Como o racismo estrutural impacta na empregabilidade de negros?

Entenda como o racismo estrutural causa impactos na empregabilidade de profissionais negros, especialmente em cargos de liderança.

Autor:
Publicado em:24/11/2020 às 10:00
Atualizado em:24/11/2020 às 10:00

Piores condições de emprego, menores salários e menos chances de ascensão profissional são apenas alguns dos desafios enfrentados por pessoas negras no mercado de trabalho. Você já se perguntou como o racismo estrutural impacta a empregabilidade de profissionais negros?

Para entender a questão, Folha+ conversou com Delton Aparecido Felipe, diretor de Relações Internacionais da Associação de Pesquisadores (as) Negros (as) (ABPN). Em primeiro lugar, é importante esclarecer a relação entre o racismo estrutural e o mercado de trabalho.

Segundo Delton Felipe, o racismo estrutural nada mais é do que a forma como o Brasil estruturou suas relações sociais, desde o Brasil Colonial. Ou seja, desde a chegada dos portugueses e a adoção da mão de obra escrava africana.

O professor e doutor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (PR) explicou que, desde esse período, se desenvolveu um sentimento de superioridade em relação aos europeus e sua imagem, a partir da ideia de ser branco. Em contrapartida, o corpo negro passou a ser visto como inferior e atrelado ao serviço braçal e não intelectual.

“O racismo estrutural diz sobre a nossa colonização e sobre as hierarquizações sociais, a partir do critério racial. E aqui no Brasil temos que lembrar que o critério racial está ligado à aparência, ao fenótipo.”

No entanto, o especialista destacou que o racismo estrutural só se sustenta no mundo corporativo, porque alinhado a ele existe o racismo institucional, que também causa reflexos quando o assunto é a empregabilidade de pessoas negras. 

enlightenedEntende-se por racismo institucional as condições desiguais que pessoas negras enfrentam em instituições como empresas e universidades. Por exemplo, o fato de profissionais negros terem menos tempo de estudo em detrimento dos brancos.

Racismo estrutural se apoia em outras condições desiguais para funcionar

Os preconceitos relacionados à aparência somados à dificuldade do negro em se manter por mais anos na escola e ingressar em uma universidade resultam na criação de estereótipos de que a população negra não é apta a determinados tipos de trabalhos. Especialmente, os cargos mais altos da hierarquia empresarial.

“Primeiro, o racismo estrutural causa empecilhos institucionais, como a menor escolarização e a dificuldade de entrada nas universidades. Depois, ele constrói, também, uma subjetividade, que envolve o empregador, em entender que muitas vezes, mesmo aquela pessoa tendo uma formação adequada para a vaga, ela não é o melhor perfil”, apontou Delton Aparecido Felipe.

Por conta disso, muitos movimentos negros passaram a questionar essa ideia de perfil. Por entender que a aparência é um dos fatores que podem impedir o ingresso de pessoas negras no mercado de trabalho.

Outro elemento importante é a chamada síndrome do impostor. Ou seja, o próprio profissional abre mão de se candidatar a uma vaga por não se achar adequado e não se enxergar em meio às outras pessoas que atuam naquela empresa.

“Sem dizer que existe o medo enorme do profissional se candidatar a um posto de liderança nas empresas e descobrir que não foi escolhido, por mais que seja o mais competente entre os candidatos, por causa da cor. Por conta do medo de passar por uma situação de racismo.”

Mesmo quando a pessoa negra consegue a vaga, a tendência é que ela receba um salário inferior ao dos colegas brancos. Pesquisas do IBGE apontam que uma mulher negra chega a receber três vezes menos que um homem branco, exercendo funções semelhantes.

“O racismo estrutural não funciona sozinho. Para ele funcionar, tem uma série de companheiros, que é o racismo institucional, o racismo subjetivo, que atravessa o processo de empregabilidade e ajuda a explicar porque pessoas negras muitas vezes não conseguem ocupar determinados cargos nas empresas.”

Por isso, Delton defendeu que, além de investirem em ações afirmativas no processo de contratação, as empresas e setores de Recursos Humanos também devem contar com profissionais negros em suas equipes.

