Esse anúncio recente do ministro da Justiça, do nosso diretor geral e do presidente da República, falando que vai sair um concurso entre esse ano e ano que vem, quebra essa lógica e inaugura num intervalo de menos de três anos, dois concursos da Polícia Federal. Isso é histórico e é uma oportunidade de ouro.
Nós esperávamos dentro da corporação que o próximo concurso visse mais a frente e não, ele vai surgir agora. Isso é relevantíssimo.
E é verdade, o concurso contemplará todos os cargos, desde as carreiras policiais de execução (escrivães, agentes e papiloscopistas) e para as autoridades policiais, que são os delegados de polícia.
FD: Vai ter vaga para perito também? O senhor tem informações de bastidores que pode ter o perito?
AB: Na verdade, existe uma demanda para a vaga. Os colegas peritos estão, inclusive, aproveitando essa oportunidade, essa janela que foi aberta para inserir nessa oportunidade cargos para peritos também.
Num primeiro momento, oficialmente ainda não está divulgado, mas existe gestões e é possível que assim o seja. Não tá certo ainda, mas a demanda é muito grande, existe uma demanda de efetivo represada gigantesca.
Para você ter uma ideia, eu entrei na polícia há 17 anos e naquela época já se dizia que o efetivo ideal da polícia seria em torno de 20 mil homens, hoje temos em torno de 12 mil e o máximo que a gente chegou foi a 14 mil.
A perspectiva que o presidente nos trouxe é que tenhamos o maior efetivo da história da polícia, superando essa barreira histórica dos 14 mil e avançando para os 15mil/16 mil homens. Isso é muito relevante.
E tem que começar a estudar agora. Não dá para esperar. O concurso é muito concorrido, a demanda é muito grande, o nível das provas é bem elevado e tem a parte física também. Tem que ter um equilíbrio, um estudo intelectual aliado a uma boa preparação física. Não dá para deixar para última hora, que na última hora não acontece.
FD: A Reforma Administrativa está batendo à porta. Amanhã segue para o Congresso Nacional, que pode alterar o tempo para o servidor conquistar sua estabilidade. Quem entrar por esse concurso ainda vai pegar o atual regime, não é?
AB: É um momento histórico. Nós estamos vivendo tempos históricos, de grandes mudanças e com a Administração Pública não é diferente. A carreira policial é uma carreira de estado, então não vamos ser tão impactados assim mais profundamente.
Mas, sim, haverá impactos. E quanto mais rapidamente você adentra na carreira, mas você goza dos benefícios já postos.
Se você entra posteriormente, você já entra com outro regime jurídico, submetido a outra regra. Então, sim é uma oportunidade de ouro, também, sob essa perspectiva, antes que sejam estabelecidas as novas regras da gestão de pessoal do Governo Federal.
Pergunta do internauta: o senhor tem alguma informação sobre quando vai sair o edital? A previsão é mesmo dezembro? A PF trabalha com essa programação?
AB: A perspectiva, sim , é entre dezembro e janeiro e por uma questão bem pragmática, que é a capacidade da Academia Nacional de Polícia promover seus cursos de formação.
Então, o concurso é um concurso longo. Ele dura, em média, seis meses entre a execução da prova escrita até a apresentação dos documentos na Academia Nacional de Polícia. Então a ANP precisa de outro seis meses para execução do curso.
Levando isso em conta e levando em conta o calendário, o edital deveria ser lançado entre dezembro e janeiro para que a ANP esteja pronta para receber os alunos no segundo semestre do ano que vem.
Se assim não for, aí você empurra a academia mais um ano para frente. Como a demanda de pessoal é muito grande, a lógica é que haja o lançamento do edital esse ano.
FD: O senhor acredita que essa autorização vai sair ainda esse mês?
AB: Não temos essa informação ainda, mas a polícia tem uma Coordenação de Recrutamento, que se dedica aos concursos.
É uma coordenação que fica dentro do nosso guarda-chuva de Gestão de Pessoal. Esse pessoal é dedicado a construção de editais, licitações e contratação de bancas organizadoras.
Então, levando em conta essa lógica de início de academia e período do concurso, eu acho que entre setembro e outubro, estamos nos limites máximos para dar a largada nesse certame [concurso].
Pergunta do internauta: a PF vai ter autorização para abrir concurso para agente administrativo também?
