Incêndio no Hospital de Bonsucesso evidencia descaso na Saúde
Sem concurso, com parte dos servidores temporários e estrutura danificada, incêndio no Hospital de Bonsucesso evidencia descaso do governo.
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Publicado em:27/10/2020 às 18:30
Atualizado em:27/10/2020 às 18:30
Na manhã desta terça-feira, 27, um incêndio atingiu o Prédio 1 do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB). Até o momento, duas pessoas, com Coronavírus, morreram durante a transferência dos pacientes.
O incêndio no Hospital de Bonsucesso evidencia o descaso na Saúde. É que o aponta o Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde e Previdência no Estado do Rio (Sindsprev RJ), o Sindicato dos Médicos do Rio, associações e conselhos profissionais.
As categorias confirmam que vêm denunciando, há anos, a situação precária da unidade de saúde. O HFB é um dos mais importantes da Rede Federal de Saúde do Rio.
Segundo os sindicatos, no entanto, servidores e pacientes convivem diariamente com instalações inadequadas.
"Foi uma tragédia anunciada. Além de o hospital não possuir rampa de acesso, as mangueiras e hidrantes não funcionavam, o que dificultou ainda mais a retirada dos pacientes e o combate ao fogo. Importante lembrar que, durante as transferências, uma paciente de 42 anos, internada com Covid, veio a falecer. Tudo isto é produto da irresponsabilidade dos governos, que nos últimos anos pouco se importaram com as vidas de servidores e pacientes", criticou Sidney Castro, da direção do Sindsprev RJ.
Ao que tudo indica, o incêndio teve início no almoxarifado do hospital — o que ainda terá de ser confirmado por investigação de perícia técnica. As chamas foram controladas pelo Corpo de Bombeiros por volta das 11h30.
Em declaração ao portal de notícias G1, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, Leandro Monteiro, disse que o hospital não possui certificação da corporação.
"Eu assumi há 30 dias o comando da corporação, pedi uma grande reunião. Eu já tinha conversado com o diretor do hospital. O hospital possui duas notificações e dois autos de infração junto à corporação. É muito difícil, quase impossível, interditarmos um hospital com aproximadamente 600 leitos", disse o comandante-geral.
Relatório da DPU indica problemas
Um relatório da Defensoria Pública da União (DPU), de abril deste ano, indica que a unidade já tinha problemas no combate a incêndios. O documento foi elaborado por uma equipe de engenheiros, em uma iniciativa do Governo Federal por meio do Ministério da Saúde.
No documento, foram apontados problemas como:
sistema de prevenção e combate a incêndio precário;
inexistência de plano aprovado pelo Corpo de Bombeiros;
ausência de sistema de detecção de fumaça e sprinklers (componentes que soltam água em caso de incêndio);
hidrantes do prédio desativados e com mangueiras danificadas;
superaquecimento em transformadores;
equipamentos obsoletos; entre outros.
Segundo o Sindsprev RJ, as precariedades do Hospital Federal de Bonsucesso já foram mais de uma vez denunciadas.
"Uma das situações mais bizarras existentes no HFB foi a 'novela' de construção da nova emergência da unidade, inaugurada em fevereiro de 2018 e sem o quantitativo necessário de profissionais ao seu pleno funcionamento", revela a categoria.
Ainda de acordo com o sindicato, o Ministério da Saúde não pode continuar "fingindo e se comportando como se nada tivesse a ver com a precária situação" que passam as unidades federais de saúde do Rio.
"O que aconteceu em Bonsucesso nesta terça-feira foi a prova disso, mostrando que o governo pouco se preocupa com a situação de uma importante unidade de saúde como aquela, que atende milhares de pessoas de todos os pontos do Rio de Janeiro. Continuaremos denunciando e exigindo investimentos no SUS", conclui Rolando Medeiros, também da direção do Sindsprev RJ.
Unidade sofre com a falta de servidores
Não é de hoje que o Hospital Federal de Bonsucesso sofre com problemas no quadro de servidores e na sua estrutura. Em 2019, o Ministério Público Federal (MPF) protocolou um pedido para assegurar a continuidade dos serviços emergenciais.
Na ocasião, o MPF pediu ainda a garantia da presença de médicos no serviço de emergência, nas especialidades necessárias, mediante escala de serviço a ser apresentada pela Direção-Geral do hospital.
Antes disso, em 2017, o MPF ajuizou uma ação civil pública com o objetivo de condenar a União a promover concurso público para o provimento de cargos efetivos, e, desta forma, efetivar a substituição de todos os profissionais contratados temporariamente, o que não ocorreu.
Apesar da necessidade de investimentos e de novos concursos, para enfim recompor o quadro de servidores dos hospitais federais do Rio, o Ministério da Saúde segue realizando contratações temporárias.
No momento, o MS realiza processo seletivo para contratar 4.117 profissionais. A seleção atual é a sexta a ser realizada pela pasta, como forma de garantir a continuidade dos serviços nos hospitais e institutos federais.
No entanto, a seleção é alvo de denúncias. Segundo profissionais, o processo seletivo estaria excluindo cerca de 70% dos profissionais que já atuam nas unidades da Rede Federal do Rio (seis hospitais e três institutos).
"Os mesmos profissionais que o governo quer demitir agora foram os que ajudaram desde o início do incêndio no resgate e transferência de pacientes. Esses profissionais têm compromisso com a vida humana, com a saúde dessa população tão sofrida que depende do SUS”, disse Sidney Castro.
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.072, que autoriza o Ministério da Saúde a prorrogar 3.592 contratos de profissionais, que atuam nos hospitais federais do Rio de Janeiro.
Esses contratos perderiam a validade no dia 30 de novembro, mas, pela nova Lei, ficam prorrogados até 31 de dezembro deste ano.
De acordo com a categoria, os processos seletivos que são realizados para renovar a força de trabalho não solucionam o "grave problema da insuficiência de profissionais na rede federal".
Segundo levantamento da Defensoria Pública da União, realizado em 2019, o déficit de recursos humanos nas nove unidades do Ministério da Saúde no Rio é de 10 mil profissionais.