Mercado de trabalho: como promover a igualdade de gênero?
Executivas falam sobre as dificuldades de inserção e ascensão das mulheres no mercado de trabalho e os caminhos para promover a equidade de gênero.
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Publicado em:04/03/2021 às 16:00
Atualizado em:04/03/2021 às 16:00
Elas enfrentam mais dificuldades para inserção no mercado de trabalho, sofrem com as diferenças salariais e, entre outros tantos desafios, lutam para combater a desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
O relatório Diferença Global de Gênero, promovido pelo Fórum Econômico Mundial em 2020, afirma que serão necessários aproximadamente 250 anos para que hajaigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Quais caminhos poderiam encurtar esse tempo? Quais os desafios a serem combatidos?
Valéria Pimenta, diretora comercial da Thomas International, comenta que um dos principais entraves à eliminação da desigualdade é o fato de as pessoas terem dificuldades de reconhecer que ela existe. De acordo com a executiva, as organizações precisam ter clareza de como esse é um tema importante e deve estar na pauta.
"Mais que uma questão de justiça social, a equidade de gêneros torna os ambientes mais criativos e produtivos. Não se pode ignorar que o problema existe. Talvez esse seja o primeiro passo para encurtar esse tempo."
Além de reconhecer que há diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho e levar esse tema para ser debatido, as organizações precisam se auto-observar, coletar e analisar os números para ter clareza de onde, especificamente, esse problema se concentra.
Valéria cita alguns questionamentos que podem podem ser usados pelas empresas:
Temos mulheres em todos os níveis hierárquicos?
Como a liderança recruta?
Existe de forma aberta ou velada a "penalidade da maternidade"?
Quais frases escutamos nos corredores sobre as promoções das mulheres?
Os adjetivos que usamos para os homens tem conotação diferente quando usamos para mulheres? Exemplo: Ele é durão! Ela é dura!
"A partir destas respostas, ações específicas podem ser implementadas, como: recrutamento às cegas, fóruns para discussão do tema, criação de fóruns internos que disseminam conhecimento sobre o tema e mantém a pauta aquecida, dentre outros."
Empresas também precisam dialogar com as mulheres que já fazem parte
da equipe (Foto: Pixabay)
Combate aos retrocessos na conquista pela equidade de gênero
A luta das mulheres por mais espaços no mercado de trabalho não é de hoje. Nas décadas de 1960 e 1970, elas adquiriram algumas liberdades civis, entre elas, a retirada da obrigatoriedade de autorização do marido para trabalhar.
Na visão de Valéria, a recessão econômica, que se desdobra em crise política e social, estancou o processo de ampliação da igualdade entre homens e mulheres e já apresenta retrocessos, especialmente em relação à inserção feminina no mercado de trabalho.
Em concordância, Carine Ross, sócia-fundadora da Newa, afirma que as mulheres também perderam espaço no campo político e em relação ao aumento da desigualdade salarial.
Um relatório divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta quinta-feira, 4, afirma que, em 2019, as mulheres receberam pouco mais de três quartos (77,7%) do rendimento dos homens.
Essa desigualdade era maior entre as pessoas inseridas nos grupos ocupacionais com maiores rendimentos, como cargos de direção e gerência e profissionais das ciências e intelectuais. Nesses grupos, as mulheres receberam, respectivamente, 61,9% e 63,6% do rendimento dos homens.
No Sudeste e Sul, as mulheres receberam, respectivamente, 74% e 72,8% do rendimento dos homens. Já no Norte (92,6%) e Nordeste (86,5), regiões onde os rendimentos médios foram mais baixos para ambos os sexos, as desigualdades eram menores.
Para Carine, o combate às diferenças salariais entre homens e mulheres pode ser feito através de:
Educação sobre preconceito de gênero e ampliação da consciência sobre diversidade como vetor estratégico para a inovação, felicidade e resultados financeiros para todas as pessoas da empresa;
Equiparação da licença parental como forma de reduzir o gap salarial;
Ações intencionais para correções dos gaps salariais e capacitações para a liderança das mulheres; e
Querer mudar.
"A mudança de cultura é lenta, mas deve ser consistente e sistemática. Entendemos, inclusive, que ela é necessária para a própria sobrevivência da empresa."
O impacto da pandemia na desigualdade de gênero
Uma outra pesquisa divulgada pelo IBGE mostra que 8,5 milhões de mulheres tinham deixado a força de trabalho no terceiro trimestre de 2020. Esse cenário foi motivado pela pandemia do novo Coronavírus, que ainda assola o país e atrasa a volta de mulheres ao mercado de trabalho.
"Ainda vivemos em uma sociedade onde o papel do cuidado é naturalizado às mulheres, como se ao nascermos mulheres tivéssemos que assumir automaticamente a tarefa dos cuidados da casa, dos filhos e do cuidado dos mais vulneráveis", comenta Carine.
Para Valéria, nós temos uma construção social onde o homem é o provedor. Por isso, nas crises econômicas, é privilegiado a manutenção dos empregos para esses.
"As mulheres que já cuidavam da rotina da casa, dos filhos, do trabalho e tinham que dar conta de todas as atividades, no isolamento, se viram em uma situação que ficou inconciliável. Como manter a produtividade no trabalho, ou mesmo manter o emprego, em meio ao isolamento social com as crianças integralmente em casa, sem a ajuda do parceiro? E, como já mencionado pelo viés de gênero, se alguém precisa abrir mão de um trabalho para se dedicar à família, será a mulher e não o homem", ressalta.
Como promover a equidade de gênero no mercado de trabalho?
Atualmente, muitas empresas fazem seleções exclusivas para a inserção de mulheres em suas equipes de trabalho. Apesar de ser um método comum, Carine comenta que ainda falta ouvir a própria percepção das mulheres - que já são funcionárias - sobre o seu ambiente de trabalho.
"É importante que as políticas pensadas para o crescimento das mulheres dentro das empresas levem em consideração atração, retenção e ascensão das mulheres", destaca.
A executiva cita um estudo recente realizado pela McKinsey. Nele, é identificado que o maior impedimento para a igualdade de gênero nas empresas não é o famoso "teto de vidro", ou seja, conseguir cargos altos de liderança, como CEO. Mas sim, a principal barreira, na realidade, é o crescimento para cargos de gerência logo no início da carreira.
"Sendo assim, recomendamos às empresas começarem por um diagnóstico para entender a realidade das mulheres que já fazem parte da companhia e quais ações intencionais devem ser planejadas para reduzir mais rápido o gap de gênero."
Além de ouvir as mulheres e prepará-las para a liderança, Carine recomenda que os homens sejam preparados para serem os aliados das mulheres.
"Nós acreditamos que liderança não é necessariamente determinada pelo cargo que a pessoa ocupa, mas sim pela visão e atitude de quem exerce a liderança. Todos nós podemos ser melhores aliados das mulheres no ambiente de trabalho."
Segundo Valéria, a mulher e o mercado de trabalho não devem ser temas distintos. Além disso, a diretora comercial ressalta a importância de fortalecer essa integração, já que a mulher contribui, de forma significativa, para o sucesso do negócio trazendo, diversidade à equipe, produtividade e outras habilidades.
Sendo assim, o incentivo do crescimento profissional pode ser adotado através das seguintes ações:
Processos seletivos às cegas (internos e externos);
Valorização das mulheres pelas suas competências profissionais;
Criação de grupos de afinidade/diversidade;
Acompanhar de perto e cobrar ações do poder legislativo;
Promover salários mais igualitários; e
Observar a distribuição de gêneros por níveis hierárquicos.