O percentual de reserva agora fica distribuído em 25% para pessoas negras, 3% para indígenas e 2% para quilombolas, mantendo o caráter permanente e preservando os 5% destinados a Pessoas com Deficiência (PcD), conforme legislação específica.
A regulamentação veio acompanhada do Decreto nº 12.536 e de uma Instrução Normativa conjunta do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos com os ministérios da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas, que detalham critérios de heteroidentificação, verificações documentais e novas regras de classificação.
A mudança foi publicada às vésperas do edital do Concurso Nacional Unificado (CNU) e só se aplicará a certames com editais divulgados após a sua entrada em vigor.
Lei antiga x Nova Lei de Cotas: o que muda
A nova legislação amplia o alcance da política afirmativa e estabelece novos critérios de aplicação. Veja o que muda:
Lei Antiga (12.990/2014)
- Percentual de cotas: 20%
- Validade: 10 anos
- Abrangência: concursos federais
- Critério de autodeclaração: sim
- Prevenção a fraudes: não mencionada
- Regras para múltiplas reservas: não previa
Nova Lei de Cotas (15.142/2025)
- Percentual de Cotas: 30% (25% negros, 3% indígenas, 2% quilombolas)
- Validade: permanente
- Abrangência: concursos federais com 2 vagas ou mais
- Critério de autodeclaração: Sim + heteroidentificação/documentação obrigatória
- Prevenção a fraudes: prevê apuração formal e sanções
- Regras para múltiplas reservas: Classificação apenas na reserva com maior percentual
Diretrizes para a reserva de vagas
De acordo com o artigo 2º da nova lei, a reserva de vagas depende da autodeclaração e de procedimentos complementares obrigatórios:
- Confirmação complementar à autodeclaração para pessoas pretas e pardas;
- Verificação documental complementar para indígenas e quilombolas.
Esses processos devem seguir princípios como dignidade da pessoa humana, contraditório, ampla defesa, padronização, igualdade de tratamento, publicidade e efetividade da ação afirmativa.
Cabe destacar que todos os cotistas concorrem também na ampla concorrência. Caso o candidato seja aprovado nesta modalidade, não ocupará vagas reservadas. Quem se enquadrar em mais de uma modalidade de cota será classificado apenas na de maior percentual.
O decreto proíbe fracionar vagas entre editais para evitar a aplicação das cotas e determina que editais garantam a participação plena dos cotistas em todas as fases, desde que atinjam nota mínima.
Um Comitê de Acompanhamento será criado no Ministério da Gestão para monitorar a aplicação e propor melhorias, com revisão dos procedimentos após dois anos.
Como será o procedimento de confirmação
Para disputar vagas reservadas, o candidato deverá se autodeclarar negro, indígena ou quilombola no ato da inscrição, conforme critérios de raça, cor e etnia utilizados pelo IBGE.
Depois, será submetido a confirmação, mesmo que tenha nota suficiente para a ampla concorrência.
- Negros: análise do fenótipo por comissão com cinco membros; vedada apresentação de exames genéticos, médicos ou de ancestralidade. Em divergência entre instâncias, prevalece a autodeclaração.
- Indígenas: comissão com maioria indígena; exige documentos como identificação com etnia, declaração de organização indígena e registros de órgãos como Funai.
- Quilombolas: comissão com maioria quilombola; requer declaração assinada por lideranças e certificação da Fundação Cultural Palmares.
O procedimento de confirmação é obrigatório para todo candidato que optar pela reserva, mesmo que sua pontuação o classifique na ampla concorrência.
Quais os impactos práticos da nova Lei de Cotas
O aumento de 20% para 30% ampliará o número de vagas reservadas em concursos de grande porte como Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Receita Federal, INSS e outros. Porém, concursos menores com menos de duas vagas não se enquadram.
O Coordenador Pedagógico do Qconcursos, Luiz Rezende, analisa o impacto da Nova Lei de Cotas, na prática:
"A nova lei de cotas representa uma política compensatória ainda necessária, e assim será pelo tempo em que a sociedade ainda tiver barreiras sociais ao serviço público, vestibulares, etc.", explica.
Ele também avalia que a concorrência menor em algumas áreas deve incentivar a inscrição de candidatos que se enquadram nos critérios.
O professor de Direito Constitucional Vinicius Mota considera que a alteração aperfeiçoa a ação afirmativa, já existente.
"No início dos anos 2000, as pessoas negras representavam 17%, aproximadamente, dos servidores. Com a reserva de vagas, esse número subiu para 37,5%, em âmbito federal.
Ainda assim, levantamento feito pela ONG República.org, com base em dados do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape) de 2020, aponta que apenas 35,09% dos servidores ativos do Executivo Federal são negros, proporção ainda distante da realidade demográfica do país.
Esse cenário reforça a relevância e o impacto da ampliação da política de cotas na administração pública federal.
