Conheça a professora que superou trauma de agressão em sala de aula
Conheça a história de superação da professora da SME Rio Marcelle Falcão, professora há 17 anos e servidora pública há oito.
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Publicado em:06/01/2020 às 10:16
Atualizado em:06/01/2020 às 10:16
“Funcionário público não trabalha.”
“Funcionário público tem vida boa.”
“Funcionário público é preguiçoso.”
Você, futuro servidor ou funcionário público, com certeza já deve ter ouvido pelo menos uma dessas frases. Infelizmente muitas pessoas ainda acreditam que servidores não trabalham, o que é um grande engano.
A prova disso é Marcelle Falcão, professora de escola pública no Rio de Janeiro, que tem sua trajetória marcada por um episódio de superação. A profissional acumula oito anos no funcionalismo público e 17 no Magistério.
Marcelle costumava trabalhar em escolas particulares desde que se formou. No entanto, um acidente sofrido em 2012 mudou os rumos de sua carreira e também de sua vida.
Por causa dele, ela foi demitida do lugar onde lecionava e viu nos concursos públicos uma oportunidade. Decidiu focar nos estudos e em menos de um ano foi aprovada para uma vaga em sua primeira escola pública.
“O que me fez escolher a carreira pública foi a estabilidade. Eu já sou professora há 17 anos e sempre trabalhei em escola particular. Mas em 2012 sofri um acidente e em seguida fui mandada embora. Então decidi que ia estudar para passar em um concurso público, e foi o que eu fiz.”
Mas a vida não é tão simples assim. Quem já passou em concurso público sabe que, ao contrário do que muitos pensam, a luta dos profissionais é grande.
“Nesses oito anos de serviço público eu já passei por diversas situações. Algumas boas e outras nem tão boas assim.”
Desafios dos primeiros anos marcaram trajetória de Marcelle
Quando passou no primeiro concurso público, Marcelle Falcão foi trabalhar como professora de Educação Infantil de uma escola localizada em um bairro perigoso no Rio de Janeiro, marcado principalmente pela violência.
Seus primeiros desafios como docente no serviço público estavam relacionados a esta realidade, talvez mais até do que ao Magistério em si.
“Nós passávamos por muitos tiroteios lá dentro, com crianças. Mas eu sabia que havia um objetivo maior para eu estar naquele lugar.”
A professora sempre acreditou que seu propósito na escola era levar uma educação de qualidade para aqueles alunos. E foi o que ela fez e continuou fazendo ao passar para outras escolas.
Naquele bairro, Marcelle trabalhou por algum tempo, depois passou para uma vaga de Educação Infantil em uma creche em outro bairro carioca.
Mas sempre buscando evolução profissional e novas oportunidades, continuou prestando concursos. Após meses de estudos, passou em uma seleção para trabalhar em regime de 40 horas por semana.
“Ao iniciar o trabalho como professora de 40 horas tive contato com outros profissionais maravilhosos. Mas na nova escola passei por situações memoráveis.”
Quando a função de professora ultrapassa os limites da sala de aula
“A minha grande paixão é trabalhar com alfabetização, tanto de crianças quanto de jovens e adultos.”
Marcele conta que sempre teve um gosto especial por trabalhar com alfabetização e que, inclusive, já fez grandes projetos nesta área. Por conta disso, teve a oportunidade de viver histórias que marcaram sua trajetória.
Uma delas foi com um aluno de 13 anos, chamadao Paulo André. Ele tinha dificuldade em grau elevado com a leitura. Marcelle começou a dar aulas para ele em 2013 e logo percebeu a dificuldade na alfabetização.
Um dos desafios que precisaria enfrentar, como ela descobriu mais tarde, era que a criança não tinha apoio para ler em casa. Acontece que sua mãe também era analfabeta e seu pai lia com dificuldades.
Por conta de suas próprias limitações, os pais do menino não o ajudavam nas tarefas de casa. A professora, então, foi além das funções de sala de aula que o seu cargo público exige.
Ela conta que passou a tratar Paulo André como um filho. Olhava o caderno do menino, ficava com ele depois do horário e estimulava nele o interesse pela leitura e aprendizado.
Assim, três anos mais tarde, em 2016, Paulo André começou a ler.
“E quando ele leu, eu desabei”, contou a professora.
Agressão afastou professora das salas de aula por meses
Mas como dito por Marcelle, 'nem tudo são flores'. O trabalho como professora de 40 horas também rendeu a ela histórias tristes.
Em 2014, três anos depois de ter ingressado no serviço público, Marcelle foi agredida em sala de aula pela mãe de um aluno.
Neste momento ela entrava para uma estatística angustiante no Brasil e passava a fazer parte dos 12,5% dos docentes que já foram vítimas de violência ou ameaças em escolas.
“Tive que pedir licença, tomar remédio controlado. Voltar para a sala de aula foi muito difícil para mim.”
Esse episódio na carreira da professora custou meses de afastamento do trabalho. Ela conta que, por conta do trauma, teve dificuldades para retornar a dar aulas.
Mas a força de outras colegas de trabalho foi essencial para que Marcelle não desistisse de seu propósito como professora.
O apoio das outras professoras nesse momento impactou positivamente em seu retorno. Então, superando o episódio da agressão, alguns meses mais tarde Marcelle estava de volta à sala de aula.
“O que me ajudou foi o apoio das minhas colegas de trabalho, que pararam a escola e fizeram um trabalho em prol do meu bem estar. Essa valorização que muitas vezes as outras pessoas não dão a nós da área, eu senti com elas. Elas foram as responsáveis por ter voltado.”
‘Tudo o que eu sou hoje eu devo à escola pública’
Hoje, oitos anos após prestar seu primeiro concurso público e tendo passado por uma série de verdadeiras provações, Marcelle segue firme e forte no seu cargo.
A rotina de trabalho é pesada, trabalhando oito horas por dia, 40 horas por semana. Isto mais o tempo do trabalho que acaba realizando de casa, já que os professores não têm um horário de planejamento adequado.
“E ainda temos que dar conta da casa, da família, de tudo. É muito complicado.”
Mas, como ela própria lembra, seja qual área for do serviço público, sempre há desafios a serem superados. Ela destaca a Educação e a Saúde, pois são profissões nas quais outras pessoas dependem daquele profissional.
“Esses servidores chegam no seu local de trabalho e não têm como dizer ‘hoje não quero’. Têm pessoas aguardando você dar o seu melhor e precisando do seu trabalho.”
Para Marcelle, a função social do professor é preparar. Ela ainda reforça que isso independe de se estar trabalhando em uma escola pública ou particular.
“Até porque eu sou filha da escola pública. E se hoje eu tenho a minha casa, a minha família e um padrão de vida estável é graças ao serviço público. Então eu não me permito fazer um trabalho mal feito. Estou aqui para dar o meu máximo, a minha excelência. Tudo o que eu sou hoje eu devo à escola pública.”