Quão preparadas estão as empresas para apoiar a equidade de gênero?
Folha+ conversou com algumas empresas para entender quais iniciativas elas vêm adotando para promover a equidade de gênero em seus ambientes.
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Publicado em:22/03/2021 às 08:00
Atualizado em:22/03/2021 às 08:00
Todo mês de março as discussões em torno da igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho reacendem. Mas, o que as empresas estão fazendo no dia a dia para apoiar a equidade de gênero?
Segundo dados da pesquisa "Mulheres na Liderança", realizada no último ano pela WILL, organização internacional sem fins lucrativos, 58% das empresas no Brasil estão contratando mulheres para cargos de nível hierárquico mais elevado.
Desse total, 51% já contrataram mais mulheres para cargos que são tradicionalmente ocupados por homens.
A pesquisa está em sua terceira edição e foi realizada entre os dias 19 de março e 24 de julho do ano passado. Foram entrevistadas 163 grandes empresas que atuam no Brasil, em diferentes setores.
O objetivo do levantamento era analisar as melhores práticas e políticas que estimulam a equidade de gênero e promoção de mulheres na liderança das principais empresas do país. Para isso, são analisados aspectos como políticas e práticas das empresas, processo de recrutamento, contratação e capacitação, entre outras questões.
De acordo com os últimos dados obtidos, a presidente da WILL, a advogada Silvia Fazio, avaliou que todos os pontos da pesquisa apresentaram melhoria nos resultados, quando comparados a anos anteriores.
"Os resultados são animadores, mas ainda há pontos que exigem atenção", destacou.
Empresas já promovem ações de equidade de gênero desde o processo seletivo
Segundo o levantamento, as companhias ainda não conseguem coordenar de maneira efetiva questões de interseccionalidade em relação à mulher trans, acima de 50 anos e pretas. "O que se espera é que no ano que vem a pesquisa já apresente uma evolução no que diz respeito a essa discussão."
Quanto aos pontos que apresentaram avanços, 66% das entrevistadas têm a promoção da equidade de gênero na agenda dos CEOs de forma prioritária. Além disso, 88% trabalham com políticas que proíbem a discriminação em razão de gênero.
Outros 78% realizam campanhas internas de conscientização para aumentar a compreensão sobre a importância da valorização da mulher e 68% estimulam a criação de grupos internos para reduzir preconceitos, desconstruir estereótipos e combater a discriminação.
Mais da metade das companhias que participaram da pesquisa (53%) já possuem uma política formal de promoção da equidade de gênero. Incluindo metas claras e ações planejadas.
As ações também se refletem no processo de seleção de novos colaboradores. Ao todo, 61% das entrevistadas disseram que já utilizam uma linguagem inclusiva na hora de anunciar vagas.
A linguagem inclusiva é aquela que tem por finalidade evitar preconceitos, discriminações e ofensas, visando a garantia de igualdade a todos os grupos.
Os investimentos em meios para garantir a transparência da seleção também cresceram e já são adotados por 76% das companhias. Além disso, 69% monitoram a proporção de homens e mulheres contratados e outras 75% contam com procedimentos formais e claros de aumento salarial.
Dentre as empresas entrevistadas, que se destacam em seu ramo de atuação estão: Coca-Cola Brasil, Johnson&Johnson, Gerdau, Sodexo, Delloitte, Accenture, entre outras.
Folha+ conversou com algumas companhias para entender como o tema é tratado dentro das empresas e quais iniciativas são promovidas para ajudar na melhoria dos índices da equidade de gênero no Brasil. Veja!
Coca-Cola FEMSA investe na capacitação de suas funcionárias
A gerente de diversidade da Coca-Cola FEMSA, Priscylla Haddad, enfatizou que o principal motivo da equidade de gênero ainda ser um desafio para o mercado de trabalho é a questão cultural. "Diferentemente do que ainda se costuma pensar, muitas posições podem e devem ser ocupadas por mulheres".