AB: Existe uma demanda reprimida, inclusive, eu diria até que a demanda reprimida de pessoal de meio é tão maior quanto de policial nosso. O FBI, por exemplo, que é um bom parâmetro para a Polícia Federal, o efetivo deles de apoio é maior que o efetivo policial.
Na polícia temos muita demanda administrativa. Por exemplo, a administração do Sistema Nacional de Armas é toda nossa; a administração de fiscalização de empresa de Segurança Pública, fiscalização bancária, é toda da Polícia Federal; fiscalização de indústria química é toda nossa; emissão de passaporte; são todas matérias de polícia administrativa que a gente chama. Porque não tem a ver diretamente com a investigação criminal, mas você precisa de um suporte de apoio grande.
Então, essa é uma demanda antiga da polícia. Agora qual é o grande problema que a gente cai aí, é que a carreira meio não é carreira de policial e, portanto, não entraria nessa lógica de carreira de estado.
E talvez, por não ter essa lógica de carreira de estado, e isso é mera especulação, e tendo em vista a reforma administrativa que se aproxima, tenha algum impacto por causa dessas lógicas de gestão de pessoal do governo público.
Mas, a demanda existe, ela é reprimida e é uma realidade.
FD: Tem muito policial exercendo atividades administrativas por não ter agentes administrativos?
AB: Essa é uma realidade enfrentada também, infelizmente. Por vezes temos que desviar um policial de função para suprir o acumulo de vazios na área meio. Mas isso é muito comum na Administração Pública, não só na polícia.
Como existe escassez de efetivo, eu até costumo dizer: o gestor policial é o gestor da escassez. Eu já tive algumas chefias na polícia e nós estamos sempre nos movimentando dentro da escassez, inclusive escassez de efetivo.
E aí, nesse momento, para cumprir a missão e prestar serviço à população, temos que em alguns momentos retirar o policial da área fim e coloca-lo na área meio, infelizmente.
FD: Os programas dos concursos de 2018 devem ser mantidos ou o senhor acha que pode haver alguma alteração?
AB: Os alunos ficam muito angustiados com isso, se vai ter mudança ou não vai. Considerando nosso histórico de dois concursos por década e esse saindo fora dessa curva, eu diria que não.
A política de pessoal da polícia é uma política estável. Nosso setor de recrutamento, Gestão de Pessoas é um setor estável.
A Academia Nacional de Polícia é um centro de excelência de recrutamento e capacitação, são profissionais dedicados, e não há nenhuma sinalização de mudança, porque não houve mudança institucional.
Então, se não houve mudança institucional, as regras do jogo não mudaram, a lógica permanece a mesma, a referência, portanto, em termos de edital, de programa do concurso continua sendo o mesmo.
Em 2010, quando eu estava lotado na Academia Nacional de Polícia, eu chefiava o setor do desenvolvimento humano de ensino operacional, nós mudamos a lógica do concurso da polícia, para atender mais e melhor as demandas.
Tanto que se você observar hoje, os concursos para escrivão, agente, papiloscopista tem muita pouca carga de Direito e muita carga de Informática, Contabilidade e Estatística, que é o perfil do policial que a polícia quer trazer para dentro.
Hoje nós investigamos muito crime organizado. Na verdade, o que fazemos de melhor no Brasil é combate ao crime organizado.
E aí, você tem crime financeiro, o crime cibernético é uma realidade fortíssima e em todos os campos. Seja para repressão de lavagem de dinheiro, seja para repressão de pedofilia, então é esse o perfil.
A prova acompanha o perfil profissiográfico do policial que queremos nas nossas fileiras, para ele contribuir com essa diversidade de conhecimento e de áreas de atuação na investigação criminal da Polícia Federal.
FD: Quais falhas o senhor acredita que uma pessoa não pode cometer de forma alguma ao se preparar para o concurso da PF?
AB: Eu vou falar três erros. A primeira é deixar para estudar quando sai o edital. Isso é mortal, é quase um suicídio do candidato. Não faça isso, pessoal! Era para ter começado anteontem.
O segundo é só estudar aquilo que gosta ou que tenha afinidade. É a chamada zona de conforto, o aluno entra naquela zona de conforto e aí ele negligencia um estudo equilibrado.