Como avalia Vinicius Mota, a nova lei pode estimular ainda mais a participação de negros, indígenas e quilombolas nos concursos, ajudando a corrigir distorções históricas.
"Em sociedades marcadas por sistemas discriminatórios, e aqui, considerando a discriminação racial, os efeitos desses sistemas impactam os mais diferentes setores da vida em sociedade dos grupos discriminados, reduzindo ou anulando o usufruto de liberdades e direitos fundamentais em condição de igualdade com outros grupos sociais", explica.

Entenda a Nova Lei de Cotas e seu impacto prático
(Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Fundamentos constitucionais da lei
Para Vinícius Mota, a lei está alinhada à Constituição:
“A Lei nº 15.142/2025 encontra suporte em normas constitucionais e está em sintonia com o princípio da igualdade e com o escopo de reparação histórica", explica.
Ele também cita que a nova lei está pautada pelo artigo 3º da Constituição, que diz
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"
Para ele, ações afirmativas como as cotas devem ser entendidas dentro desse compromisso.
"Se a vaga do concurso representasse uma corrida de 100 metros, as discriminações históricas e atuais resultam em condições materiais distintas (renda, tempo, acesso à educação de qualidade), de maneira que alguns começam a corrida atrás da linha de partida. Claro que a corrida é difícil e bem disputada, não há como conquistar uma vaga sem muito esforço, porém começar 10 ou 20 metros atrás torna muito mais difícil", explica.
Desafios da nova Lei de Cotas e resistência social
Apesar dos avanços promovidos pela Lei de Cotas, Vinícius alerta que o maior desafio não está na lei, mas na forma como a sociedade lida com a discriminação racial.
“Os conflitos ou desafios não decorrem da heteroidentificação ou do aumento da reserva de vagas, mas das características da sociedade brasileira no que respeita a como ela lida com o fenômeno da discriminação”, explica.
Enquanto as cotas para pessoas com deficiência são amplamente aceitas, o professor destaca que as voltadas para negros, indígenas e quilombolas ainda encontram resistência.
Ele também aponta a necessidade de evitar fraudes e de garantir a reserva em concursos com baixo número de vagas, comuns em universidades.
Rezende, por sua vez, chama atenção para o racismo estrutural dentro da administração pública.
"É urgente observar o racismo estrutural dentro do serviço público, onde você tem, nos cargos de gestão e direção, muito menos negros do que nas atividades operacionais", explica.
Ambos reconhecem que há críticas de setores que defendem exclusivamente o mérito e questionam a heteroidentificação por suposta subjetividade.
O que muda na preparação dos candidatos cotistas
De acordo com Rezende, é importante destacar que o nível de exigência nos concursos é idêntico para todos.
"O conteúdo da prova é o mesmo para todos os candidatos, as exigências para posse e início de exercício também, portanto, a única diferença é uma etapa adicional de comprovação racial. De resto, mesma prova, mesmas regras e dificuldade.
Vinícius concorda que a mudança pode ser um estímulo: “as cotas têm contribuído para que todos os grupos sociais se vejam representados no setor público".
Expectativas para próximos editais
A nova regra já impacta o Concurso Nacional Unificado e irá refletir em outros editais federais previstos para 2025. Estados e municípios, no entanto, continuam com autonomia para adotar ou não regras semelhantes.
Na visão de Vinícius, “a reserva de vagas se mostrou mais eficiente na construção de um serviço público diverso e representativo do que as políticas anteriores, acelerando o processo de redução de desigualdades dentro do setor público".
CNU 2025 será o primeiro concurso a aplicar a nova Lei de Cotas
Com o edital publicado no dia 30 de junho, o Concurso Nacional Unificado de 2025 já será a primeira seleção federal a aplicar as novas regras de cotas no serviço público. A confirmação foi feita pela ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, durante a coletiva de lançamento.
As provas objetivas estão marcadas para 5 de outubro, enquanto as discursivas serão realizadas em 7 de dezembro.
Segundo o governo, a nova edição do CNU contará com a reserva de 25% das vagas para pessoas negras, 3% para indígenas e 2% para quilombolas, conforme determina a nova legislação.
“O CNU ajuda a transformar o perfil do serviço público federal. Nosso objetivo é ampliar a diversidade e fazer com que ele represente melhor o Brasil”, afirmou a ministra Esther Dweck.
Além disso, a titular do MGI também destacou que haverá medidas para garantir a presença feminina nas próximas fases do concurso, como a equiparação do percentual de mulheres aprovadas da primeira para a segunda etapa.
A ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, também celebrou a implementação das novas cotas no concurso.
“Quando vemos o serviço público mais diverso, sabemos que estamos avançando em direção a uma sociedade mais justa”, avaliou.
Nesta segunda edição do CNU, são oferecidas 3.652 vagas em 36 órgãos e entidades federais, com oportunidades para níveis médio, técnico e superior.
As provas serão aplicadas em 228 cidades de todas as regiões do país.
