O mercado de trabalho está pronto para mais mulheres na liderança?

Mais de 50% dos brasileiros sentem desconforto com mulheres líderes

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Publicado em:08/03/2020 às 06:00
Atualizado em:08/03/2020 às 06:00

Neste domingo, 8 de março, é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Mas mesmo com uma presença cada vez mais forte no mercado de trabalho, inclusive em cargos de liderança, pesquisas revelam que ainda há muitos obstáculos para elas no ambiente profissional.

De acordo um levantamento da Kantar, menos da metade dos brasileiros (41%) se sentem confortáveis com uma mulher ocupando um cargo de chefia na empresa. A taxa chega a 48% entre as mulheres e 33% dos homens.

Dos 11 países avaliados, o Brasil ficou em 6º lugar, atrás do Canadá e dos Estados Unidos, e na frente da Índia e Rússia, por exemplo. Mas o que falta para o mercado de trabalho estar pronto para mais mulheres na liderança?

De acordo com a especialista de Recursos Humanos da Gi Group Brasil, Karen Moura, as empresas estão preocupadas em estabelecer políticas para aumentar a representatividade das mulheres na organização, mas acabam esquecendo que o trabalho mais eficaz é a transformação cultural.

"Em contrapartida, as mulheres também precisam rever seus paradigmas e ter uma mudança de mindset, afinal de contas, nós mulheres podemos ser o que quisermos ser. Políticas e metas são fundamentais para darmos o primeiro passo, mas não são o suficiente para a transformação cultural", explica. 

Segundo a especialista, a sociedade ainda é muito sexista, o que dificulta o crescimento da mulher no mercado de trabalho. Para ela, ainda há vieses que colocam a mulher como mãe, "dona do lar" e cuidadora dos filhos e do esposo, além do homem, por sua vez, como o provedor da família.

"Por isso, muitos homens ainda possuem alta resistência à liderança feminina. Desta forma, ao serem liderados por mulheres, sentem-se diminuídos", afirma.

De acordo com a especialista, para mudar esta realidade, as mulheres precisam quebrar seus paradigmas e se sentirem seguras para mostrar sua competência e dedicação ao trabalho. Na divisão das tarefas familiares, Karen Moura é categórica:

"Sintam-se confortáveis com a participação dos pais. Compartilhe as responsabilidades com outros para que possa conciliar a carreira e a vida em família com equilíbrio", diz.

"Equidade de gênero é uma luta de muitas gerações"

São com essas palavras que a vice-presidente de Finanças da Prudential do Brasil, Thereza Moreno, fala sobre a importância da liderança feminina. Até chegar ao cargo que ocupa hoje, a executiva passou pela diretoria das áreas Atuarial, de Produtos, Inteligência de Mercado, Sinistros, entre outras, além de mais quatro empresas.

Atualmente, ela ocupa um cargo anteriormente ocupado por um homem. "Assumir o posto foi desafiador, porém muito gratificante, pois encontrei apoio de todo o time. Claro, que atritos e conflitos pontuais são comuns, mas o empenho e dedicação de uma equipe são cruciais diante de um processo de migração de função", explica.

Na Prudential, Thereza Moreno lidera uma equipe de 68 pessoas, em que 39 são homens. Para mudar a mentalidade das pessoas que ainda se sentem desconfortáveis com as mulheres na liderança, a vice-presidente é didática:

"As empresas devem trabalhar esta mudança de cultura e pensamento por meio de projetos e debates que ressaltem a importância da diversidade e da igualdade de direitos entre homens e mulheres para o desenvolvimento sustentável da sociedade como um todo. Desta forma, também alcançaremos a proporcionalidade no mundo corporativo".

Na Prudential do Brasil, Thereza revela que há um Comitê de Diversidade que desenvolve programas, anualmente, com esse foco. No entanto, segundo ela, o papel também deve ser feito pelas profissionais. 

