Segundo o órgão, a Marinha estaria restringindo o número de vagas reservadas a pessoas pretas, pardas e com deficiência ao dividir os postos por especialidades e até subespecialidades.
Essa prática, considerada irregular, reduz a base de cálculo sobre a qual devem ser aplicados os percentuais previstos em lei. Um dos exemplos citados é o concurso para o quadro técnico do Corpo Auxiliar da Marinha, com 62 vagas.
De acordo com as regras vigentes à época do edital, seriam necessárias ao menos 20% das vagas para candidatos negros e 5% para pessoas com deficiência. No entanto, foram destinadas apenas 11 vagas para cotas raciais — número inferior ao exigido — e nenhuma para candidatos com deficiência.
Em áreas como Arqueologia, Estatística, História, Oceanografia e Serviço Social, que ofereciam apenas uma vaga cada, não houve reserva alguma, inviabilizando a participação de cotistas.
Já em Informática, as vagas foram ainda subdivididas em quatro perfis distintos (“banco de dados”, “desenvolvimento de sistemas”, “infraestrutura de TI” e “desenvolvimento da informação”), o que, na visão do MPF, limitou ainda mais a política afirmativa.

MPF pede a suspensão de todos os concursos Marinha em andamento por falha em cotas
(Foto: Divulgação)
Marinha recusão a correção dos editais
Antes da ação, o MPF emitiu uma recomendação para que a Marinha corrigisse os editais em andamento e aplicasse as cotas sobre o total de vagas, incluindo futuros concursos. A corporação, porém, recusou o pedido.
A Marinha justificou que a divisão por especialidades é necessária para garantir a eficiência do serviço militar e o preenchimento das funções específicas. Argumentou ainda que aplicar o percentual de forma ampla poderia prejudicar a ocupação de áreas técnicas e estratégicas, como saúde, engenharia e tecnologia
Com a ação judicial, caberá à Justiça Federal decidir se os concursos da Marinha em andamento serão suspensos até a correção dos editais.
A procuradora Ana Letícia Absy, autora da ação, classificou o modelo atual como “evidente ilegalidade” e “manipulação das vagas para inviabilizar a reserva imediata de cotas”.
Mais de dez concursos Marinha estão em andamento
No total, 12 concursos da Marinha já tiveram edital publicado em 2025 e estão em andamento. Veja a relação abaixo:
- Concurso Público para Ingresso no Quadro Técnico de Praças da Armada (QTPA)
- Concurso Público de Admissão ao Colégio Naval (CPACN)
- Concurso Público de Admissão à Escola Naval (CPAEN)
- Concurso Público de Admissão às Escolas de Aprendizes-Marinheiros (CPAEAM)
- Concurso Público para Ingresso nos Quadros Complementares (QC-CA/FN/IM)
- Concurso Público para Ingresso no Corpo Auxiliar de Praças (CP-CAP)
- Concurso Público para Ingresso no Quadro Técnico do Corpo Auxiliar (CP-T)
- Concurso Público para ingresso de Médicos no Corpo de Saúde Marinha (CSM-Md)
- Concurso Público para ingresso no Corpo de Engenheiros (CP-CEM)
- Concurso Público para ingresso no Quadro de Apoio - Corpo de Saúde Marinha (CSM-S)
- Concurso Público para ingresso no Quadro de Capelães Navais (CP-CapNav)
- Concurso Público para ingresso no Quadro de Cirurgião-Dentista (CSM-CD)
O edital mais recente é o do Corpo Auxiliar de Praças (CAP), que foi publicado no dia 28 de maio deste ano. A Marinha trouxe uma oferta de 400 vagas para admissão no curso de formação.
Com exigência de nível médio/técnico em áreas específicas, o concurso do CAP traz oportunidades para o Quadro Auxiliar Técnico de Praças (QATP) e o Quadro Técnico Industrial de Praças (QTIP).
As provas estão marcadas para o dia 28 de setembro e, até o momento, a Marinha não se manifestou se o pedido de suspensão do MPF pode atrapalhar esse cronograma.
O que diz a Lei de Cotas
Desde junho de 2025, está em vigor a Lei 15.142/2025, que ampliou e atualizou a política de cotas em concursos públicos federais.
A legislação prevê a reserva mínima de 30% das vagas para candidatos pretos, pardos, indígenas ou quilombolas, além de 5% para pessoas com deficiência.
A divisão dos 30% ocorre da seguinte forma:
- 25% para pessoas negras;
- 3% para pessoas indígenas;
- 2% para pessoas quilombolas.
O texto foi regulamentado pelo Decreto nº 12.536, publicado no Diário Oficial da União no fim de junho, e já começou a ser aplicado no Concurso Nacional Unificado (CNU 2025).
O decreto também trouxe normas detalhadas para a verificação da autodeclaração dos candidatos, com procedimentos específicos para cada grupo:
- pessoas negras passam por avaliação de comissão com base em características fenotípicas;
- indígenas e quilombolas apresentam documentação e são avaliados por comissões compostas majoritariamente por representantes de suas comunidades.
Outro ponto importante é que, se o candidato cotista for aprovado dentro da ampla concorrência, ele não ocupará a vaga reservada, permitindo que outro concorrente do sistema de cotas seja contemplado.
A lei também garante o acesso de cotistas a todas as etapas dos concursos, desde que cumpram as notas mínimas exigidas.
O acompanhamento da aplicação das cotas ficará sob responsabilidade do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), que poderá propor ajustes após dois anos de vigência, com participação da sociedade civil.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia consolidado, em 2017, o entendimento de que não é permitido fracionar as vagas por especializações como forma de burlar a política de ação afirmativa — justamente o ponto levantado pelo MPF contra os concursos da Marinha.
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