Para promover a equidade de gênero internamente, o primeiro passo foi elaborar um diagnóstico com o objetivo de identificar como a empresa estava nesse quesito. A finalidade era definir as estratégias que seriam traçadas a partir dos resultados.
Dentre as iniciativas em prol da equidade, a empresa promove grupos de discussão e formações em áreas que não contam com muitas mulheres em atuação, como a formação para operadoras de empilhadeira. A ideia é que as mulheres que fazem o curso possam assumir vagas na área, quando surgirem.
Além disso, a companhia oferece capacitações que permitam às colaboradoras avançar internamente em suas posições. Em conjunto com os treinamentos, a empresa costuma abrir oportunidades para cargos de liderança internamente, permitindo que as chances sejam preenchidas por profissionais que já fazem parte do quadro de funcionários da companhia.
Isso inclui oportunidades para mulheres. Para se ter uma ideia, a empresa tem, atualmente, 10 unidades produtivas no Brasil. Desse total, cinco são lideradas por mulheres.
A diferença salarial entre homens e mulheres que ocupam a mesma posição na Coca-Cola FEMSA não existe. A gerente de diversidade da empresa disse, ainda, que não há processos seletivos exclusivos para o público feminino na companhia.
No entanto, Priscylla destacou que as seleções já são realizadas com foco na equidade de gênero, sem contar as ações adotadas após a fase de contratação.
"A empresa quer ser vista como uma empresa onde as mulheres queiram trabalhar", enfatizou Priscylla.
No Grupo Logan, contratações são feitas com base na qualificação do profissional
Para a Head of Sales Brasil da Logan, Silmara Reis Salles, a sociedade ainda enxerga a mulher com um olhar inferior quando o assunto é mercado de trabalho. Segundo ela, as mulheres ainda são vistas “como se não estivessem preparadas o suficiente para assumir um cargo igual ao de um homem, mesmo tendo a mesma ou melhor capacitação profissional”.
O Grupo Logan atua na contramão dessa realidade. A política adotada na empresa é sempre buscar profissionais com boas qualificações e referências no mercado, independentemente de gênero.
“O que a empresa procura é uma pessoa que saiba exercer com excelência sua função para trazer melhores resultados para a companhia, e não um grupo de homens ou de mulheres. Não ter distinção de gênero é a única política da Logan.”
Silmara destacou que um bom caminho para a promoção da equidade de gênero nos ambientes corporativos é investir em capacitações internas, de modo que os funcionários estejam aptos a assumir novos cargos superiores ao que atuam.
Outra recomendação é observar quais são as características necessárias para assumir a posição em aberto. Cargos de liderança, por exemplo, costumam exigir, além do conhecimento técnico, inteligência emocional e capacidade de lidar com pessoas. Geralmente, as mulheres apresentam uma melhor performance nesse tema.
No Grupo Logan já existe muitas mulheres ocupando posições de liderança. Silmara comentou que, aqui no Brasil, as áreas de Client Service, Sales, Publisher e mídia programática são lideradas por mulheres.
A diferença salarial na empresa fica por conta do nível de cargo que a pessoa ocupa, e não por causa do gênero.
“Temos executivos seniores homens e mulheres na equipe sem distinção de salário. O mérito salarial é sobre a ocupação que a pessoa atua e não sobre ela ser homem ou mulher”, reforçou.
Startup Skore têm políticas em prol da equidade de gênero bem definidas
Na startup Skore, plataforma de aprendizagem para empresas, as políticas contra assédio e outras atitudes que não são aceitas dentro da empresa são bem definidas. Segundo Rafaela Moura, analista de Talent Experience da empresa, os reflexos de uma sociedade machista ainda podem ser sentidos no mercado de trabalho.
“As organizações, em sua maioria, ainda têm processos seletivos com vieses machistas, pouca representatividade feminina em suas lideranças e critérios para definir remunerações e promoções que não são 100% pautados na capacidade do(a) funcionário(a) e não estão atrelados exclusivamente ao seu desempenho e suas entregas.”
