Suspeição e impedimento: quais as diferenças?

Suspeição e impedimento. Você sabe quais as diferenças entre os termos? Descubra

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Publicado em:01/04/2021 às 09:05
Atualizado em:01/04/2021 às 09:05

*Por Wanner Franco, professor da Folha Cursos OAB

Como já é de conhecimento de todos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, concedeu Habeas Corpus (HC 164493) para reconhecer a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condução da ação penal que culminou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes ao triplex em Guarujá (SP).

O tema da imparcialidade está, portanto, em voga. Vamos aproveitar o momento para refletir sobre o tema no âmbito do processo civil. Bora fazer uma revisão para o exame XXXII da OAB?

Segundo a maioria da doutrina, a imparcialidade integra o princípio constitucional do juiz natural e implica na certeza prévia da não-vinculação da atividade instrutória e decisória em favor de qualquer uma das partes envolvidas no processo judicial, como também, na independência quanto ao conteúdo das decisões.

Importante ressaltar que imparcialidade não significa neutralidade:

“Constitui equívoco manifesto confundir a neutralidade com a imparcialidade. Na linguagem comum podem ser utilizadas como sinônimas, mas na linguagem técnica possuem acepções diferentes. Qualquer árbitro deve ser e permanecer imparcial; mas nenhum árbitro pode ser neutro, posto que tal situação agride a própria natureza humana. O homem, ente pensante, racional, tem emoções; vive e pauta sua conduta em crenças e convicções íntimas. Supor o ser humano neutro é equipará-lo a um robô, um autômato."


Trata-se, portanto, de uma exigência intrínseca ao processo, posto que, ao final das contas, sem imparcialidade, todas as garantias que nele incidem ficam inócuas.

Portanto, a imparcialidade é uma garantia de justiça para as partes e, como não poderia deixar de ser, ela está presente em importantes documentos internacionais ratificados pelo Brasil, como por exemplo, “na Declaração Universal de Direitos dos Homens”, no “Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos" e no “Pacto de San José da Costa Rica”.

Inegável, por conseguinte, que a presença da imparcialidade no sistema jurídico pátrio revela-se uma verdadeira norma universal.

Suspeição e impedimento: quais as diferenças? Caso de Sergio Moro levantou dúvidas 
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Evidentemente, para garantir a imparcialidade, o ordenamento jurídico proporcionou algumas condições que propiciem essa conduta:

a) Garantia da Independência: protege-se a atividade jurisdicional contra a interferência de fatores externos a ela, traduzindo-se na prática, na divisão dos poderes (CF, art. 2º: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário).

Segundo Rui Portanova, a independência do magistrado, também pode ser traduzida em um sentido mais amplo:

“o Judiciário como um todo e cada juiz em particular é independente não só em relação aos outros poderes, como diante do próprio poder e da opinião pública. É direito do cidadão que a jurisdição seja isenta de pressões externas, e como tal a parte deve exigir do julgador que exerça esta independência”.

b) Garantia da vitaliciedade: prevista no art. 95, inc. I, da Constituição Federal, consiste em uma garantia adquirida pelos magistrados concursados após dois anos de efetivo exercício do cargo.

Em razão dela, o magistrado somente perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de deliberação do tribunal a que estiver vinculado.

c) Garantia da inamovibilidade: prevista no art. 95, inc. II, da Constituição Federal, esta estabilidade funciona como uma garantia para que o agente possa tomar decisões com imparcialidade e independência.

d) Aposentadoria com proventos integrais ou proporcionais: A incerteza e escassez tornam, certamente, o magistrado vulnerável às possibilidades de favorecimento e pressões dos mais diversos setores que possam repercutir na decisão de questões postas sob sua apreciação.

Diante deste cenário, são extremamente importantes as regras processuais que definem as hipóteses de impedimento ou suspeição do juiz. Assim,  no âmbito infraconstitucional, o Novo CPC disciplina os casos de abstenção e recusa (suspeição e impedimento) do magistrado.

Com efeito, dispõe o referido diploma que:

“Art. 144.  Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;

II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;

III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo;

VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes;

VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;

VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;

IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado.

§ 1º Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz.

§ 2º É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz.

§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

Já a suspeição, está consagrada no artigo 145:

Art. 145.  Há suspeição do juiz:

I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;

II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;

III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;

IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

§ 1o Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.

§ 2o Será ilegítima a alegação de suspeição quando:

I - houver sido provocada por quem a alega;

II - a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido.

A imparcialidade, portanto, constitui um elemento que pertence à própria noção de processo, e sua ausência esvazia o sentido das principais garantias processuais – justo aquelas que dão fundamento a toda estrutura do Processo Civil.

Você sabia que a Fundação Getúlio Vargas já perguntou sobre este tema na prova de Analista do Judiciário de Alagoas em 2018? Confira:

No que se refere ao impedimento e à suspeição, é correto afirmar que:

a) o juiz pode declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sendo-lhe obrigatório, para tanto, indicar as suas razões;

b) é vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar o impedimento do juiz;

c) os motivos de impedimento e suspeição do juiz não se aplicam aos oficiais de justiça;

d) a suspeição do juiz pode dar azo à propositura de ação rescisória da sentença de mérito por ele proferida;

e) se o tribunal acolher a arguição de impedimento do juiz, formulada pela parte, determinará a remessa dos autos ao seu substituto legal, sem condenar o magistrado nas custas.

Evidentemente, a resposta correta é a alternativa “b” ! Conforme determina § 2º do artigo 144 do CPC/15.

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