Ele dá muita ênfase naquilo que ele tem como ponto forte e ele tem bloqueio em relação aquilo que ele entende que é mais desafiador. Então, você tem que buscar esse desafio, que é importante para trazer equilíbrio.
E o terceiro ponto é negligenciar a preparação física. O que eu já tive de aluno com uma boa formação acadêmica, mas que não conseguia correr, fazer o salto. A natação então é desesperador, é um alto índice de reprovação.
Por isso que eu até recomendo que o tratamento do TAF tem que ser como uma disciplina do programa. Três vezes por semana, pelo menos uma hora, o candidato tem que se dedicar à sua preparação física. Então tem essas três coisas:
- Deixar para estudar na última hora;
- Ficar na zona de conforto e só estudar o que gosta; e
- Negligenciar a preparação física.
FD: O senhor também é professor de Direito Penal, que é uma das disciplinas que consta no programa do concurso da Polícia Federal. Gostaria que o senhor fizesse um apanhado rápido sobre quais são os assuntos que o senhor acredita que a PF tende a explorar mais na prova, na parte de Direito Penal?
AB: Para os cargos de agente, escrivão e papiloscopista, e até perito que não tem confirmação ainda, mas vamos colocar, a polícia pede Noções de Direito. É muito centrado na chamada aplicação da Lei Penal, entre os artigos 1º e 12, e os crimes em espécie, notadamente contra as pessoas, o patrimônio e a Administração Pública.
Crimes como peculato, corrupção, prevaricação, crimes que tem muita ligação com a matéria que a Polícia Federal investiga, que são crimes contra a União, onde a União tem interesse que investiguemos.
Então esse seria um viés, isso a par da Legislação Penal. Você sabe qual é a lei que mais cai no nosso concurso? Lei de Drogas (Lei nº11.343/2006). Ela é recordista.
Eu já fiz o estudo estatístico de legislação em provas, a lei de maior incidência é a Lei de Drogas. Então isso é uma realidade muito de noção de Direito Penal.
Para delegado federal muda de figura. O aluno que se candidata à prova de delegado ele é bacharel em Direito, então ele tem que ter, necessariamente, absoluto domínio da Lei Geral do Crime, a chamada dogmática penal.
Ele não pode fazer um voo de pássaro nessa matéria, ele tem que mergulhar, como se fosse um tubarão. Então, ele mergulha na profundidade da disciplina. Então a gente recomenda muito na parte geral a aplicação da Lei Penal e Teoria Geral do Crime. Ele tem que dominar essas duas bases teóricas.
Nos crimes em espécie, avançando sempre no quarteto: crimes contra a vida; crimes contra o patrimônio; crimes contra a fé publica (falsificação de documento, moeda falsa); e contra a Administração Pública.
E depois vamos para o oceano das Leis Penais: legislação de crime organizado, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, lei de tortura, crimes hediondos.
No programa de Penal o que tem de mais extenso, não necessariamente mais denso, mas mais extenso para delegado é o programa de Legislação Penal Especial. É uma enormidade de leis.
No Brasil temos inflação legislativa. Em lei pra tudo. Tem um estudo que aponta que há mais de 1.300 leis penais vigentes no Brasil. Claro que não cai tudo isso no concurso, porque tem muita lei estadual.
Mas, de competência federal tem um universo considerável tem que focar nisso aí. Não basta um conhecimento superficial, tem que aprofundar.
Além de Penal, tem outras três disciplinas importantes para delegados: Direito Processo Penal, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Aqui está 60% da prova de delegado da Polícia Federal. Isso contado, eu fiz a estatística.
Os outros 40% ficam com Civil, Processo Civil, Internacional Público, Previdenciário, as outras matérias. Mas, 60% é do núcleo duro, nós chamamos de G4. Cai na prova geral, na discursiva, cai na prova de peça e na prova oral.
Pergunta do internauta: vem Inglês nessa prova?
AB: O pessoal está perguntando por causa da PC DF. O edital da PC DF teve previsão. Em princípio, a lógica é seguir o padrão de 2018.
Temos que lembrar que a PC DF guarda muitos pontos em comum com a Polícia Federal por conta do regime disciplinar, mas a atribuição deles é completamente diferente da nossa.
Qual é a lógica? A lógica é manter 2018, se houver alguma inovação, suponha que tenha o inglês, aí é o ajuste fino.