"É um cenário desafiador, afinal, equidade de gênero é uma luta de muitas gerações, que proporcionaram grandes conquistas para o mundo atual. Por isso, é preciso que essa luta continue, já que ainda temos muito que conquistar. É preciso que cada mulher faça o seu papel nesse processo e que exista a sororidade entre todas nesse momento", diz.  

Mulheres na liderança (Foto: Divulgação)
Thereza Moreno é vice-presidente de Finanças
da Prudential do Brasil (Foto: Divulgação)

 

Para a vice-presidente, é fato que ainda existe falta de proporcionalidade no mercado corporativo, seja para mulheres, como para negros e outros grupos.

"Faltam vozes para serem ouvidas e, com isso, o preconceito de viés inconsciente  faz com que pessoas passem por situações as quais precisam se impor, argumentar e se defender para serem ouvidas. Em um ambiente igualitário e inclusivo, isso não ocorreria", explica.

A importância de políticas empresariais e salariais

Segundo dados levantados pela Catho, mulheres ainda ganham menos que os homens em todos os níveis de escolaridade. Profissionais com pós-graduação ou especializações, por exemplo, chegam a ganhar 49% a menos.

Ainda de acordo com a pesquisa, as mulheres possuem maior grau de escolaridade, principalmente relacionado a doutorado e mestrado, nos quais mais de 50% possuem a qualificação. Por outro lado, profissionais do gênero masculino, com as mesmas habilidades técnicas, chegam a ganhar cerca de 40% a mais.

"A formação profissional é um dos principais fatores para o desenvolvimento na carreira e, consequentemente, na promoção de melhores salários e demais benefícios. No entanto, os dados apontam o contrário, ou seja, apenas formação, qualificação e experiência profissional ainda são insuficientes para igualá-las", afirma a gerente sênior da Catho, Tábitha Lauri.

Um do principais motivos para esta diferença é o poder de negociação. Segundo a Pesquisa dos Profissionais Brasileiros da Catho, em 2019, 89% das mulheres aceitaram a primeira proposta oferecida por uma empresa, enquanto entre os homens esse valor é de 75%.

Ainda de acordo com o levantamento, 25% dos homens negociam a remuneração salarial antes de aceitar uma proposta de emprego. No entanto, entre as mulheres, esse valor é de 11%.

"Há uma série de pressões externas que desencorajam as mulheres a pedirem o que desejam no momento de negociação. Muitas das vezes, elas não identificam que podem sim pedir um aumento salarial ou benefício. A negociação deve ser vista como uma ferramenta que está também ao alcance das mulheres", ressalta Tábitha Lauri.

Para a especialista de RH da Gi Group Brasil, o cenário tem mudado. Segundo ela, muitas empresas têm oferecido salários de acordo com as competências e não por gênero. No entanto, não só as políticas salariais precisam mudar, mas as empresariais também. 

"As empresas devem atuar continuamente com políticas que abranjam benefícios igualitários, como auxilio creche para todos (homens e mulheres)", diz.

Na Gi Group, Karen Moura revela que foi implementada a licença paternidade. "Uma iniciativa que faz muita diferença e tem grande impacto positivo na vida das pessoas".

A especialista cita ainda o avanço em algumas empresas, que já estão adotando benefícios de acordo com a necessidade dos seus profissionais, como auxílio creche, horários e rotina de trabalho mais flexíveis, entre outros. Mas independente dos obstáculos, a especialista de RH deixa um recado.

"A gente pode ser o que quiser. Sintam-se seguras com as suas escolhas familiares, pessoais e profissionais", conclui.

Já Thereza ressalta a importância de sempre fortalecer o espírito de trabalho em equipe, agarrar todas as oportunidades que lhe são positivas e buscar conhecimento sempre.

"Por fim, para melhorar o equilíbrio profissional e pessoal, invista no autoconhecimento. Se conhecer, saber suas aspirações e seus limites ajuda muito a ter sucesso em qualquer âmbito. Sucesso é ser feliz em todas as fases da vida", conclui.