O governo brasileiro lançou no final de abril deste ano a Estratégia de Governo Digital 2020-2022, por meio do Decreto nº 10.332, no Diário Oficial da União. A política é válida para todo o país em âmbito Federal, mas também incentiva a implementação em Estados e Municípios.
A meta é formar, até 2022, um governo totalmente digital, onde os dados e a tecnologia sustentam políticas e serviços públicos, o que garantiria melhor qualidade, “com o objetivo final de reconquistar a confiança dos brasileiros”.
Na prática, órgãos como o INSS, por exemplo, passam a oferecer mais opções de serviços sem a necessidade de atendimento presencial. Pedidos de benefícios, por exemplo, podem ser feitos pela internet.
Segundo a Secretaria de Governo Digital, os quatro serviços digitais mais procurados são os pedidos de aposentadoria por tempo de contribuição e a atualização dos dados cadastrais no INSS, com 1 milhão de pedidos por ano cada; o pedido de benefício assistencial a pessoa com deficiência, com 796 mil pedidos por ano; e o pedido de cópia de processo no INSS, com 729 mil pedidos anuais.
Acontece que aplicação dessas medidas enfrenta algumas barreiras, tratadas mais a fundo abaixo nesta matéria. Mas entre elas está, por exemplo, o fato de que milhares de brasileiros são analfabetos digitais. Só por aí, já se torna inviável a prestação de serviços majoritariamente online.
A transformação digital do governo brasileiro é coordenada pela Secretaria Especial de Modernização do Estado, da Secretaria-Geral da Presidência da República (SEME), e pela Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia (SGD).
De acordo com informações do Ministério da Economia, ambas seguiam, até então, a primeira versão da Estratégia, concebida para o período 2016 a 2019. Sob essas diretrizes, o governo federal atingiu a marca de 55% de seus 3,5 mil serviços totalmente digitalizados.
É importante destacar que com a pandemia do novo Coronavírus, a importância da digitalização se torna mais evidente. Mas a análise do cenário brasileiro como um todo, como exposto a seguir, mostra também que ela traz novos desafios, o que inclui investimentos em mão de obra.
Digitalização gera novas demandas para o serviço público
Alguns pontos são cruciais ao analisar a questão da digitalização relacionada ao cenário de concursos, como:
novas demandas da área de tecnologia
máquinas não fazem todo o serviço
acesso da população à internet e recursos digitais
Existe uma falsa ideia de que a digitalização de serviços é uma forma de substituir mão de obra. Mas na verdade essa política não apenas não exclui a necessidade de contratações, como também cria novos tipos de demanda.
É o caso da área de Tecnologia, que já estava em ascensão no Brasil, mas cuja demanda se acentuou com a pandemia e o aumento do uso de recursos digitais. Tanto no setor público quanto no privado.
O próprio Ministério da Justiça está realizando um concurso com vagas temporárias de analista de governança de dados, cientista de dados e engenheiro de dados - Big Data. Isso já dá uma pista do que pode ocorrer em próximos concursos federais.
Mesmo após o fim das medidas de isolamento, com a meta de digitalizar todos os serviços, a demanda por servidores na área deverá crescer. No último mês dezenas de órgãos vinculados ao Poder Executivo Federal encaminharam pedidos de concursos ao Ministério da Economia e é possível que boa parte das vagas solicitadas contemplem essa área.
O segundo ponto importante é pensar que a digitalização não substitui o trabalho dos servidores, de modo geral, mas funciona como uma ferramenta auxiliar. Principalmente para economia de tempo, tanto desses profissionais quanto de cidadãos que buscam os serviços, e recursos materiais.
Um caso que exemplifica isso é o do INSS. A autarquia chegou a acumular quase 3 milhões de processos pendentes para análise este ano e vários fatores contribuíram. Entre eles, a parcela de beneficiários que tiveram mais facilidade para solicitar benefícios virtualmente.
O próprio secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, confirmou que a digitalização contribuiu para o aumento da fila. Em um café com jornalistas em janeiro, ele declarou que o governo planejava melhorar os sistemas internos ainda este ano para evitar novos acúmulos.
“O que fosse levar seis meses para entrar, antecipou a demanda. Isso foi uma questão que a transformação digital levou.”
Outro fator que contribuiu foi a Reforma da Previdência. Mas a mão de obra existente na autarquia não era o suficiente para lidar com a entrada de mais demanda, situação que já vinha sendo pauta há anos, com denúncias de que a prestação de serviços iria colapsar.