Aí, depois do edital, o aluno tem condições de avançar sobre esse ajuste fino, mas não vale a pena gastar energia agora estudando aquilo que não tá no programa de 2018. É você dar tiro no escuro e temos que dar tiro certo, no alvo.
Pergunta do internauta: para o cargo de delegado se manterá a comprovação de atividade jurídica?
AB: Uma novidade: dia 13 de julho deste ano a instrução normativa que regulamenta a prática jurídica e policial foi modificada. Nessa instrução normativa permanece os três anos de prática.
A Polícia Federal não aceita pós-graduação como prática jurídica, mas ela ampliou o rol de atividades policiais. Por exemplo, policiais penais e agentes penitenciários.
E olha a novidade: agentes socioeducativos com três anos de prática são admitidos na polícia para o cargo de delegado, levando em conta a atividade policial. E os militares das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica). Os bombeiros militares também foram incluídos.
FD: Fale um pouco sobre a possibilidade de crescimento dentro do órgão. Como funciona isso efetivamente? Todas as carreiras tem possibilidade de crescer aí dentro? O plano de cargos é atrativo?
AB: Eu vou falar sobre duas vertentes. A primeira é em termos de capacitação. A polícia tem um programa constante de capacitação, tanto na área técnico policial, quanto na área acadêmica.
Eu sou prova viva disso. Eu tenho um mestrado em Contra Terrorismo, pela Polícia Federal nos Estados Unidos, durante dois anos. Eu fui lá em missão, morei na Califórnia, estudei na Naval Postgraduate School, que fica em Monterey, São Francisco, tudo pago pela polícia.
Voltei dos Estados Unidos, revalidei meu mestrado acadêmico da UNB (Universidade de Brasília). Depois eu fiz uma pós-graduação em Administração Pública, pago pela polícia, na FGV, integral. E isso não é só para delegado, é para agente de polícia, escrivães, até o pessoal de carreira administrativa.
Quando eu trabalhei na Academia de Polícia, eu trabalhei na Escola Superior e eu tinha lá os processos de pedido de bolsa dos policiais e nós deferíamos vários pedidos, inclusive de agente administrativos.
O que o policial precisa para ter a bolsa, para ter esse incentivo? Que o curso que ele quer se candidatar colabore com a gestão da polícia, tem que ter afinidade. Porque quando ele assina nosso contrato de bolsa, ele se compromete em depois ser professor da academia e transferir o conhecimento que ele adquiriu para dentro da Polícia Federal.
Essa é uma vertente, capacitação. A outra é de oportunidades. A Polícia Federal é um oceano de oportunidades, então tem perfil para todo mundo. O policial que é mais analítico.
Por exemplo, eu trabalhei muito na inteligência, eu fui recrutado para trabalhar na inteligência e aí você faz vários cursos. eu fiz curso na academia do FBI, fiz curso na Colômbia, no mundo inteiro. Não só eu, os agentes que trabalhavam comigo também.
Existe uma gama de oportunidades. Se você tem um perfil mais operacional você vai para o comando de operações táticas, vai para o grupo de intervenção, que é nosso grupo especial, "o Bope da PF".
E você tem carreira internacional. Eu agora estou em carreira internacional, estou representando a Polícia na Colômbia em um organismo policial internacional. Nós temos mais de 30 postos espalhados no mundo inteiro.
As oportunidades são muitas. Para quem quer trabalhar, para quem tem vocação, para quem gosta de ser polícia, a polícia sempre abre as portas. Basta você se dedicar, você sempre vai ser reconhecido e nas várias áreas.
Você não precisa ser um cara super operacional para ser um bom policial. Se você for um cara cerebral, analítico, você também vai ter seu espaço.
Pergunta do internauta: como está a escala de serviço na PF? O agente recém concursado tem como entrar em escala de 24x72 horas?
AB: Não é assim não. E outra coisa, você não escolhe, você é escolhido, você não vai chegar novinho na polícia e escolher para onde quer ir. A polícia tem dois pilares muito fortes: hierarquia e disciplina.
Então, se tiver perfil e oportunidade, você vai ser escolhido. Nas superintendências que têm delegacia de dia e que tem plantão, a escala é 24x72h. Mas, geralmente, são policiais mais experientes.