“Isso ajudaria imensamente no processo de inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho. Lembrando que esse processo de inclusão não se trata somente de uma política de boa vontade, mas de uma política que nos ajuda a construir um país mais diverso e empresas mais diversas”, defendeu.

 

Delton Aparecido
"As políticas de diversidade ajudam no fortalecimento da democracia,
porque onde há racismo não há uma democracia forte."
(Foto: Arquivo Pessoal)

 

Como as empresas estão reagindo a essa desigualdade no mercado de trabalho?

Algumas empresas já perceberam que, além das questões sociais, a diversidade é rentável. “Se você pegar as 10 empresas que mais tiveram lucros em 2018, vai perceber que essas empresas têm políticas de diversidade e, por isso, conseguem vender produtos para públicos diferentes e ter esses públicos como seus consumidores”, destacou Delton.

Um exemplo é o Magazine Luiza, que este ano se viu em meio a uma polêmica por conta de um processo seletivo para trainees, exclusivamente para candidatos negros. Para o diretor de Relações Internacionais da ABPN, a polêmica não existe.

“No momento em que você adota uma política de ação afirmativa, que é um direito da minoria ancorado na nossa legislação, a branquitude — e quando eu falo branquitude eu não estou falando de pessoas brancas, mas de um sistema que privilegia essa branquitude—, se ressente e vai dizer que isso fere o princípio de igualdade.”

O professor não acredita que as empresas estejam, de fato, preparadas para adotar, por iniciativa própria, essas políticas de diversidade. Porém, os próprios consumidores exigem que o assunto seja tratado com atenção pelas instituições.

“Hoje nós temos um consumidor mais exigente e temos movimentos negros adotando uma postura que alerta essas empresas para a necessidade da diversidade. E aí, chegamos a movimentos como: eu não vejo, não compro.”

Delton Aparecido Felipe relembrou a situação ocorrida com o Nubank recentemente. “A declaração de uma das fundadoras da Nubank gerou não só a queda de ações na Bolsa, mas o fechamento de, pelo menos, 8% de suas contas correntes. Pessoas boicotando a Nubank por não adotar políticas de diversidade e ainda afirmar que não há pessoas negras preparadas para cargos de comando”, lembra.

O especialista reforçou que, nesse sentido, as mídias sociais (Facebook, Twitter, Instagram) ajudam nessas mobilizações e no alerta às empresas de que elas precisam investir em diversidade.

Botão com link para Newsletter

Empreendedorismo negro vira alternativa à falta de oportunidade

Outra movimentação que também está ganhando força nas redes sociais é o apoio ao empreendedorismo negro. O afroempreendedorismo vem se popularizando, especialmente entre as mulheres, como uma alternativa para garantir uma renda extra.

Isso acontece, especialmente entre as mulheres, porque são as que ficam desempregadas mais rápido e têm maior dificuldade de colocação no mercado de trabalho. No geral, mulheres negras ganham menos e ocupam posições em que recebem menos.

“Ou ela vai para o empreendedorismo porque precisa de uma renda ou porque precisa de uma complementação de renda. Por exemplo, ela trabalha como doméstica e faz bolo no fim de semana para vender.”

Leia também: Dia do Empreendedorismo Feminino: 6 empreendedoras inspiradoras

Além disso, através do empreendedorismo negro, essa população tem acesso a produtos que normalmente não são oferecidos pelas grandes empresas, como as bonecas negras. Delton chamou a atenção para o fato de que as poucas bonecas negras fabricadas por grandes empresas que estão disponíveis no mercado são vendidas por um preço que muitas vezes os consumidores negros não podem pagar.

“O que temos que tomar cuidado é que algumas empresas, percebendo o afroempreendedorismo e que a população negra, cada vez mais, está querendo se ver para consumir, têm adotado o que a gente chama de afro conveniência. Ou seja, construir produtos voltados para população negra para atrair esse público”, questiona.

Por isso, o especialista recomenda que os consumidores observem não só o produto em si, mas quem o produz, se o valor pago vai mesmo para ajudar na circulação de renda entre pessoas negras. 

“O empreendedorismo negro é uma alternativa para essa vulnerabilidade que nós encontramos no mercado de trabalho e a falta de representatividade que nós encontramos nos produtos que são oferecidos pelas grandes empresas.”