachioni, a maior dificuldade é acesso às linhas de crédito e abertura de contas bancárias.

“Muitas pessoas não conseguem abrir uma conta bancária. E precisam disso para conseguir um trabalho. Se a pessoa chega para uma entrevista e fala que não tem uma conta bancária, o empregador pode dispensar. Precisamos de políticas para fazer com que a máquina funcione plenamente”.

Mouhammad, por exemplo, que chegou ao Brasil em 2014, conseguiu abrir o restaurante e espaço cultural Majaz, localizado no bairro de Santa Cecília, em São Paulo.

“Nosso ambiente é todo diferenciado, em suas diversas linguagens. O cheiro advindo dos pratos que servimos, a equipe de refugiados palestinos, sírios e senegaleses que trabalham conosco, o espaço cultural ‘Ghasan Kanafani’ que temos para exposições e debates, as decorações das paredes com os nomes dos campos de refugiados palestinos”, caracterizou Mouhammad.

O assessor do Acnur, Miguel Pachioni, destacou o perfil resiliente dos refugiados, diante de todas as dificuldades enfrentadas até chegarem ao Brasil.

“Isso faz com que eles tenham uma perspectiva de adaptação superior à questões relacionadas ao público brasileiro. Acredito que o potencial que elas têm em se reinventar é um ganho, para que possam voltar com mais força ao mercado de trabalho”, concluiu.

Por Bruna Somma - bruna.somma@folhadirigida.com.br