O novinho, que entrou na polícia agora, vai para a fronteira. Vai fazer que nem eu, fui para o Mato Grosso, fiquei dois anos no mato fazendo aldeia indígena, combatendo droga na fronteira da Bolívia, trocando tiro, andando de voadora. Aí depois que você faz tudo isso, você começa a conquistar seus espaços.
Polícia não é emprego, é sacerdócio. É atividade de risco sim, você sacrifica sua família, você se sacrifica. Não é só o salário e o status não.
Pergunta do internauta:Sou adventista do sétimo dia e guardo o sábado bíblico. Meu sonho é entrar para PF para o cargo de agente. Tem algum problema guardar os sábados para os estudos bíblicos?
AB: Nos meus 17 anos de polícia eu nunca enfrentei essa questão diretamente, ninguém da minha equipe nunca trouxe essa demanda. O setor de pessoal da polícia é muito sensível a essas demandas, mas nós somos totalmente normativos. A polícia é normativa, então se houver possibilidade normativa, e deve ter, ele terá seu direito, com as devidas compensações.
Ele pode guardar o sábado e domingo por questões espirituais e religiosas, issó é muito legítimo. Em compensação, em outras oportunidades, ele vai ter que cobrir os colegas que estão se sacrificando no sábado e no domingo.
Pergunta do internauta: e para voltar para o estado de origem, demora quanto tempo em média?
AB: Demora três anos, no mínimo. esse é o tipo de pergunta que eu falo: você está de costas. Não fica de costas para sua lotação. Aproveite sua lotação. Seja intenso ali e aí o tempo vai passar e você não vai perceber.
Aconteceu comigo, dois anos voaram para mim. E eu saí do Mato Grosso porque eu fui recrutado. Tem que ter calma. Vai de coração leve e mente aberta.
Aproveite os sabores da polícia. Gaste ali sua energia e, naturalmente, com o tempo, após os três anos de estágio probatório tem os concursos de remoção interna. Aí as pontuações das fronteiras são maiores e aí então você vai se aproximando do local que você deseja.
FD: Hoje o senhor é oficial de ligação da PF junto à Meripol. A Meripol é uma espécie de Interpol das Américas? O que é a Meripol? O que é um oficial de ligação da PF?
AB: A Meripol não é como a Interpol, são organismos diferentes. A Meripol é como a Eurpol, a Africapol, a Asianapol. São organismos regionais de policia que tratam dos interesses policiais do Continente.
A Interpol tem um aspecto muito mais abstrato, por assim dizer. Não existe operações da Interpol, por exemplo, isso é coisa de cinema. A Interpol hoje faz muitas ações de orientação estratégica, análises globais de risco, ela trabalha com banco de dados.
Na Meripol, Eurpol, Africapol, trabalhamos com operação. Nós trabalhamos com o crime organizado no continente.
Então, aqui na Meripol da Colômbia a gente organiza muitas operações conjuntas, operações inter fronteiras, do Brasil com a Colômbia, do Brasil com o Peru e aí cuidamos dos nossos assuntos de crime organizado que tocam imediatamente a gente.
O oficial de ligação representa a polícia em órgãos internacionais. Então a polícia tem oficial de ligação, aqui na Meripol, tem na Europol, na Interpol, na ONU, na Comunidade de Países do Oriente. Nós representamos os interesses da polícia. Somos os olhos e ouvidos do diretor geral no organismo.
Nós somos orientados pela direção geral e nos posicionamos dentro do órgão em prol de atividades que o órgão desenvolve. Para estar num cargo como esse, você precisa ter serviço prestado para a polícia.
Primeira coisa: estrada. No mínimo 15 anos, para você começar a pleitear. Outra coisa, domínio de línguas, pelo menos Inglês e Espanhol. Eu recomendo Inglês, Espanhol e Francês, que são as três línguas onde a polícia tem representantes.
Então é isso, estrada e estudo. Os colegas começam a buscar oportunidades de capacitação para no futuro galgar postos como esse que eu estou agora.
FD: Esses cargos fora do país são por indicação ou participa de um processo seletivo interno?
AB: São os dois. Quem assina a portaria é o diretor geral. é um cargo de confiança do diretor geral, mas os setores responsáveis promovem dentro de seus quadros aqueles que tem o melhor perfil. Geralmente, esse perfil é escolhido de acordo com o desempenho da função.