O resultado foi que o INSS precisou realizar a seleção para contratar mais de 8 mil militares da reserva e aposentados da União para fazer uma força-tarefa que deverá regularizar a fila de benefícios até 2021.
Isso mostra como, em alguns casos, a digitalização pode ter um efeito “reverso” no sentido de que acaba demandando mais mão de obra. Um concurso INSS para efetivos está previsto para ocorrer a partir de 2022.
Com isso, pode-se concluir que a digitalização não faz o serviço sozinha. E há ainda a questão do acesso, que impede milhões de brasileiros de terem como usufruir desta digitalização, permanecendo dependentes de atendimentos pessoais mesmo para os serviços e dúvidas mais básicas.
De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC 2018) divulgada pelo IBGE em abril, uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet.
Certamente que há um aumento progressivo deste acesso a cada ano, o que é esperado. Mas não o suficiente para concluir que todos os brasileiros poderão ter acesso aos serviços públicos se eles forem digitalizados. Digitalizar não basta.
O analfabetismo digital é outro desafio: pessoas que, ainda que tenham acesso aos recursos digitais, não sabem utilizá-los, como no caso de boa parte dos beneficiários do INSS.
Então como ficam os concursos públicos?
Já deu para notar que a ideia de que “concursos vão acabar” é equivocada. Não apenas porque a digitalização não resolve toda a demanda de pessoal, mas também porque a manutenção dos quadros é sempre necessária a partir do momento que ocorrem vacâncias a todo tempo.
O que muda, tendo em vista as políticas de digitalização aplicadas pelo Governo atual, é que alguns quadros podem ter seus quadros redimensionados. Uma autarquia que hoje possui mais 15 mil cargos vagos, por exemplo, provavelmente não vai oferecer toda essa quantidade de vagas em um próximo edital.
Também não se pode ignorar os movimentos realizados pelo Governo até agora. Eles dão uma boa pista do que está por vir. Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro reconheceu a possibilidade de abertura de novas seleções, deixando claro que para áreas que considera essenciais.
“Os concursos públicos, (vamos fazer) só os essenciais. Essa é que é a ideia.”
Em geral, são tratadas como essenciais na Administração Pública as áreas de Saúde, Educação e Segurança. Mas no caso do cenário atual, os movimentos do Governo indicam que, pelo menos no caso de concursos federais, essa definição do que é ou não mais importante tem critérios específicos.
Em Saúde, por exemplo, não foi autorizado o concurso Ministério da Saúde para efetivos, está em andamento uma seleção com mais de 4 mil vagas, porém temporárias. Na Educação, pode-se destacar os editais para Universidades e Institutos Federais, incluindo o Colégio Pedro II, no Rio.
Mas certamente a área de Segurança Pública é uma das mais promissoras quando o assunto é concurso. Além de editais abertos recentemente, há previsões para milhares de vagas nos próximos meses.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF), por exemplo, protocolou junto ao Ministério da Economia um pedido para preencher 2.634 vagas para policial, de nível superior, em 2021. E, ao contrário de outros órgãos, esse é um dos que mais têm chances de ser aprovado.
O edital do concurso PRF poderá sair ainda este ano. Vale lembrar também da PF, com grande expectativa para provimento de vagas, e do concurso Depen, que encerra inscrições para mais de 300 vagas no próximo dia 5 de junho.
Vale lembrar também dos órgãos federais que possuem autonomia administrativa para abrir concursos, como MPU que tem edital previsto para o ano que vem, e DPU - Defensoria Pública da União.
Tendo tudo isso em vista, dá para notar que há sim um movimento no sentido de que, com a digitalização dos serviços, a demanda será redimensionada, mas não em todos os casos. E isso não quer dizer o fim dos concursos.
No início do ano passado, muitos candidatos acreditaram no “fim dos concursos”. Para quem ainda está em dúvida, apenas no âmbito federal, mais de 4 mil vagas efetivas foram ofertadas desde então.
Editais importantes foram publicados, como PRF - que saiu em novembro de 2018, mas foi realizado e convocou mais de mil aprovados a partir do ano seguinte. Houve também o edital da Ebserh, estatal que administra hospitais federal, com 2,6 mil vagas (que aliás tem mais um concurso previsto). Além de outras seleções menores, como do Colégio Pedro II.