Empregabilidade do jovem negro: como atuam as políticas públicas?

Especialistas comentam iniciativas públicas em prol da equidade racial no mercado de trabalho

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Publicado em:03/07/2020 às 11:30
Atualizado em:03/07/2020 às 11:30

No último mês, o movimento #blacklivesmatter ganhou destaque internacionalmente por conta do assassinato do ex-segurança negro George Floyd, nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, o movimento fomentou discussões sobre o racismo em diversos aspectos sociais e culturais. E no mercado de trabalho não foi diferente.

Os jovens negros ainda integram a maior parcela da sociedade que não tem acesso a empregos formais. De acordo com um levantamento divulgado pelo IBGE no fim de 2019, o índice de evasão escolar também é maior para esse público.

Os dados eram referentes ao ano de 2018. A taxa de jovens pretos ou pardos cursando o ensino superior ou com graduação completa, por exemplo, era de 18,3%, enquanto entre jovens brancos, o percentual era o dobro, de 36,1%.

De acordo com Cléber Santos Vieira, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABNP), o Brasil sofre, historicamente, um problema educacional muito sério. 

Segundo ele, esse gargalo que exclui um contingente significativo de jovens negros do acesso à educação ainda é reflexo do período pós-abolição da escravatura. E isso traz consequências para o mercado de trabalho.

"O acesso e permanência nas escolas e universidades é um fator importante para essa ocupação no emprego formal. Nós temos um gargalo no ensino médio em que um contingente importante de estudantes, com idade de 13 e 14 anos, estão na escola, mas depois precisam sair para ajudar suas famílias na renda domiciliar. Isso é uma exclusão", analisou. 

 

Jovens Negros
Jovens negros ainda enfrentam diversas dificuldades para inserção
no mercado de trabalho (Foto: Divulgação)

 

Políticas Públicas visam a diminuição das desigualdades raciais

Desde 2001, o Brasil é signatário dos protocolos internacionais de combate a todas as formas de discriminação racial, xenofobia e correlatos. Tais acordos preveem ações para promoção de equidade social e racial.

Por conta disso, aqui no Brasil foram estabelecidas algumas políticas públicas em prol das ações listadas no acordo internacional. Entre elas, as políticas afirmativas que abrangem os acessos às universidades, ao serviço público e a programas de pós-graduação.

"Se nós temos um contingente de cotistas significativo, então somos levados a pensar na formação acadêmica a longo prazo e numa formação qualificada em várias áreas do conhecimento, para que, quando o estudante conclua sua graduação ou sua pós graduação, ele tenha mais condições de ocupar espaços no mercado formal", ressaltou Vieira.

Ainda de acordo com o pesquisador, as políticas públicas podem contribuir muito para combater essa desigualdade, não apenas abrindo os espaços, mas assegurando uma permanência de qualidade desses jovens na educação. Além disso, o poder público tem um papel fundamental na fiscalização das políticas de combate às desigualdades raciais.

No entanto, segundo Vieira, a sociedade ainda precisa assimilar que o racismo no Brasil é um problema de todos. "Resolver o problema das negras e dos negros significa resolver um problema de mais de 54% da população brasileira. Significa resolver a questão das desigualdades raciais que, evidentemente, desdobram-se nas desigualdades sociais."

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Empresas privadas precisam assumir um compromisso com a justiça social

Valdirene Silva de Assis, procuradora do trabalho, coordenadora da Coordigualdade (MPTSP) e coordenadora do Fórum de Combate ao Racismo e do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros (MPT), atua diretamente em iniciativas que visam a solucionar essa desigualdade no mercado de trabalho.

Para ela, as ações afirmativas são instrumentos poderosos para a promoção de justiça social. Além disso, a iniciativa privada, que responde por um número significativo de postos de trabalho no país, também precisa ter um compromisso com a justiça social e com ações de prevenção e combate a toda forma de discriminação. 

"As empresas precisam revisar seus processos seletivos e suas políticas internas de Gestão de Pessoas, a fim de efetivar políticas de equidade racial", destacou.

Valdirene ressaltou que é importante compreender a responsabilidade do Estado em desenvolver políticas para o enfrentamento desse processo e para a promoção da equidade e de condições de uma vida digna e justa a todas as pessoas. "Precisamos enxergar, também, que a sociedade como um todo deve se comprometer com o princípio da não discriminação e o princípio da equidade racial porque afeta a todos nós."

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MPT desenvolve projeto em conjunto com a iniciativa privada em prol da equidade racial

Nesse sentido, o Ministério Público do Trabalho está realizando um projeto nacional de inclusão de jovens negros e negras universitários no mercado de trabalho. A iniciativa é coordenada por Valdirene.

O projeto selecionou três segmentos econômicos, considerando sua relevância, e busca promover e incentivar a inclusão desses jovens nesses setores. São eles:

Publicidade

Segundo a procuradora do trabalho, o segmento foi escolhido por conta de seu potencial para formar opinião e porque quando visto de fora mostra "a cara" que o país tem. Portanto, deve espelhar sua democracia e diversidade. Para isso, precisa ter em seus quadros pessoas negras atuando.

Advocacia

De acordo com uma pesquisa do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), menos de 1% dos profissionais que trabalham nas grandes bancas de advocacia do país são negros. Por isso, a escolha desse setor. Além disso, este é o segmento que opera o Direito, área que, inclusive, aconselha empresas sobre seus processos seletivos e sobre a sua Gestão de Pessoas. 

