Com a liberdade de expressão, é possível falar qualquer coisa?
Renata Gaspar, professora de Direitos Humanos da Folha Cursos OAB, explica quais são os limites do direito à liberdade de expressão.
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Publicado em:08/04/2021 às 09:30
Atualizado em:08/04/2021 às 09:30
"Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão", garante a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dessa forma, todos são livres para receber e transmitir informações e ideias, sem interferências, por quaisquer meios.
Contudo, as redes sociais se tornaram um ambiente propício para que as pessoas expusessem suas opiniões. Sem o contato físico com os interlocutores, muitos também criam coragem e se sentem mais confortáveis para se manifestar na internet.
No entanto, essas opiniões muitas vezes acabam extrapolando. Não é raro ver postagens difamando, injuriando ou até mesmo caluniando alguém, sem contar os inúmeros casos de racismo, homofobia, misoginia e outros tipos de preconceito.
Mas como as pessoas têm liberdade de expressão, elas podem falar qualquer coisa sem problema algum, não é mesmo? Negativo! A professora de Direitos Humanos da Folha Cursos OAB, Renata Gaspar, explica que nenhum direito é absoluto.
"Os direitos servem como regras de comportamento e nenhum comportamento pode ser absoluto. Então, a liberdade — que é um valor fundamental do direito, sobretudo nos estados liberais — não é absoluta."
A professora explica que se todas as pessoas exercerem a liberdade com total liberdade não haveria como viver em sociedade. Por isso, as liberdades são limitadas em função do direito do próximo.
"A gente não vive sozinho, a gente vive em sociedade. Então, os direitos de liberdade de uma pessoa são limitados pelos direitos liberdade da outra pessoa", frisa.
O direito à liberdade de uma pessoa é limitado pelo direito de outra pessoa
(Foto: Freepik)
As pessoas podem ser racistas, homofóbicas e misóginas?
Segundo Renata, em um Estado Democrático de Direito a primeira das liberdades é a de expressão e opinião. Com isso, o sistema, por si só, acaba se tornando conflitivo, uma vez que todas as pessoas são livres para expressar suas ideias, independente de quais sejam.
"Mas também o Estado Democrático de Direito, para que possa continuar sendo desta forma, precisa, necessariamente, proteger direitos de vulneráveis, ou seja, de pessoas que naquele tecido social não tenham o mesmo empoderamento que os demais", explica.
Portanto, ela pontua que o Direito se comporta através da proteção dos Direitos Humanos e/ou dos direitos fundamentais. "Então, todos os vulneráveis no Brasil, a partir da Constituição de 1988, tem os seus direitos fundamentais preservados."
"Isso faz com que toda a liberdade de opinião e de expressão encontre um limite na proteção de vulneráveis. Portanto, não podemos nos expressar e dar opiniões que vulnere os direitos e liberdades fundamentais de outra pessoa."
O racismo, por exemplo, é uma questão de foro íntimo e não há como obrigar que as pessoas não sejam racistas. No entanto, a professora afirma que é possível constrangê-las para que esse racismo não seja expressado socialmente.
Isso é válido para casos com outros grupos vulneráveis, como mulheres e pessoas LGBTQIA+. Uma vez que essas pessoas têm seus direitos preservados, um terceiro não poderá usar sua liberdade para desqualificar essas pessoas em função do seu preconceito.
Ou seja, a pessoa pode internamente ser racista, machista e homofóbica, além de não ter nenhum apreço por esses grupos, mas ela não pode usar sua liberdade de expressão para destilar seu preconceito.
E defender o fim da liberdade de expressão, pode?
"Em teoria, no Estado Democrático de Direito, uma pessoa não pode usar liberdade para acabar com a liberdade, porque são proposições contraditórias", explica a professora, que complementa indagando: "Como é que eu posso usar minha liberdade para acabar com ela?".
Por mais que pareça um dilema filosófico, ela afirma que isso é muito palpável. "O [Poder] Judiciário está aí para evitar que as liberdades ou o excesso delas façam acabar com a própria liberdade."
No Brasil, a Constituição de 1988 não permite que isso ocorra. Em outros países, com democracias mais estáveis, especialmente países liberais, esse dilema é enfrentado cotidianamente.
"No preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos, a única palavra com letra maiúscula é a liberdade. E até mesmo lá, um país reconhecido como liberal, é sabido que a liberdade não pode cooptar a própria liberdade."
Censura x Responsabilização
Quando se pensa na punição de pessoas que abusam do direito à liberdade de expressão e acabam atacando e invadindo os direitos fundamentais dos outros, é comum que surja a discussão sobre censura e responsabilização.
Segundo a professora, existe uma linha muito tênue na hora de diferenciar essas duas palavras. Em relação à censura, se for algum poder ou regime utilizado apenas para impedir que os inimigos falem, é uma tentativa de silenciamento.
Já sobre a responsabilização, Renata explica que a pessoa pode falar o que quiser, mas será responsabilizada pelo o que fala, mas não por estar afrontando um poder e, sim, por estar fazendo o uso indevido da liberdade.
Para conseguir diferenciar:
→ Censura: "Sempre ocorre quando o poder constituído, seja o poder privado ou poder público, passa, em nome de uma responsabilização, a silenciar todas as pessoas que tentam manifestar uma ideia contrária a quem está no poder."
→ Responsabilização: "Acontece quando, no sistema democrático, todas as pessoas têm o direito de falar, mas o dever de responder caso a sua fala, expressão ou opinião atinja a liberdade ou o direito fundamental de outras pessoas que vivem naquele corpo social."
Como esse assunto pode ser cobrado no Exame de Ordem?
A professora conta que esse assunto não só pode como já foi cobrado no Exame de Ordem.
"É uma questão muito central do Direito, que se debate todos os dias e pode ser perguntada em diversas áreas, tanto no âmbito Penal, como no âmbito Civil."
Quando uma pessoa usa a liberdade de expressão para praticar homofobia, por exemplo, vira uma violência verbal. Portanto, é possível acontecer uma responsabilização na área Penal.
Já quando não há configuração de crime, mas viole material ou moralmente uma pessoa, é possível haver danos materiais ou morais. Renata conta que, dependendo de como a liberdade de expressão e de opinião foi utilizada, é possível abranger outras áreas do Direito.
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