Reforma Administrativa: SindCVM expõe pontos negativos da proposta

Presidente do SindCVM, Hertz Viana Leal, aponta riscos de uma possível aprovação da proposta de Reforma Administrativa do Executivo Federal.

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Publicado em:24/09/2020 às 14:00
Atualizado em:24/09/2020 às 14:00

Após o envio da proposta de Reforma Administrativa ao Legislativo, o SindCVM tentará amenizar os efeitos em caso de uma possível aprovação.

O primeiro passo é expor os pontos da PEC 32/2020 para que a sociedade tenha conhecimento dos riscos e intenções da gestão executiva federal atual.
 

"Nós vamos trabalhar para dar conhecimento à sociedade dos serviços prestados pela CVM quando regula e fiscaliza o mercado de capitais dando confiança e estabilidade aos investidores e, em consequência, condições para o desenvolvimento da economia do nosso país - possibilitando que as empresas invistam e criem empregos - a relevância das nossas atribuições nesse momento de recessão devido à pandemia e as sucessivas crises enfrentadas pelo Brasil."


O presidente do SindCVM, Hertz Viana Leal, diz que mesmo os servidores da CVM sendo incluídos nas carreiras típicas de Estado continuarão questionando as questões trazidas pela proposta.
 

"Mesmo com as nossas carreiras incluídas como típicas de Estado, vamos continuar a alertar sobre os desvios e limitações dessa Reforma Administrativa que o governo propõe. Atuamos também junto com o Fonacate – Fórum das Carreiras Típicas de Estado, participando dos debates, contribuindo com propostas, além de fazermos campanhas de comunicação para esclarecer a sociedade, parlamentares e ao próprio governo sobre os equívocos dessa proposta de Reforma Administrativa."


Confira abaixo a entrevista da íntegra em que o presidente do SindCVM, Hertz Viana Leal, fala sobre outros pontos sensíveis da proposta de Reforma Administrativa como, por exemplo, a avaliação de desempenho, estabilidade e a visão da CVM sobre Reforma Administrativa no serviço público.
 

Folha Dirigida → Como recebeu o anúncio da Reforma Administrativa proposta pelo governo federal, onde militares, membros do Poder Judiciário e parlamentares não foram incluídos, sendo que essas duas últimas categorias são os que têm os maiores salários do serviço público?

Hertz Viana Leal → Recebemos com muita indignação. Apesar das manifestações de desvalorização dos servidores públicos nesse governo, havia a esperança de algo melhor. Mas a tática é de isolamento dos servidores públicos.

O Poder Executivo, repleto de militares, envia a PEC para aprovação dos parlamentares que pode ser contestada no Poder Judiciário, mas, por astúcia, esses agentes públicos que vão decidir estão fora dessa reforma.

Quando o governo e seus apoiadores na mídia querem justificar a PEC da RA – Reforma Administrativa apontam como defeito do sistema atual os benefícios que parlamentares e membros do Poder Judiciário têm, como férias em dobro e remuneração acima do teto.

No entanto, ao analisar os dispositivos da PEC 32/2020, observamos a retirada de muitos direitos que os servidores deveriam ter ao ingressar no Poder Executivo, mas ao mesmo tempo mantendo privilégios de uma casta que vai decidir a vida desses servidores, aumentando a desigualdade dentro do serviço público.

Além desse grave desvio precisamos destacar o momento inadequado para enviar uma medida legislativa dessa natureza, em meio a uma pandemia, com a necessidade de manter o isolamento social e o parlamento funcionando com muitas restrições.

A impossibilidade de efetivar o pleno debate democrático, com a dificuldade no envio de propostas para emendas e no diálogo direto nas casas legislativas, caracteriza mais uma afronta aos nossos direitos constitucionais.
 

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Folha Dirigida → Antes da apresentação oficial da Reforma Administrativa, falava-se que haveria diversos prazos para que os novos servidores viessem a ocupar a estabilidade. Com o anúncio oficial, surpreendeu ao senhor a manutenção da estabilidade dos servidores ocupantes de carreiras de estado, após três anos?

Hertz Viana Leal → A estabilidade é uma prerrogativa para o exercício das atribuições do cargo com certa independência e autonomia, livre de pressões políticas e pessoais sempre fundamentadas em bases legais.

No caso de aumento do tempo para concessão da estabilidade, haveria comprometimento da atuação dos servidores em carreiras típicas de estado.


Folha Dirigida → Quais são, na sua visão, os pontos mais questionáveis da Reforma apresentada e que poderá trazer prejuízos ao governo, à sociedade e aos futuros servidores?

