História e luta pela igualdade de gênero no mercado de trabalho

Aline Beatriz Coutinho, especialista em Gênero e Sexualidade, e Lucia dos Santos, diretora de RH da Adecco, falam sobre a luta da mulher pela equidade de gênero.

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Publicado em:08/03/2021 às 12:25
Atualizado em:08/03/2021 às 12:25

Nesta segunda-feira, 8, é comemorado o Dia Internacional da Mulher. A data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, mas é comemorada desde o início do século 20. Passados 46 anos desde a sua oficialização, ainda são muitos os desafios encontrados pelas mulheres em todo o mundo. 

Elas lutam pelo fim da desigualdade no mercado de trabalho, lutam para conquistar um espaço na política, lutam por melhores salários, lutam pelos seus direitos, lutam contra a violência. Elas lutam! E apesar de alguns avanços, ainda há muito pelo o que lutar. 

Um levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última quinta-feira, 4, revela que 54,5% das mulheres com 15 anos ou mais integravam a força de trabalho no país em 2019. Entre os homens, esse percentual foi 73,7%. 

A desigualdade e a dificuldade de inserção de mulheres no mercado de trabalho é evidenciada quando, de acordo com a pesquisa, o nível de ocupação entre as mulheres (entre 25 e 49 anos), que têm filhos de até 3 anos, é de 54,6%, abaixo dos 67,2% daquelas que não têm. 

Segundo Aline Beatriz Coutinho, graduada em História (UniRio) e especialista em Gênero e Sexualidade (IMS/Uerj), o caminho para encurtar esse tempo é a conscientização que a sociedade, principalmente, o Estado e empresas, devem ter. 

A especialista ressalta que essa conscientização deve ser realizada por meio de ações e cita algumas delas: 

yes Garantia da educação para meninas, com o encorajamento por meio de políticas que promovam a superação das dificuldades socioculturais impostas pelo machismo e a vulnerabilidade econômica, que as faz ter uma alta porcentagem de evasão escolar;

yes Incentivo do ingresso de mulheres na área de Tecnologia – historicamente ocupada em sua maior parte por homens – e de central importância para a construção de um futuro tecnológico mais inclusivo. 

"É urgente também a conscientização sobre o machismo e assédio no trabalho, com medidas duras para a coibição e perpetuação dos mesmos, já que esses atos impedem as mulheres de alcançarem cargos de liderança e fomentam a demissão de mulheres quando no exercício da maternidade – na compreensão que elas 'não dão conta' do trabalho e/ou que deveriam se dedicar exclusivamente à criação dos filhos, impossibilitando a criação de uma cultura de acolhimento à nova realidade dessas funcionárias." 

De acordo com a recente pesquisa do IBGE, em 2019, as mulheres receberam, em média, 77,7% do montante recebido pelos homens. Essa desigualdade é ainda maior nas funções e nos cargos que asseguram os maiores salários. 

Por isso, Aline comenta a necessidade de ser discutida e implementada a paridade salarial e diz ser "absurda a noção de que homens e mulheres ocupando o mesmo cargo e tendo as mesmas responsabilidades, recebam salários desiguais somente devido ao seu gênero". 

No que diz respeito ao Estado, ela destaca que ele tem uma das principais responsabilidades para a superação da desigualdade econômica de gênero. Dessa forma, pode estabelecer uma série de medidas e políticas públicas para realizar a garantia dos direitos já adquiridos pelas mulheres no mercado de trabalho, assim como trabalhar na ampliação esses direitos.

"Um deles seria aumentar o financiamento para a abertura de creches e escolas, possibilitando o real ingresso de mulheres que exercem a maternidade no mercado de trabalho. Outra é o fim da flexibilização das modalidades de contratação, pois são as mulheres – particularmente as negras e pobres – as que têm as ocupações mais precárias no mercado de trabalho, o que impacta diretamente em suas condições de vida. A fiscalização por parte do Estado de trabalho análogo a escravidão também deve ser encarada com seriedade, devido ao aumento de denúncias sobre mulheres e crianças reféns desse tipo de 'trabalho' não somente no campo, mas inclusive nas cidades."

 

Dia Internacional da Mulher
Empresas e Estado devem se conscientizar para promover a equidade de gênero
(Foto: Divulgação)


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Desafios das mulheres na inserção e ascensão no mercado de trabalho

Uma pesquisa realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), empresa do Ibope Inteligência, revela que 35% das paulistanas, ou seja, 1.974.350 mulheres, já foram vítimas de discriminação

Os casos mais frequentes são entre as paulistanas que têm de 16 a 34 anos (49%) e as que possuem outras religiões, que não católicas ou evangélicas (46%). Em 2020, 31% das mulheres dizem ter sofrido discriminação e preconceito; em 2018, esse percentual era de 19%.  

A diretora de Recursos Humanos da Adecco, Lucia dos Santos, comenta que a educação é o melhor caminho no combate a preconceitos e a outros desafios, como o machismo e a misoginia. 

"Todas atrapalham e atrasam o nosso processo de igualdade, respeito e inclusão, pois são pensamentos retrógrados e não produtivos. Creio que a educação é o melhor combate, seja na escola, faculdade e no núcleo familiar."

