Quando eu estudava Direito Penal na faculdade, tudo parecia fazer sentido. Os conceitos seguiam uma sequência. As teorias eram lógicas. Os exemplos se encaixavam perfeitamente ao tipo penal descrito no Código.
Mas a verdade é que nenhum professor, nenhum cursinho, nenhum livro te prepara para o direito penal que acontece quando você cruza a porta de uma delegacia. E lá que o Direito Penal ganha vida — e nada, absolutamente nada, segue o roteiro aprendido.
Na teoria, o crime é uma construção jurídica. Na prática, ele tem cheiro, tem voz, tem dor — e uma urgência que nenhum manual descreve.
No papel, analisamos dolo e culpa com calma, sentados, debatendo teses com colegas. Na prática, tipificamos uma ocorrência e decidimos sobre dolo ou culpa no calor dos acontecimentos, no meio de choro, gritos, no meio do caos das emoções desordenadas e das várias versões de um mesmo fato.
Estudamos as excludentes de ilicitude em exemplos frios: “legítima defesa”, “estado de necessidade”, “estrito cumprimento do dever legal”.
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Nos plantões, essas expressões se revelam cheias de nuances: uma legítima defesa que não é tão evidente assim; um estado de necessidade atravessado por medo, fome e desespero; um estrito cumprimento do dever que exige técnica, mas também humanidade.
E é com a arma mais poderosa do delegado que o Direito se concretiza: a caneta. O peso da caneta é muito maior do que o peso de qualquer arma de fogo. É com essa caneta que decidimos destinos quando lavramos, ou não, um flagrante.
É na tipificação de uma conduta que escrevemos o futuro de alguém. E quantas vezes representando por uma medida protetiva salvamos vidas. O plantão policial ensina o que nenhum livro seria capaz de ensinar.
Mostra a vida real, no estado mais cru, e revela como a aplicação do Direito Penal é capaz de mudar histórias para sempre.
E o maior desafio de um Delegado é encontrar o ponto exato entre a técnica e a sensibilidade. É manter o distanciamento necessário, mesmo sabendo que você é humano — e que muitas narrativas vão te atravessar de um jeito impossível de controlar.
E é nesse cenário — imprevisível, intenso e real — que o Direito Penal deixa de ser teoria e se transforma em instrumento de justiça.
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Para quem sonha em ingressar na carreira policial, é importante saber: o estudo é fundamental, mas é no cotidiano da delegacia que você vai entender, de verdade, o que significa aplicar o Direito Penal.
E descobrir que, apesar das dificuldades, há um sentido profundo em dar vida àquilo que, antes, existia apenas nos livros.
Milena Sapienza - professora do Qconcursos e delegada de Polícia Civil.
