Programa de desestatização de Witzel enfrenta oposição na Alerj
Em audiência na Alerj, deputados criticaram a retomada do Programa Estadual de Desestatização proposto pelo governador Wilson Witzel.
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Publicado em:07/05/2020 às 09:50
Atualizado em:07/05/2020 às 09:50
A retomada do Programa Estadual de Desestatização (PED) do Estado do Rio de Janeiro foi tema de audiência pública, na última quarta-feira, 7, pela Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Assembleia Legislativa do RJ (Alerj). O projeto foi enviado em abril pelo governador Wilson Witzel.
A retomada do PED foi proposta no Projeto de Lei 2.419/2020 encaminhado à Alerj pelo Poder Executivo. Criado em 1995, o programa prevê a privatização de empresas controladas direta ou indiretamente pelo poder público no âmbito estadual.
Ainda segundo o projeto, ficam revogados os artigos 9º e 10º da Lei nº 7.941 de 20 de abril de 2018. Com isso, o governo abre uma brecha para que as universidades públicas estaduais, as sociedades de economia mista e todas as empresas públicas do estado sejam privatizadas, além de algumas fundações.
Ao ser avaliado pela Comissão da Alerj, o PED enfrentou a oposição de diversos deputados. Segundo o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), uma assessoria interna irá discutir as propostas de desenvolvimento para o estado e acompanhar os gastos do Poder Executivo.
Ceciliano pontuou ainda que ainiciativa do Governo, da forma como foi apresentada à Casa, não deve prosperar.
"Este projeto precisa ser encaminhado de forma individualizada, de acordo com as instâncias a serem privatizadas ou analisadas. O que foi proposto traz ao Estado uma carta branca, não há como seguir nesta direção", disse.
Presidente da Comissão de Economia, o deputado Renan Ferreirinha (PSB), anunciou que o colegiado irá requerer, de ofício, que o governo encaminhe seu plano estratégico para a aplicação do PED. "O Parlamento precisa conhecer estes detalhes para melhor discutir a medida", considerou.
Para a deputada Martha Rocha (PDT), o governador Wilson Witzel assumiu um compromisso de não privatizar a Cedae, durante sua campanha, e criticou a condução do processo de recuperação financeira do estado.
Segundo ela, o projeto que trata do PED deveria ser apresentado individualmente, de acordo com cada mudança, a fim de mostrar que há um fundamento legal e administrativo para cada decisão.
Ainda durante a audiência, a deputada pediu que o projeto não entre em pauta enquanto o Governo não encaminhar um projeto, detalhando as informações necessárias, para que seja possível entender se a medida é oportuna ou não.
Ainda em relação à privatização da Cedae, o deputado Flávio Serafini (PSOL) disse que a medida só trará prejuízos para o estado.
"Vamos pegar um bem importante para todos e deslocar para a iniciativa privada, uma empresa que deveria ser uma ferramenta par o desenvolvimento do estado", criticou.
O deputado Thiago Pampolha (PDT) também considerou importante que as medidas de desestatização sejam enviadas em projetos separados pelo governo.
"Como está, será discutido com vício de constitucionalidade, é preciso separar as empresas que já estão prontas para o processo", disse.
Ainda segundo o deputado, a iniciativa do Executivo é válida, mas não vai resolver minimamente qualquer dificuldade financeira do estado. "O Governo deveria ter feito cortes desde o início da sua gestão. Da forma que se encontra o projeto não vamos avançar", apontou.
Secretário da Casa Civil avalia PED
De acordo com o secretário da Casa Civil do Estado do Rio, André Moura, o objetivo da retomada do programa é reestruturar as atividades econômicas fluminenses.
"É importante retirar da estrutura pública instituições ineficientes ou que não possuem mais a função pela qual foram criadas originalmente", frisou.
Vice-governador do estado no período de realização do PED, o deputado Luiz Paulo (PSDB) disse que o programa está defasado e, portanto, inadequado à legislação atual, já que fere os artigos 309 e 309-a da Constituição do Estado.
Além disso, o parlamentar ressaltou a inviabilidade de uma reforma administrativa sem que seja apresentado um projeto estratégico de desenvolvimento.
"Eu defendo que este projeto seja apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça, para que seja encerrado lá mesmo. Ele é ilegal de A a Z. Defendo que antes deva existir uma proposta, para depois propor ações estratégicas", pontuou.
Especialistas analisam a medida
Presente na audiência, a advogada e economista Elena Landau, que foi diretora à frente do Programa Nacional de Desestatizações, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, disse ser favorável à retomada do PED. Para ela, em muitos casos as privatizações tornam-se uma questão de justiça social.