Por exemplo, quando eu fiz o meu curso preparatório para oficial de ligação, no meu curso tinha eu, outro delegado e agentes de polícia. Inclusive, um que assumiu agora no Peru e a especialidade dele é entorpecentes.
Então, é uma seleção baseada no serviço prestado; na formação técnico-policial e acadêmica; e no final o diretor geral que indica quem vai o representar. Mas, ele ouve, com certeza, o responsável pelo setor, que é o cara que tá próximo e indica.
FD: O senhor pode contar alguma história que tenha vivido dentro da PF que, de fato, marcou sua vida e trajetória profissional?
AB: Nesses 17 anos de polícia, eu já fiz muita operação. Eu já coordenei operações e, também, já executei. Operações de terrorismo, de combate ao crime organizado, mas tem uma que foi a minha grande primeira operação e que marcou toda a minha carreira.
Eu estava no Mato Grosso ainda e fui para uma operação de trabalho escravo, lá na Região de Juruára, Juína, lá dentro do mato. E foi muito forte, nós entramos em uma fazenda que tinha 140 trabalhadores em condição análoga de escravo.
O gato da fazenda, que era o capataz, era um cara muito violento, era chamado gato Dedé e os trabalhadores tinham muito medo do Dedé, porque ele ameaçava os trabalhadores a mão armada.
Nós fizemos essa operação com o Ministério do Trabalho, mas a parte policial era nossa. Então, nós tínhamos um informante que foi conosco e fazendo buscas na fazenda, nós identificamos o Dedé. E eu consegui prender ele em flagrante.
Enquanto parte da equipe estava comigo prendendo o Dedé, e ele estava armado, outra parte da equipe estava libertando os trabalhadores. E aí quando eu cheguei de viatura com o Dedé, os trabalhadores começaram a chorar de emoção ao ver o cara preso.
E eu lembro, como se fosse hoje, que veio um senhor baixinho do Maranhão e apertou a minha mão, pediu para me dar um abraço e chorando ele falou assim: o senhor salvou a minha vida hoje.
Na época eu tinha 29 para 30 anos de idade. Eu servi cinco anos como militar de carreira, no quadro complementar da área jurídica.
Mas essa experiência de você com o seu serviço tocar diretamente a vida de alguém, tirar o cara do martírio, um cidadão que talvez tinha a idade de ser o meu avô, isso marcou parte da minha vida.
Foi aí que eu falei: eu estou no lugar certo, fazendo a coisa certa. Aquilo passou a ter um novo significado na minha própria existência, na minha condição de ser humano, de cidadão e de autoridade policial.
A partir daquele dia eu renovei meus votos de serviço público e disse: vou fazer isso para o resto da minha vida. E, desde então, tenho feito há 15 anos e graças a Deus com muita satisfação, tentando sempre fazer o melhor para quem paga meu salário, paga a polícia, que é o cidadão.
FD: Queria que o senhor deixasse uma mensagem final para os que estão estudando para o concurso da PF.
AB: Não sei se você tem religião ou não. Não sei se você acredita em Deus ou não. Mas, se você não acredita, tenha, pelo menos, fé em você. Um dos grandes pilares que temos que ter é fé em nós mesmos e em Deus.
É acreditar no nosso potencial. É não deixar essa gangorra, essa roda gigante de altos e baixo do concurso, de cobrança, tem a questão financeira, a família, a vida social, não deixar isso te impactar ou deixar impactar o mínimo possível.
O melhor remédio para isso é fé. Fé em você mesmo, fé em Deus e acreditar que vai dar certo. Não desista, não deixe nunca ninguém dizer que não é para você.
Eu ouvi isso uma vez lá atrás quando eu estava me preparando. Eu tinha acabado de me formar em Direito e aí eu disse para uma colega que queria ser delegado federal, ela olhou para mim, deu risada, e falou: você que sonha.
E eu sonhava. Eu sonhei tanto, me esforcei tanto, que eu consegui. Então se eu pude, por quê você não?
Nós não somos diferentes em absolutamente nada. somos seres humanos com as mesmas potencialidades. O que faz a diferença na gente é a força de vontade, o foco, a determinação, a sistematização, mas eu acredito muito na fé. Fé em si e fé em Deus e vai dar certo.