Rafaela também é líder da Academia de Diversidade da Skore, iniciativa que tem como objetivo orientar e educar os skoreans (como são chamados os funcionários da startup) com relação a vários assuntos, entre eles, o machismo.
“Por meio dessas ações, a academia nos ajuda a garantir um ambiente de trabalho muito mais inclusivo e acolhedor para as mulheres. Além disso, o nosso o time de Talent Experience, responsável pelo recrutamento, está sempre buscando formas de tornar o nosso processo seletivo cada vez mais automático e justo, para anular qualquer tipo de viés inconsciente que possa surgir durante o processo, seja durante a fase de filtros de currículos ou de entrevistas.”
Rafaela ainda defendeu a importância das empresas utilizarem critérios de promoções baseados, exclusivamente, na competência e nas entregas dos funcionários. Essa solução ajudará a companhia a garantir oportunidades igualitárias de crescimento para todos na empresa e, consequentemente, ampliar a chance de mulheres assumirem cargos de liderança.
Para evitar as diferenças salarias, a Skore definiu uma estrutura de cargos e salários para cada área da empresa. Além disso, também estão sinalizadas as skills necessárias para que se atinja cada nível de cargo (júnior, pleno, sênior).
Accenture trabalha por um acesso igualitário às oportunidades
Anualmente, a Accenture realiza uma pesquisa com pessoas de várias empresas, com o objetivo de entender alguns aspectos do mercado de trabalho, incluindo a questão da equidade de gênero. No último ano, o estudo apontou que ainda há uma grande lacuna entre o que os líderes pensam e o que os funcionários dizem que está acontecendo no local de trabalho.
Dois em cada três líderes sentem que criam ambientes fortalecedores, nos quais os funcionários podem ser eles mesmos, levantar preocupações e inovar sem medo de falhar. Mas, apenas 1/3 dos funcionários concordam.
De acordo com a empresa, em 10 anos, a Accenture Brasil, avançou 12% quando o assunto é equidade de gênero. A companhia trabalha diversas iniciativas encabeçadas pelo Programa de Mulheres chamado One Awake.
“Existe uma preocupação constante da Accenture em garantir que o acesso às oportunidades profissionais seja igual para todos os talentos, independentemente do gênero. Por esse motivo, temos um programa chamado One Awake, que tem como foco a atração, desenvolvimento, engajamento e retenção de profissionais”, disse Andrea Thiago, diretora executiva na Accenture.
O programa envolve diversas iniciativas, como eventos específicos de recrutamento de mulheres, mapeamento de mulheres na área de Tecnologia, treinamento para desenvolvimento de carreira, entre outras.
Beatriz Sairafi, diretora executiva de RH, destacou que a Accenture tem prioridade global em ter uma liderança inclusiva, por meio do estabelecimento de metas, transparência de métricas e progresso e construção de equipes de liderança diversificadas.
“Em 2017, a Accenture anunciou que alcançará a equidade de gênero em sua força de trabalho, com 50% de mulheres e 50% de homens, até 2025 e 25% de mulheres em cargos de diretoria. Além disso, estabelecemos anualmente metas internas para cada nível de carreira. Hoje, 42% das mulheres compõem o board Global, incluindo nossa CEO Julie Sweet”, disse.
No Brasil, o foco são as capacitações. Um exemplo é o programa She Rocks: Lead like a Women, uma formação cujo objetivo é preparar mulheres para crescer na organização, assumindo cada vez mais posições de liderança.
Em 2020, mais de 150 funcionárias foram capacitadas. Além disso, neste ano, 42% das promoções ao nível diretor foram de mulheres.
A empresa não tem casos de diferenciação salarial. Segundo Beatriz, quando o assunto é remuneração é aplicado o princípio da meritocracia.
