Reforma Administrativa tem recuo, mas riscos ainda seguem

A Cláusula polêmica de contrato por tempo determinado é retirada de nova versão da reforma administrativa, mas outros riscos seguem. Leia coluna.

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Publicado em:04/10/2025 às 10:00
Atualizado em:03/10/2025 às 17:13

A versão final da Reforma Administrativa apresentada pelo relator para debate no Legislativo retirou um ponto extremamente delicado: a possibilidade de um contrato com estabilidade por tempo determinado, que permitiria o desligamento do servidor público sob critério direto da gestão. Esse aspecto era um dos mais críticos da proposta original, pois abria margem para insegurança estrutural no serviço público.


Ainda assim, vale destacar que a reforma não elimina a figura do trabalho temporário — que já corresponde a cerca de 35% dos atuais servidores ou empregados públicos — e que atende a funções extraordinárias, como, por exemplo, os contratos para o Censo do IBGE. Nesse sentido, pode-se afirmar que a proposta final é menos nociva do que a versão inicial, mas isso não significa que esteja livre de problemas.


Um dos maiores pontos de preocupação é a relação entre estabilidade e avaliação de desempenho. É importante registrar: a avaliação de desempenho já existe. Fui servidor público por 14 anos e, durante todo esse período, estive submetido a avaliações anuais. No entanto, essas avaliações sempre tiveram caráter funcional — de adequação de funções, readaptação, gestão por competências, aproveitamento de talentos no momento e lugar adequados.


O risco central da proposta é transformar a avaliação de desempenho em condicionante da estabilidade, algo que muda completamente o sentido da ferramenta. Ao se tornar critério de permanência, ela pode gerar assédio moral, pressões contrárias à organização sindical e alinhamento político como forma de controle, o que é extremamente perigoso para a integridade do serviço público.


A estabilidade existe para proteger o servidor e, sobretudo, o cidadão, garantindo que a máquina pública funcione sem ser capturada por interesses políticos imediatos.


Também existe um sério problema em se estabelecer critérios nacionais para avaliação de desempenho. Afinal, cada órgão público possui suas próprias especificidades, e tentar padronizar isso em uma lógica única desconsidera a diversidade de funções e realidades dentro do serviço público.


Outro ponto crítico está na criação de uma tabela de evolução funcional sem que tenha havido uma discussão ampla com os servidores sobre cargos e carreiras. Isso é extremamente problemático. Qualquer alteração em planos de carreira, ou mesmo uma simples adaptação funcional, exige organização, diálogo e um debate aprofundado com a sociedade.


Sem essa construção coletiva, há um grande risco de se impor modelos que não atendam nem aos servidores nem à qualidade do serviço prestado à população.


Evidentemente, existem alguns pontos positivos na proposta, como a modernização tecnológica do serviço público e o fim de certos privilégios, a exemplo da licença-prêmio, que já não faz mais sentido.


Há também pontos nebulosos, como o próprio Concurso Nacional Unificado (CNU) envolvendo estados e municípios. Já vimos, inclusive, que esse modelo — como ocorreu com o chamado CNU da educação — não vingou e não teve a adesão esperada.


No entanto, o cerne da reforma é extremamente problemático. Ela promove uma fragilização da estabilidade e dos direitos dos servidores, o que atinge diretamente a qualidade do serviço público. Isso porque a estabilidade não é um privilégio, mas uma proteção contra o assédio moral, a perseguição política e a pressão sindical.


Diante desse conjunto, entendo — como ex-servidor público, professor com longa experiência na área e ex-dirigente sindical — que a reforma deve ser retirada integralmente.


Se existe de fato uma necessidade de discutir mudanças no serviço público brasileiro, que seja no sentido de valorizar os cargos, aprimorar os planos de carreira e corrigir defasagens salariais, e não no de desmontar a estrutura que garante a prestação de serviços de qualidade à população.


Luiz Rezende - professor especialista em concursos públicos


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