Hertz Viana Leal → Na nossa visão, o maior prejuízo será na possibilidade de contratação de serviços públicos e de servidores temporários contrariando o interesse público.

Nós já vemos isso acontecer com a terceirização e contratação de OSs – Organizações Sociais. São inúmeras as denúncias de licitações direcionadas através de indicações políticas para obter apoio financeiro, favorecendo empresários que apoiaram uma campanha eleitoral.

Governantes se utilizam dessa forma de contratação para empregar pessoas que fazem parte de um esquema político, impõe a rotatividade delas a partir de interesses particulares e realizam a substituição dos prestadores de serviços conforme a submissão ao seu projeto de poder.

Outro ponto inaceitável é o dispositivo dessa PEC que atribui à presidência da República o poder de modificar ou extinguir cargos, órgãos, fundações e autarquias. O servidor público tem que fazer o que é previsto em Lei.

As atribuições dos cargos públicos devem ser definidas em debate e decisão do Poder Legislativo. Um decreto presidencial não deve ter competência para decidir a estrutura do Estado. Governos passam e o país deve resguardar sua continuidade e sua estabilidade organizacional.

Um dos prejuízos que deve ser considerado é a fragmentação que o fim do Regime Jurídico Único (RJU) pode trazer com novas formas de contratação e remuneração. Os servidores atuais, que são induzidos a acreditar que não serão afetados, vão receber novos funcionários com estatuto diferente criando barreiras para identidade e integração.

Também é preciso avaliar que se não serão feitos concursos para os cargos atuais, isso quer dizer, que os cargos entrarão em extinção, não haverá motivação para aperfeiçoar o que está no fim, os servidores atuais serão condenados a uma espécie de limbo administrativo. Provavelmente haverá segmentação por atividade com grande rotatividade de servidores entre órgãos da administração direta e instituições da administração indireta.


Folha Dirigida → Qual sua posição sobre o fim do RJU e a criação de cinco vínculos distintos de trabalho?

Hertz Viana Leal → O RJU foi criado com o objetivo de prover o Estado com um quadro de funcionários para dar eficiência na continuação da prestação de serviços públicos de qualidade.

Vivemos uma época de transformações tecnológicas que impactam as formas do trabalho e devemos pensar em modificações na seleção dos trabalhadores e no desenvolvimento do desempenho do servidor focando na avaliação, na capacitação, na motivação e na remuneração adequada. No entanto, a criação de vínculos distintos pode dar consequência às discriminações, às arbitrariedades e aos desvios dos interesses privados contaminando o serviço público e causando ineficiência.


Folha Dirigida → Se a reforma for aprovada da forma que está, considera que haverá um aumento substancial das contratações temporárias em detrimento aos concursos para efetivos?

Hertz Viana Leal → A defesa da urgência da Reforma Administrativa está pautada na necessidade fiscal, ou seja, o governo não consegue arrecadar para pagar e manter com estabilidade os servidores públicos, também, de acordo com essa visão, esses servidores não entregam o que a sociedade espera do serviço público.

Então, suspenderam os concursos públicos para que se possa arrumar uma forma de contratar sem o compromisso da estabilidade e sem uma remuneração atrativa, elementos que vinham trazendo profissionais qualificados para o serviço público.

Com certeza, o objetivo é esse: aumentar as contratações temporárias e com baixa remuneração tendo como modelo a iniciativa privada.


Folha Dirigida → A retirada de vários direitos pode deixar a carreira pública menos atrativa, afastando os profissionais qualificados para ela, contribuindo assim para o aumento da ineficiência dos serviços públicos?

Hertz Viana Leal →  Como sinalizado na resposta anterior, o que de fato vai ocorrer é a precarização do serviço público.

Nós do SindCVM fazemos a crítica de que a Reforma Administrativa não é Reforma Tributária, pois deveríamos estar pensando em melhorar a administração pública em face aos desafios do nosso século, mas o governo propõe uma reforma mesquinha que pode trazer o retrocesso das contratações de cunho patrimonial eivado de interesses políticos e pessoais, contribuindo para a rotatividade das pessoas que vão exercer o serviço público.


Folha Dirigida → A avaliação de desempenho que existe após o estágio probatório é meramente protocolar, como alega o governo? Defende que deveria existir uma avaliação de desempenho mais rígida que a atual, mas em que houvesse critérios claros e objetivos em sua execução?

Hertz Viana Leal → A avaliação de desempenho deve ser discutida e desenvolvida. É uma questão sensível e importante.

