Nome social na OAB: entenda a importância dessa conquista
Primeira transexual a ingressar nos quadros da OAB MT fala sobre a importância do uso do nome social para transexuais e travestis. Confira!
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Publicado em:09/11/2020 às 09:00
Atualizado em:09/11/2020 às 09:00
Já parou para pensar como o seu nome está atrelado à sua identidade? Essa não costuma ser uma questão para a maioria das pessoas. Mas, para travestis e transexuais a luta pelo direito de usar o nome pelo qual se identifica é constante.
Em 2010 uma regulamentação oficial havia sido publicada instituindo o uso do nome social para servidores públicos federais travestis e transexuais.
Basicamente, a regulamentação permitia ao servidor o uso do nome social nas comunicações internas e externas dos órgãos públicos federais, inclusive para criação de e-mails, crachás e logins de informática.
Mais tarde, em 2015, foi a vez do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) oferecer a possibilidade de utilização do nome social para os estudantes travestis e transexuais.
Desde 2009, alguns estados já se movimentavam nesse sentido. Entre eles, Pará, Piauí, São Paulo e outros. No âmbito federal, o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais só foi estabelecido, por meio de decreto, em 2016.
Nesse mesmo ano, o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou que advogados e advogadas travestis e transexuais usassem o nome social no registro da Ordem. A aprovação foi realizada em uma data significativa para o grupo LGBTQI+: 17 de maio, dia internacional da luta contra Homofobia.
A primeira advogada transexual nos quadros da OAB com nome social foi Márcia Rocha, em São Paulo, ainda em 2016. De lá para cá, mais de 60 profissionais já tiveram suas certidões emitidas com o nome social.
Nome social: nome utilizado socialmente por transexuais e travestir, em vez do nome de batismo, que não são correspondentes a sua identidade de gênero.
OAB MT inscreve pela primeira vez uma transexual em seus quadros
Recentemente, a estudante de do 8º semestre de Direito, Daniella Veyga, foi a primeira transexual se inscrever no quadro da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) de Mato Grosso.
Ela tirou a carteira de estagiário, documento concedido a estudantes de Direito para que esses possam exercer algumas atividades de competência dos advogados, acessar prerrogativas e processos.
Folha OAB conversou com Daniella, que explicou como foi alcançar essa conquista e a importância do uso do nome social para advogados transexuais. Confira!
Daniella Veyga estudou a vida toda em escola pública. Mesmo com as dificuldades no ensino público e sem condições de arcar com os custos de um pré-vestibular, a jovem conseguiu ingressar com uma bolsa de 100% no curso de Direito de uma universidade particular.
"Estou concretizando um sonho, desde criança eu sempre tive vontade de fazer Direito e eu sou a primeira pessoa da minha família a cursar o nível superior."
A estudante passou por sua transição ainda na escola. Por já saber do seu direito e ter um histórico de militância pela causa, Daniella , desde o início da faculdade solicitou o uso do nome social.
"Diferentemente das outras mulheres trans que são graduadas ou estão na universidade, eu passei pelo processo de transição na escola, na minha adolescência. Então, quando eu entrei na faculdade eu já era travesti e enfrentei todos os desafios de travesti na faculdade: matrícula, pedido do nome social, as perguntas constrangedoras na sala de aula", relembrou.
Universidades ainda não estão habituadas aos pedidos de nome social
Daniella Veyga (Foto: Arquivo Pessoal)
A futura advogada disse que foi a primeira em sua universidade a fazer o requerimento, mas lembrou que as instituições não estão acostumadas a lidar com essa situação:
"As pessoas trans não estão na universidade, é muito pequeno o número. De 100% das trans, 90% estão na prostituição. As que estão no mercado formal de trabalho são para profissões voltadas ao cuidado, como cabelereira, manicure, esteticista e, por sua maioria, quase 95% não terminaram nem o ensino médio. Então, se elas não têm o ensino médio, não tem como elas entrarem na universidade."
Considerando essa realidade, Daniella defende que esse debate precisa existir nas universidades e escolas, para que as pessoas trans tenham possibilidade de ocupar esses espaços.
"Na minha universidade eu provoquei, fui a primeira a provocar [o debate]."
Apesar da situação incomum para a universidade, Daniella comentou que não enfrentou problemas para ter seu direito garantido. E este ano alcançou mais uma conquista: a carteirinha de estágio da OAB.
"No meu caso, eu já me retifiquei, já tenho nos meus documentos o nome de Daniella. Eu ainda tive um pouco de empecilho porque eu retifiquei recentemente. Você precisa apresentar várias certidões e uma das certidões é da Justiça Eleitoral. Como haverá um pleito eleitoral, não se pode fazer alterações no cadastro, então eu ainda levei a certidão com meu antigo nome. Mas com muita conversa na OAB eles conseguiram entender o porquê da certidão com dois nomes e me deram o prazo após a eleição para levar a certidão atualizada com o nome retificado", explicou.
Uso do nome social devolve dignidade às pessoas trans
Daniella Veyga ainda destacou a importância do uso do nome social para pessoas trans. Para ela, o ponto central dessa questão é o respeito:
"A maior violência com a pessoa trans é a não aceitação do nome social. A questão do nome social é o que faz muitas pessoas não procurarem o sistema de saúde, desistirem de cursos, não viajarem por medo e constrangimento de apresentarem um documento que é dissonante com a sua imagem. Quando a gente respeita o uso do nome social, a gente devolve a dignidade para esse sujeito."
Daniella já foi diretora LGBT da União Nacional dos Estudantes (UNE). Na época, seu primeiro ato foi, justamente, institucionalizar a emissão da carteirinha estudantil com o nome social. Anteriormente, a carteirinha era emitida apenas com o nome de batismo dos estudantes.
"Nos meus giros nas universidades, conheci um homem trans que disse para mim que o nome social na carteirinha da UNE devolveu a ele o direito a ser quem ele é. Depois que ele conseguiu a carteirinha com o nome social, ele voltou a comer no restaurante universitário, voltou a ir no cinema, daí vemos a importância do uso do nome social", relembrou.
OAB ainda pode contribuir com a causa de outras maneiras
A estudante considera o fato da OAB emitir suas carreiras profissionais com o nome social um passo importante. Mas, Daniella ressaltou que ainda tem muito a ser feito em prol desta luta.
"O que pode melhorar muito é a OAB se caracterizar de acordo com a população brasileira. Ser uma OAB diversa, com muitas mulheres, muitos negros e negras, muitos LGBTs e que possa mostrar, de fato, a cara do Brasil, esse Brasil da diversidade."
Além disso, na visão de Daniella, a OAB ainda pode contribuir fomentando a segurança à diversidade e a política do uso do nome social nos âmbitos judiciário, nos Fóruns, nas Varas e nas Comarcas.
"Há uma portaria que institui o uso do nome social por pessoas trans no âmbito judiciário, incluindo as que movem processos. Então, quando elas forem chamadas no processo, serem intimadas com o nome social. Isso é uma política desconhecida, que cabe à OAB fomentar. Espero que agora dentro da OAB eu consiga contribuir com essa mudança e com esse informativo de mostrar que nós pessoas de direito, podemos ocupar qualquer espaço e merecemos ter nossos direitos e nomes respeitados."