Inclusive, em 2016, a Accenture realizou uma pesquisa onde identificou três aceleradores para ajudar as mulheres a eliminar as disparidades salariais e de gênero no local de trabalho. São eles:
Fluência digital: até que ponto as pessoas usam tecnologias digitais para se conectar, aprender e trabalhar;
Estratégia de carreira: a necessidade de as mulheres almejarem alto, fazerem escolhas informadas e gerenciarem suas carreiras de forma proativa;
Imersão em tecnologia: a oportunidade de adquirir mais tecnologia e habilidades digitais mais fortes para avançar tão rapidamente quanto os homens.
“A aplicação desses aceleradores de carreira, combinados com o apoio de empresas, governo e academia, poderia reduzir a disparidade salarial em 35% até 2030, aumentando a renda das mulheres em US$3,9 trilhões”, avaliou Beatriz.
Grupo Adecco defende a promoção de políticas igualitárias de cargos e salários
A diretora de Recursos Humanos da Adecco Brasil, Lucia dos Santos, acredita que um dos motivos para a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho é o fato de que muitas empresas ainda não trabalham com programas formais com ações de impulsionamentos de mulheres na liderança e equidade de gênero.
“Hoje, vemos muito mais homens assumindo posições estratégicas do que mulheres. Acredito que o fator maternidade ainda é visto por alguns profissionais como um inibidor de promoção profissional para as mulheres, mesmo observando um movimento a favor.”
Na Adecco, o número de mulheres no quadro de funcionários é sempre um ponto de atenção. De acordo com a diretora de RH, as empresas devem ter o cuidado de observar seu quadro de colaboradores para contratar mais mulheres e reverter cenários.
No entanto, para sustentar esse trabalho, também é preciso construir uma política igualitária de cargos e salários. Ou seja, independentemente do sexo, o que precisa valer são as competências técnicas e comportamentais.
Lucia ainda destacou que, hoje, há uma preocupação no Grupo Adecco, de forma global, com as mulheres em cargos de liderança. Segundo ela, a companhia olha de forma criteriosa para isso.
“Hoje, nosso quadro de funcionários no Brasil é formado por 24% homens e 76% de mulheres. Destas, 64% são líderes mulheres no Brasil. Nosso Comitê Diverso Somos Todos promove talks, que contam com a participação de convidados, para que as mulheres tenham espaço e apresentem ideias e sugestões sobre como podemos melhorar.”
Além disso, a empresa trabalha para que as mulheres tenham as mesmas condições salariais que os homens. A questão é considerada no Comitê Executivo do grupo. “É nosso dever garantir que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades e direitos em nossa empresa.”
Gerdau monitora dados salariais para identificar e corrigir distorções
Carla Fabiana Daniel, gerente de diversidade e inclusão da Gerdau, defende que as empresas devem atuar como agentes transformadores e influenciem o ecossistema do qual fazem parte. Essa ação é importante para sensibilizar outras organizações e lideranças sobre a importância da diversidade e inclusão como pilar essencial do negócio e, por consequência, engajar a todos na busca pela equidade de gênero.
Desde 2017, a Gerdau é signatária dos Princípios de Empoderamento das Mulheres, da ONU Mulheres. Na empresa, há um programa de Diversidade e Inclusão, que é organizado por grupos de afinidade correspondentes aos temas abordados, incluindo gênero.
Para as empresas que ainda não promovem essas iniciativas, algumas etapas podem ajudar a iniciar ações em prol da equidade de gênero no ambiente de trabalho. Entre elas:
Ouvir para entender o grau de consciência que os colaboradores têm sobre o assunto e, principalmente, investigar seus dados internos;
Sensibilizar, conscientizar e reeducar para incluir, especialmente as lideranças;
Promover diálogos e momentos de reflexão;
Colocar iniciativas em prática; e
Mensurar efetivamente suas ações para compreender os avanços.
Atualmente, a empresa conta com 22% de mulheres ocupando cargos de liderança. O desafio é aumentar esse percentual para 30% até 2025.
Além disso, a Gerdau pratica uma política salarial que visa evitar diferenças em função de gênero. A empresa analisa constantemente os dados salariais com o recorte de gênero, de forma a identificar e corrigir possíveis distorções.