Cerca de 30% dos comissionados deixam o cargo no primeiro ano

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisa o tempo de permanência dos agentes públicos em cargos comissionados.

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Publicado em:06/10/2020 às 10:00
Atualizado em:06/10/2020 às 10:00

Os cargos em comissão contam com uma forte influência política no serviço público brasileiro. Por vezes, tais postos não são ocupados por servidores de carreira, mas sim por indicados da atual gestão. 

Por conta disso, implementar políticas públicas pode não ser só um desafio, como também algo de pouco eficácia, caso esses cargos sejam usados apenas para o interesse político. 

E uma pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na última segunda-feira, 5, evidencia essa influência e, por vezes, ineficiência do estado, diante dos interesses políticos no serviço público.

Segundo o estudo, que analisa o tempo de permanência dos nomeados para cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) da Administração Federal no período 1999-2017, cerca de 30% não completam o primeiro ano de trabalho

Além disso, a probabilidade de um nomeado sobreviver em um cargo por um mandato presidencial completo é de apenas 25%.

Estudo revela permanência em cargos comissionados (Foto: Arquivo Agência Brasil)
Estudo revela permanência em cargos comissionados
(Foto: Arquivo Agência Brasil)

 

A pesquisa "O carrossel burocrático nos cargos de confiança: análise de sobrevivência dos cargos de direção e assessoramento superior do Executivo Federal Brasileiro (1999-2017)" utiliza fontes como:

Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape); Tribunal Superior Eleitoral (TSE); conteúdos encontrados nos endereços eletrônicos dos Ministérios; mídia; e Diário Oficial da União (DOU).

Segundo o Ipea, foram computados 127.794 casos de servidores que passaram pelo menos uma vez por cargos de DAS, no período de 1999 a 2017.

De acordo com os dados, a duração média nesses cargos de confiança foi de 25 meses. As chances de permanência são influenciadas por fatores como:

  • tempo de permanência dos ministros;
  • filiação a um partido político;
  • local de exercício do cargo; e
  • pertencer às carreiras do setor público.

O tempo médio de duração dos mandatos ministeriais é de 21 meses, o que afeta, principalmente, a alta burocracia (níveis 5 e 6) sem vínculo com o serviço público e que atuam na capital federal.

"A rotatividade nos cargos de confiança é um dos principais obstáculos para o estado ampliar suas capacidades e tornar mais eficiente o ciclo de planejamento das políticas públicas", avalia o sociólogo Felix Lopez, um dos autores do estudo.

enlightenedOs cargos em comissão são aqueles providos por meio de recrutamento amplo ou restrito, e podem ser ocupados por pessoas que não pertençam aos quadros dos servidores efetivos da Administração Pública, de livre nomeação e exoneração, ou por servidores efetivos do quadro de carreira. Em ambos os casos, as atribuições devem ser próprias de direção, chefia ou de assessoramento.

66% dos comissionados estava no GFD

A análise mostra que, entre 1999 e 2017, a maioria dos nomeados ocupava os níveis de DAS de 1 a 4 (94%), era vinculada ao setor público (66%), não estava filiada a partidos (88%), tinha escolaridade superior (77%) e trabalhava no Distrito Federal (66%).

Ainda de acordo com a pesquisa, 59% dos avaliados era do sexo masculino e esteve ligada a ministros cuja média de permanência no cargo foi de 26 meses. Em relação ao gênero, as mulheres são exoneradas mais rápido.

"Formular e implementar políticas, principalmente as complexas, é custoso e moroso. Abandoná-las a meio caminho, que é uma das implicações frequentes do carrossel burocrático, desperdiça toda sorte de recursos", afirma Felix Lopez.

Segundo o sociólogo, o problema se agrava quando a rotatividade se alia à entrada de pessoas sem o mesmo conhecimento acumulado e sem experiência na gestão pública das respectivas áreas.

A pesquisa aponta que ampliar a estabilidade dos quadros de livre nomeação do governo federal, além de profissionalizá-lo, é um dos desafios para aumentar a qualidade das políticas públicas e a eficiência na execução das despesas.

"Governos não conseguem desempenhar bem suas políticas, quaisquer que sejam suas orientações ideológicas, sem um horizonte temporal razoável para a burocracia decisória discutir, desenhar e implementar as políticas", conclui o autor do estudo.

Número de comissionados será debatido em Reforma

Outro ponto que deve ser discutido no Congresso, em relação à Reforma Administrativa, é o número de servidores comissionados, que podem ser indicados livremente pelo governo.

Do total de cargos na estrutura brasileira, apenas metade é de indicação exclusiva para servidores.

Nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, é preciso ser aprovado por uma seleção ou sabatinas para assumir esses cargos.

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Para especialistas, se o governo não indicar mudanças no sistema, podem ser mantidas as nomeações políticas, com pouca eficiência.

Em entrevista ao jornal O Globo, o professor da Fundação Dom Cabral, Humberto Falcão, que foi secretário de Gestão do Governo Federal, disse que a seleção de servidores por concurso, onde se premia somente o conhecimento já está sendo revista em todo mundo.

"A seleção deve considerar não apenas conhecimentos, mas vocações, habilidades, atitudes e perfis psicológicos", disse.