Por um lado, é necessário estabelecer critérios objetivos para definir metas e avaliar produtividade sem permitir perseguições de ordem pessoal, que possam conter discriminações raciais, políticas ou outras formas de preconceito. Por outro lado, também ocorrem formas subjetivas que afetam o desempenho do servidor que são difíceis de mensurar, como um ambiente em que ocorra a cooperação.

Caso a avaliação foque demais em metas individuais, perde-se o contexto da importante avaliação do conjunto como a qualidade da interação entre equipe. A avaliação tem que contemplar o desempenho dos gestores em oferecer um planejamento adequado para realização dos objetivos, além das condições materiais que afetam o exercício do trabalho, entre outros aspectos que devem ser considerados.

A avaliação de desempenho deveria ser um desafio constante e não ter esse caráter punitivo e individualista, como é proposto pelo governo com o objetivo de demitir o servidor. Mas deve ter como foco o estímulo ao desenvolvimento dos servidores públicos, o que uma verdadeira Reforma Administrativa deve fazer.


Folha Dirigida → Diversas representações sindicais reclamam que não foram consultadas pelo governo para elaborar a Reforma Administrativa. O que seria, na sua visão, uma reforma justa? O que existe atualmente que precisa ser reformulado e quais propostas o senhor tem para melhorar a eficiência do setor públicos e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio fiscal?

Hertz Viana Leal → A RA não deve tratar de equilíbrio fiscal. Isso deve ser tratado na Reforma Tributária ou num plano de desenvolvimento nacional. Para alcançar o equilíbrio fiscal o governo precisa do aumento da arrecadação e para isso o país necessita crescer tributando progressivamente, ao contrário do que faz nosso regime atual. Mas o governo prefere o corte das despesas primárias sem comprimir as despesas financeiras. Essa polêmica pode ficar para outro debate.

Nossa visão de uma Reforma Administrativa passa pela racionalização da gestão dos diversos recursos do Estado para entregar um serviço público de qualidade. No que diz respeito à gestão de pessoas podemos propor novas formas de realização do concurso público, considerando a experiência profissional para alguns cargos, por exemplo.

Também devemos organizar o desenvolvimento dos conhecimentos dos servidores como a utilização de novas tecnologias, utilizando a inovação para prestar um melhor serviço à comunidade. A proposta de acabar com a possibilidade de remunerações acima do teto ou duas férias por ano, como acontece com membros do judiciário, são medidas justas.

A eficiência pode ser obtida com a estruturação de uma boa avaliação de desempenho com o caráter de ajustar os serviços às inovações, com o estímulo ao conhecimento e também planejando as promoções por mérito que podem ser reguladas com intuito de motivar o desenvolvimento pessoal. A participação social na fiscalização dos serviços com ampliação do escopo das ouvidorias pode contribuir para os ajustes no serviço público para obter mais eficiência.


Folha Dirigida → O governo alega que não pode incluir membros do Poder Judiciário e membros (parlamentares) do Poder Legislativo na reforma, em respeito ao princípio da separação de poderes. Acha que o Judiciário e o Legislativo se sentirão pressionados a realizar também uma Reforma Administrativa ou é inimaginável que eles farão isso?

Hertz Viana Leal → Rodrigo Maia apresentou uma RA para o Poder Legislativo, que não contempla os parlamentares, alguma reforma pode ser promovida no judiciário, mas duvidamos que parlamentares e magistrados cortem seus privilégios.
 

Folha Dirigida → O que o SindCVM fará, a partir de agora, para que a Reforma Administrativa seja o menos prejudicial possível para os futuros servidores?

Hertz Viana Leal → Nós vamos trabalhar para dar conhecimento à sociedade dos serviços prestados pela CVM quando regula e fiscaliza o mercado de capitais dando confiança e estabilidade aos investidores e, em consequência, condições para o desenvolvimento da economia do nosso país - possibilitando que as empresas invistam e criem empregos - a relevância das nossas atribuições nesse momento de recessão devido à pandemia e as sucessivas crises enfrentadas pelo Brasil.

Mesmo com as nossas carreiras incluídas como típicas de Estado, vamos continuar a alertar sobre os desvios e limitações dessa Reforma Administrativa que o governo propõe. Atuamos também junto com o Fonacate – Fórum das Carreiras Típicas de Estado, participando dos debates, contribuindo com propostas, além de fazermos campanhas de comunicação para esclarecer a sociedade, parlamentares e ao próprio governo sobre os equívocos dessa proposta de Reforma Administrativa.