A jornada para concursos é, inegavelmente, um caminho de desafios emocionais. Dentre eles, um campeão de recorrência assombra a rotina de muitos: a procrastinação.
Aparecendo em segundo lugar, logo após a ansiedade, ela se torna o principal obstáculo entre o concurseiro e seu grande objetivo: a nomeação, a aprovação, o cargo público.
Mas, afinal, por que fugimos daquilo que mais queremos? Por que evitamos justamente as tarefas – as metas, os ciclos de estudos – que sabemos serem cruciais para alcançar a tão sonhada aprovação?
Não é Preguiça, é Fuga Emocional
É fundamental desmistificar: a procrastinação não é preguiça ou falta de vontade. Ela está longe disso.
A procrastinação é, em sua essência, uma fuga emocional. É um mecanismo de esquiva de alguma emoção negativa que está associada a uma tarefa específica. Não fugimos do estudo em si, mas do que ele nos faz sentir.
Seja o medo de errar (como na redação ou nos simulados, onde a falha se torna mais evidente), o tédio diante de um artigo extenso, a insegurança com a proximidade da prova ou o perfeccionismo que paralisa – a tarefa torna-se aversiva porque comunica uma emoção que queremos evitar a todo custo.
O Ciclo vicioso da procrastinação
Nosso cérebro, buscando sempre evitar o desconforto e economizar energia, nos leva a buscar recompensas imediatas. Diante de uma tarefa difícil, a amígdala é ativada, gerando um estresse antecipatório. Para escapar dessa sensação, o sistema de recompensa entra em ação:
- Evitação: fuga da tarefa desagradável.
- Recompensa Imediata (Dopamina): rolar o feed do celular, lavar uma louça, jogar videogame. Um alívio momentâneo da ansiedade.
- Culpa e Frustração (Cortisol): o alívio é de curto prazo. Logo, o julgamento, a frustração e a culpa surgem, liberando um alto nível de cortisol, o hormônio do estresse.
- Desmotivação e Estresse: o estresse gerado retroalimenta o ciclo, tornando a próxima tentativa de estudar ainda mais difícil e desconfortável.
O cortisol é mais duradouro que a dopamina, e é por isso que a culpa, que geralmente chega no final do dia, prejudica até mesmo o sono do concurseiro.
Iluminando as emoções para dominá-las
O caminho para interromper esse ciclo é o autoconhecimento. “Tudo que a gente domina, a gente nomeia”. Precisamos jogar luz nas nossas emoções.
Perguntas-chave para o autoconhecimento:
- Qual tipo de tarefa eu mais procrastino (redação, simulado, uma disciplina específica)?
- O que eu faço no lugar da tarefa (qual a minha recompensa imediata)?
- Como eu me sinto e o que eu penso sobre mim mesmo depois de procrastinar?
Ao identificar se a raiz do problema é o medo, a insegurança, a comparação ou o perfeccionismo, podemos aplicar estratégias direcionadas.
Estratégias para interromper o ciclo
- Regra dos 5 minutinhos: se a dificuldade é iniciar, comprometa-se a fazer a tarefa por apenas 5 minutos. Isso ativa o sistema de ação e quebra a resistência, tornando mais fácil continuar.
- Fracionamento: transforme grandes objetivos (o edital completo) em microtarefas visuais. Olhe para o próximo degrau, não para a escada inteira.
- Ambiente e estímulo: crie um "ritual de entrada" para as tarefas difíceis. Música relaxante, um local fixo de estudos, uma vela. É preciso informar ao seu sistema nervoso que está tudo bem, que o ambiente é seguro para o desconforto.
- Autocompaixão e diálogo interno: substitua o julgamento e a rigidez por acolhimento e curiosidade.
Lembre-se: “Fazer algo é melhor do que não fazer nada.” O erro faz parte.
O problema não é a preguiça; é o medo. E o medo, quando acolhido, enfraquece. É possível construir novos caminhos neurais e, com observação e carinho, transformar a fuga em movimento, aproximando-se, a cada dia, do tão desejado objetivo final.
Kelly Alves
CRP: 01/23344
@psicologakellyalves
