Por que o cabelo crespo ainda é considerado menos profissional?

A aparência ainda é um dos fatores que impedem contratações de pessoas negras, especialmente mulheres com cabelos crespos. Entenda!

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Publicado em:16/11/2020 às 08:00
Atualizado em:16/11/2020 às 08:00

Todos sabem a importância de estar bem apresentado numa entrevista de emprego ou no ambiente de trabalho. O problema é que, muita das vezes, a boa aparência está atrelada a um determinado padrão. E o cabelo crespo não está incluso nele.

Por lei, uma empresa não tem o direito de determinar aspectos da aparência dos seus colaboradores, como o modo que ele deve manter seu cabelo. A menos que as exigências estejam atreladas a medidas de segurança e higiene. Por exemplo, manter os cabelos presos em uma cozinha.

Mas, na prática, não é incomum o fato de um candidato ser desclassificado de um processo seletivo por conta de sua aparência. 

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos este ano revela que mulheres negras com cabelos crespos naturais têm menos chances de conseguir entrevistas de emprego, que mulheres brancas ou até mesmo negras com cabelos alisados. No Brasil, a situação não é muito diferente.

Segundo Leizer Pereira, fundador e diretor executivo da Empodera! — startup de RH com foco em diversidade e inclusão —, em grande parte, as empresas ainda não sabem como construir um negócio, verdadeiramente inclusivo.

enlightened A Empodera! tem como propósito servir as empresas na preparação para jornada de mudança de cultura para inclusão e valorização da diversidade como fator estratégico para o negócio. A empresa, desde 2016,  recruta, seleciona e capacita jovens universitários diversos de alta performance.

Ou seja, um ambiente de respeito, livre de microviolência, de assédio moral e de preconceitos. E um lugar que ofereça oportunidade para todos e que tenha uma relação de confiança com os colaboradores.

"Quando você fala para uma pessoa que ela pode ser quem ela é de verdade, você deveria respeitar a identidade dela", enfatizou.

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Mulher Negras
Mulheres negras com cabelos crespos têm menos chances de contratação
(Foto: Divulgação)

 

Flexibilizações que vem sendo realizadas no dress code das empresas são, de fato, inclusivas?

O consultor especialista em estratégias para promoção de diversidade e inclusão em empresas disse que os ambientes corporativos pasteurizam as pessoas quando as impõem um dress code (código de vestimenta) engessado. "Quem desenhou esse dress code não entende nada do que representa para uma mulher negra uma estampa mais colorida ou o cabelo black, por exemplo", questiona. 

Pereira chamou a atenção para o fato de que o dress code faz parte do mundo corporativo, mas defendeu que deveria haver uma flexibilização nessas regras. O especialista lembrou que, há pouco tempo, as tatuagens não eram bem vistas pelas empresas e que a regra era usar roupas formais nos escritórios. Porém, isso vem mudando nos últimos anos. Em algumas empresas, já é permitido até o uso de bermudas. 

"Houve uma flexibilização no dress code. Só que para atender a quem? A discussão é: e a mulher negra, que quer usar o turbante, seu cabelo black, o nagô? A empresa que é inclusiva, que entende que aquela é uma profissional de valor e que precisa criar um ambiente em que ela se sinta bem, vai permitir."

De acordo com Leizer Pereira, mulheres e homens que desejam assumir seu cabelo black, mas ficam com receio por conta da empresa, podem tentar iniciar esse diálogo com a gerência: "ela pode tentar construir isso com a liderança e explicar o quanto é importante para ela. Agora, se chegar no momento em que a empresa proíbe, ela tem que tomar a decisão se quer continuar ali ou não."

Outra solução é tentar manter as próprias referências, respeitando o dress code exigido pela companhia. Por exemplo, a empresa exige o uso de terno, mas o colaborador pode optar por um terno bege em vez do tradicional preto ou azul. No entanto, o especialista reforçou que essa flexibilidade deverá ser negociada.

O consultor ainda destacou que o trabalho acerca da inclusão de colaboradores negros deve ir além do ambiente interno. As empresas também devem atuar na conscientização de fornecedores, parceiros e cliente.

"As empresas que querem se tornar mais inclusivas precisam respeitar a diversidade dos seus colaboradores. Desde 2010, a população negra superou o número de brancos e não é porque está nascendo mais negros, é porque mais pessoas, sobretudo as pardas, se autodeclaram negras e passam a valorizar sua ancestralidade. O problema é que as empresas não entendem nada de cultura negra, então ela acha que cabelo bonito é cabelo liso e que seu cliente não vai gostar de ter uma mulher preta com cabelo black no atendimento", explicou.

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Por que empresas devem investir em diversidade?

Leizer Pereira
Leizer Pereira, fundador do Empodera!

Leizer Pereira ressaltou que os investimentos em diversidade e inclusão podem ser estratégicos para as próprias companhias. E isso engloba diferentes aspectos. 

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Um deles é a atração e retenção de diferentes talentos. "Hoje se uma pessoa tem a taxa de empregabilidade alta, ela pode escolher a empresa onde quer trabalhar e a liderança com a qual quer trabalhar. E as empresas estão atentas a isso. A competição pelos melhores talentos está muito grande", reforça.

Além disso, as opções de atuação no mercado atualmente são maiores. Um profissional pode optar por seguir carreira no serviço público, empreender, trabalhar em uma startup ou em uma grande empresa.

Outro fator a ser considerado é a oportunidade de mercado. Se a empresa quer atrair mulheres negras como clientes, ela precisa contratar mulheres negras que entendam as necessidades desse público.

"É um movimento novo e as empresas estão sendo demandadas por um movimento que surge na sociedade para tornar os ambientes mais diversos e mais inclusivos."

As movimentações nas redes sociais ajudam. "O ativismo digital tem feito um trabalho incrível porque pressiona as marcas."

Pereira apontou que muitas marcas enxergam a necessidade de se manterem antenadas às questões de diversidade e inclusão e aderirem ao movimento após pressão nas redes sociais. Porém, alertou que os resultados no RH estão atrasados em relação às ações realizadas no marketing das companhias.

"Isso é só uma ponta. A empresa que quer ser inclusiva tem que fazer um diagnóstico e revisar as políticas das empresas: Recrutamento e Seleção, Promoção, Compliance e uma delas vai ser a de dress code, para verificar o quanto a empresa está aderente ao acolhimento de pessoas negras", destacou.

Além dessa revisão de políticas, outras iniciativas podem ser desenvolvidas. Entre elas: 

  • Levar mais representatividade para força de trabalho da empresa em todos os níveis hierárquicos, sobretudo na média e alta gerência;
  • Investir na formação de novas lideranças. Ou seja, negros que já estão na empresa passarem por programas de aceleração, para ocuparem cargos superiores;
  • Fazer programas de estágio e trainee exclusivos para negros, para aumentar o número de futuros colaboradores negros nas empresas; e
  • Fazer uma comunicação com seu ecossistema (clientes e fornecedores) sobre as iniciativas de diversidade e inclusão.

Ouça o episódio do POD+ com a Bayer, que tem como um dos pilares a diversidade. Dá o play!