Empresarial

Para a escolha desse setor, outros dados foram analisados. Segundo uma pesquisa do Instituto Ethos, nas 500 maiores empresas que atuam no país, apenas 0,5% têm mulheres negras no quadro de executivos.

"Nós escolhemos os três segmentos (advocacia, publicidade e empresarial) buscando elevar em 30% o número de jovens negros e negras universitários contratados por empresas desses setores. Seja através do estágio, dos processos seletivos de trainee ou de cargos efetivos de emprego, no sentido mais amplo", explicou Valdirene.

A iniciativa também prevê progressões de carreira e acesso a postos de gestão. As atividades do projeto foram iniciadas em julho do ano passado e contam com uma abrangência nacional, a fim de envolver procuradores do trabalho em todo o país.

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Empresas participantes recebem orientações do MPT

O próprio Ministério Público seleciona as empresas que vão participar do projeto. A escolha leva em consideração a importância que essas instituições têm para o seu segmento e seu poder de inclusão e de propagação dessas políticas de igualdade étnico-racial.

A partir daí, o MPT promove grupos de discussões, que agora realizam encontros de maneira virtual, onde as empresas apresentam o que estão realizando e trocam experiências umas com as outras sobre o que pode ser feito de forma mais efetiva pela inclusão.

O Ministério Público, por sua vez, acompanha esse trabalho, registrando as evoluções das efetivas contratações, das estratégias que estão sendo adotadas e, também, auxilia essas empresas nos pontos em que elas precisarem para estruturação dessas políticas.

"Nós garantimos esses espaços de discussão onde vamos acompanhando, apresentando projetos e apresentando o nosso pacto pela inclusão. Esse é um programa que já traz as estratégias que nós recomendamos como importantes medidas a serem adotadas pelas empresas para que elas, de fato, possam ter uma política interna de equidade étnico-racial."

Valdirene explicou que nesse primeiro momento a atuação do Ministério Público é promocional. Ou seja, o MPT ainda não adota uma postura punitiva. A ideia é promover a equidade racial, trazer as empresas para dialogarem com o Ministério Público e acompanhar a construção dessas políticas. 

"Nós não estamos punindo as empresas ou atuando com vistas a uma punição pelo fato de ser uma atuação nova e de entendermos o que eles precisam, de fato, pra se reordenarem nessa nova lógica."

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Valdirene de Assis
"É muito importante entender o papel do racismo estrutural e de seus
impactos para que possamos entender porque os jovens negros
têm mais dificuldade de acesso ao mercado formal."
(Foto: Arquivo Pessoal)

 

Iniciativa já apresenta resultados positivos em um dos segmentos escolhidos

No segmento de Publicidade, por exemplo, já podem ser identificados avanços. Em São Paulo, onde estão localizadas algumas das maiores agências de publicidade do país, foi feita uma adesão em massa pelo pacto de inclusão de jovens negros. "Isso aconteceu em setembro do ano passado no maior evento da área, o Clube da Criação. Recebi os CEOs dessas agências, que fizeram a adesão formal ao pacto e se comprometeram a fazer a adoção dessas políticas internas", contou.

De acordo com Valdirene, o que o MPT observou depois disso, considerando os registros apresentados pelas próprias empresas e as campanhas realizadas desde então, foi que o mercado publicitário está investindo mais na contratação de profissionais negros e na instauração de políticas de equidade étinico-racial num sentido maior, por meio da realização de eventos internos e capacitações.

"Entendemos que essa estratégia do MPT é efetiva e exitosa", analisou Valdirene.

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MPT realizará feira virtual de inclusão de jovens negros no mercado de trabalho

Outro grupo muito importante dentro dessa iniciativa é o das empresas de assessoria de RH (empresas de seleção e recrutamento). A procuradora do trabalho destacou que essas instituições também fizeram um pacto pela inclusão de forma coletiva. Entre elas, Cia de Talentos, CIEE, Empregafro, e outras. 

"Essas são empresas muito importantes na estrutura do projeto porque são elas que realizam os processos seletivos de muitas outras. Então, vê-las envolvidas com o projeto de inclusão de jovens negros é uma tranquilidade de que o projeto está caminhando para o êxito máximo", ressaltou Valdirene.

O próximo passo será a realização de uma feira de inclusão de jovens negros e negras, que será realizada em um formato digital. A “Afro Presença Digital”, como foi batizado o evento, será feita em colaboração com as empresas de RH e de outros segmentos e universidades. A feira tem previsão para acontecer no início de agosto.

No evento, os jovens terão acesso a oficinas de capacitação e palestras. "Teremos a presença de universidades, CEOS, representantes de movimentos sociais, entidades públicas e privadas — inclusive organismos internacionais —, que estarão conosco em painéis, debatendo a questão da inclusão racial no mercado de trabalho."

A Feira também terá um viés social, com a disponibilização de acesso à internet aos jovens negros universitários. O intuito é liberar o acesso para que eles possam não só participar desse evento online, mas também para favorecer sua permanência em seus cursos, uma vez que a exclusão digital é um problema relevante para este público.

Os organizadores da feira estudam meios de liberar o acesso a internet por um determinado período, após a realização do evento.