A executiva ressalta o porquê cada um desses fatores interferem no avanço da igualdade no mercado de trabalho: 

  • Machismo: escutamos muito o estereotípico de que somos sensíveis demais. Ainda precisamos mostrar que somos capazes, seja em reuniões, apresentações ou no simples dia a dia. Felizmente, empresas têm se mostrado a favor das mudanças e impulsionado a ascensão. Hoje, no Grupo Adecco, por exemplo, um dos Key Performance Indicator (KIP's) globais é o empoderamento da mulher em cargos de lideranças.
  • Misoginia: está relacionado a comportamentos estereotipados que impactam as mulheres. Basicamente, é um comportamento de aversão ao feminino, ou seja, realmente acreditam que mulheres são inferiores e desiguais. Pessoas com esse comportamento dificilmente são capazes de manter relações saudáveis com mulheres, seja em uma conversa, seja no trabalho, ciclos de amigos. Carregam com si pensamentos profundos que podem se manifestar em violência física e psicológica. A mulher aos olhos desse tipo de pessoa não pode, por exemplo, questionar qualquer fato, o que torna impossível ter um ambiente de trabalho ser saudável.
  • Falta de educação ou inadequação: a informação e educação são primordiais no ambiente de trabalho para que as pessoas se respeitem, se coloquem no lugar das outras e entendam que somos diferentes e que precisamos nos complementar. No ambiente de trabalho, a falta de informação sobre relacionamentos profissionais pode gerar sérios problemas de competências comportamentais. O respeito deve-se prevalecer, acima de tudo.

Em complemento, Aline cita o assédio - suas consequências diretas e indiretas - como os principais desafios a serem superados em relação à desigualdade econômica de gênero. 

"Políticas públicas e legislações propostas pelo Estado devem se juntar às diretrizes e medidas implementadas pelas empresas com o objetivo de educar, conscientizar e proporcionar oportunidades iguais entre homens e mulheres juntamente à garantia do cumprimento dos direitos trabalhistas. A meu ver, esse deve ser o foco na luta para que o mercado de trabalho consiga ter uma igualdade entre os gêneros", ressalta a especialista. 

A luta das mulheres por ingresso no mercado de trabalho 

Aline conta que, historicamente, as mulheres lutaram para o ingresso no mercado de trabalho, como é visto no decorrer da 1ª Onda Feminista. No entanto, essa luta era feita, principalmente, por mulheres brancas e de classe média alta, já que mulheres negras e pobres sempre trabalharam nos serviços de cuidados, sendo lavadeiras, cuidadoras, trabalhadoras domésticas entre outras ocupações - ocupações "herdadas" no Brasil a partir da exploração, sobretudo, durante a escravidão.

"É preciso entender essa questão histórica para analisar que existe até hoje uma divisão sexual do trabalho, no qual as mulheres concentram suas atividades em áreas ligadas à educação, saúde, serviços sociais e trabalho doméstico remunerado devido à estrutura sociocultural do machismo, que impõe a elas desde sua infância expectativas do que podem ou não fazer – relacionado ao exercício do trabalho reprodutivo – e em que área de trabalho podem ou não ingressar." 

Esse cenário é trazido para os dias atuais, principalmente quando falamos de carreiras que são, prioritariamente, ocupados por homens, como cargos de tecnologia, segurança, aviação e até mesmo na política. 

Para a especialista, o desenvolvimento, por parte do Estado, de políticas públicas voltadas à educação de meninas e mulheres e seu envolvimento nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) pode ser visto como uma das principais formas de combater essa divisão sexual do trabalho.

Além disso, Aline também cita o incentivo de empresas por meio de cotas de emprego e do financiamento de qualificação como formas de combater essa falta de representatividade. 

"A sociedade em geral, como institutos e universidades, e as mulheres da área de STEM em particular, tem cada vez mais formulado propostas de abertura do campo para meninas, adolescentes e mulheres por meio de cursos de férias e de extensão. Espera-se que com essa multiplicidade de ações se consiga cada vez mais romper com a ótica machista de que existem trabalhos somente para homens no mercado." 

Mudanças na licença-maternidade e os direitos das mães trabalhadores

Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5373/20, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dispõe sobre a licença-maternidade, e a Lei de Benefícios da Previdência Social, que trata do salário-maternidade. 

O texto prevê que a trabalhadora mãe ou adotante possa optar por 120 dias de licença-maternidade com salário integral - regra atual -, ou então por 240 dias de afastamento com a metade da remuneração. 

Para a diretora de RH da Adecco, esse projeto é importante para todas as mães, pois há diferentes casos e situações no mercado de trabalho. 

"Muitas vezes uma mãe, ao voltar para o mercado de trabalho, não tem com quem deixar seus filhos tão pequenos. Esse é um benefício enorme para as mães e um diferencial para as famílias. Do lado das empresas, é uma adequação ao processo e estabelecimento de uma nova cultura, além de ser um atrativo para as profissionais mulheres", comenta Lucia. 

Aline vê o PL 5373/20 como um avanço na legislação de proteção às mulheres trabalhadoras que exercem a maternidade e ressalta como ponto positivo a formalização como lei sobre uma medida que algumas empresas já têm em suas diretrizes internas. 

No entanto, a especialista pontua que a luta dos direitos das mulheres deve continuar para que o afastamento de 240 dias seja feito com remuneração integral, tal como nos 120 dias. 

Outra questão levantada por ela está relacionada à necessidade de se criar mecanismos e conscientizar a garantia do emprego às mulheres que retornam da licença-maternidade (seja ela estendida ou não).

"35% das trabalhadoras com maior escolaridade e 51% das de menor escolaridade devem ser demitidas de seus cargos em até 12 meses depois da licença-maternidade, como indicam os dados da pesquisa realizada pelos pesquisadores Cecília Machado e V. Pinho Neto da FGV em 2016. É premente a discussão da manutenção das mulheres que exercem a maternidade no mercado de trabalho", finaliza. 

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