"A pandemia deixou clara a necessidade da universalização dos serviços. O debate sobre privatização surge em razão de crises fiscais, mas ela deve vir à tona também por outros fatores, como o sucateamento da prestação de serviços e a melhoria da competitividade. Não podemos mais conviver com as desigualdades existentes no Rio de Janeiro", afirmou.
Já o economista Cláudio Frischtak enfatizou a importância de políticas públicas que funcionem a médio e longo prazo. Ele destacou ainda a necessidade de que tais medidas sejam construídas com base em evidências.
"A Cedae, por exemplo, entre 2014 e 2018 teve um aumento de despesas com empregados de 56,2% e uma queda de investimentos de 55%. A Cedae, com todos os méritos, ainda tem problemas enormes, altos índices de perda e muitas dificuldades em atender as demandas da população", disse.
Por outro lado, o Fundador da Rede Pro Rio e professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Bruno Sobral criticou a forma como o projeto foi apresentado. Segundo ele, a maioria das instituições incluídas no texto não tem valor de mercado, nem poderiam ser transferidas para a iniciativa privada.
"Qual reforma administrativa está em jogo, de fato? O projeto não deixa isso claro", criticou. O professor disse considerar positivo que, neste momento de crise financeira, o governo busque sinergia com as universidades.
"É importante buscar esta aproximação entre as universidades e as áreas de planejamento do governo, para uma defesa conjunta dos interesses do Rio de Janeiro", concluiu.
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Representante do Sindágua-RJ, Ary Girota ressaltou que a Cedae registrou lucro de R$1,2 bilhão no último ano. Segundo ele, a desestatização passa por uma questão de ideologia. "Querem mercantilizar o que não pode ser mercantilizado", reclamou.
No fim da audiência, o secretário da Casa Civil afirmou que irá conduzir o debate de forma transparente e que já existe uma Comissão Diretora, prevista no PED, para elaborar uma proposta mais detalhada, que será encaminhada à Alerj.
André Moura reconheceu que as medidas não são "simpáticas", mas que são necessárias. "Se não diminuirmos não temos como pagar a folha", disse ele, acrescentando que o Estado reduziu os gastos com pessoal em 5%.
Universidades não serão privatizadas
O PL 2419/2020, que autoriza a retomada do Programa Estadual de Desestatização, revoga os artigos 9º e 10º da Lei nº 7.941 de 20 de abril de 2018. Neste caso, o governo teria a possibilidade de privatizar, entre várias instituições, as universidades públicas estaduais.
A medida, no entanto, repercutiu negativamente entre os deputados da Alerj e as universidades estaduais. Em nota, o secretário da Casa Civil afirmou que o Governo do Estado não está discutindo qualquer projeto de privatização das universidades estaduais do Rio de Janeiro.
Segundo André Moura, em função da situação financeira, agravada pela redução das receitas decorrentes da pandemia do novo Coronavírus, está em estudo um programa de Reforma Administrativa do estado. No entanto, o PED não inclui as instituições de ensino superior.
"O governo enviou à Assembleia Legislativa um projeto que propõe a revogação a Lei 7.941, de 2018, que contém dispositivos que impedem a extinção de fundações e universidades estaduais. O secretário esclareceu que intenção é tornar a máquina do estado mais leve e mais moderna, mas sem fazer qualquer mudança nas universidades", conclui o texto.
Em resposta, o deputado estadual Waldeck Carneiro (PT) afirmou que a fala do secretário é importante. Segundo o parlamentar, se a privatização das universidades não é a intenção do governo, a medida causa menos transtornos.
"Mas ainda assim, o projeto propõe a supressão dos artigos 9º e 10º da Lei 7.941 de 2018, que estabelece uma vedação a essa privatização das universidades estaduais e de outros órgãos. Eu acho que deveria mexer nos artigos depois que mandar para a Assembleia o projeto com as propostas de privatização", disse.
Governador justifica privatizações
No PL enviado à Alerj, Wilson Witzel afirma que a retomada do PED não possui viés político ou ideológico e não se presta a defender bandeiras de estado mínimo ou estado intervencionista.
O governador diz ainda que se filia às necessárias medidas gerenciais que objetivam otimizar os escassos recursos públicos para atividades que, de fato, resultem em impacto na vida do cidadão.
Wilson Witzel justifica também que, com a eclosão da profunda crise fiscal que acomete o estado desde 2015, o PED retomou protagonismo. O governador ainda atribui tal medida ao estado de calamidade em decorrência do novo Coronavírus.
"Cumpre-nos ainda trazer nova contextualização face o cenário calamitoso que se agrava neste momento diante da profunda e histórica crise de saúde pública que enfrentamos, que já impõe desdobramentos catastróficos para o equilíbrio das contas públicas e manutenção de despesas essenciais para a prestação de serviços básicos à população", justifica o governador.