Reforma Administrativa: Fonacate repudia propostas para estabilidade
Em entrevista à Folha Dirigida, presidente do Fonacate repudia proposta do Governo Federal para Reforma Administrativa. Confira na íntegra!
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Publicado em:07/09/2020 às 07:30
Atualizado em:07/09/2020 às 07:30
Logo após o envio da Reforma Administrativa ao Congresso Nacional, muitas entidades já manifestaram repúdio às propostas de mudanças para o funcionalismo público. Sobretudo quanto à estabilidade dos servidores.
Em entrevista à Folha Dirigida, o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, destacou os projetos para nova estabilidade.
“A estabilidade hoje não é um valor absoluto, tanto é que a CGU (Controladoria Geral da União) já expulsou dos quadros da administração pública milhares de servidores que cometeram falhas graves. Mas relativizar ainda mais esse instituto é ruim para o serviço público e para o país”, afirmou Rudinei.
O texto da Reforma Administrativa prevê que apenas membros de carreiras típicas de Estado tenham estabilidade, após três anos e seguindo uma avaliação de desempenho.
A ideia é que o regime jurídico único dê lugar a cinco novos vínculos distintos:
Vínculo de experiência;
Cargo com vínculo por prazo indeterminado (sem estabilidade);
Cargo típico de Estado (com estabilidade);
Vínculo por prazo determinado (temporário);
Cargo de liderança e assessoramento (equivalente aos atuais cargos de confiança).
Atualmente, o servidor ingressa no cargo logo após a aprovação no concurso. A proposta do governo é criar uma etapa intermediária entre as provas do concurso e o ingresso no cargo: o vínculo de experiência.
Caso a proposta seja aprovada pelo Congresso, os aprovados no concurso passarão por um período de experiência. Os que forem melhores avaliados serão efetivados e tomarão posse em seus respectivos cargos.
Reforma assegura estabilidade para carreiras de Estado
No caso das carreiras típicas de Estado, o vínculo de experiência será de dois anos. Depois, os melhores avaliados serão contratados. Então, passarão mais um ano na sua função até que conquistem a estabilidade.
Integram os cargos típicos de Estado, por exemplo, auditores fiscais, diplomatas e delegados da Polícia Federal. Em resumo, são atribuições que não encontram paralelo na iniciativa privada.
Para os demais cargos que forem realizados concursos, o vínculo de experiência será de, no mínimo, um ano. Em seguida, se bem avaliados, serão admitidos por tempo indeterminado. Porém, sem direito a estabilidade.
O governo ainda não informou quais critérios serão usados para esses filtros e avaliação de desempenho dos futuros servidores. De acordo com o governo, essas alterações serão válidas apenas para novos aprovados em concursos.
Os servidores atuais terão seus direitos assegurados, como a estabilidade. O presidente do Fonacate ressalta sua impressão se essas propostas governamentais forem aprovadas pelo Congresso:
“É certo que a ingerência política sobre órgãos públicos e o assédio moral e institucional, que aumentaram muito neste governo, devem se intensificar ainda mais”.
Fonacate questiona pontos da Reforma Administrativa
O presidente do Fonacate, Rudinei Marques, questionou diversos pontos da Reforma Administrativa. Segundo ele, porque não se sustentam.
“Por exemplo, criar com os 'vínculos de experiência' regras para reprovação compulsória no estágio probatório seria inaceitável. E se todos os concursados tiverem um excelente desempenho nesses dois primeiros anos? Como se daria o desligamento? Por sorteio? “, indagou.
Marques também ressaltou a possibilidade de mais poder ao presidente da República. Segundo a Reforma Administrativa, o presidente poderá reorganizar a administração pública e transformar cargos públicos, desde que não representem nenhum aumento de despesa.
“A possibilidade de o presidente da República extinguir órgãos públicos é assustadora”, apontou o presidente da Fonacate.
As alterações da Reforma são propostas para os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios. A exceção é para as Forças Armadas e para membros de outros Poderes. Isto é, magistrados e parlamentares.
“Quanto ao Judiciário, a Constituição Federal reserva algumas competências aos titulares de Poder. Por isso, Rodrigo Maia (presidente da Câmara) já se adiantou e apresentou diretrizes da reforma do Legislativo”, explicou Marques.
O representante do Fonacate ainda ressaltou que uma reforma no funcionalismo público é necessária. Mas, deveria abranger a todos.
“Deveria ser aplicada a todos os agentes públicos, mesmo a ministros de Estado e políticos, que também precisam ser avaliados a respeito de suas entregas à sociedade”.
Reforma permitirá maior contratação de temporários?
A Reforma Administrativa abre brecha para maior possibilidade de o governo realizar processos seletivos simplificados para contratação de temporários. O objetivo é a prestação de serviços localizados e por tempo determinado.
Sobre isso, Rudinei Marques afirmou que espírito é aumentar significativamente as contratações temporárias, as terceirizações e as parcerias com a iniciativa privada na condução de serviços públicos.
“Não tenho dúvida que aumenta a instabilidade e a precarização das relações de trabalho. O instituto do concurso público será duramente afetado com isso”, constatou.
Ele ainda identificou que, em alguns casos, como nas contratações por tempo indeterminado, a situação poderá ficará pior no serviço público do que na iniciativa privada.
“Mesmo com a reforma trabalhista que já precarizou ao máximo este segmento. Isso por que, caso esse servidor seja exonerado ou reprovado no período inicial, sairá com o estigma de trabalhador ruim, e sequer terá alguma compensação, como fundo de garantia, para sobreviver até encontrar outra colocação”.
Por mexer com dispositivos constitucionais, a Reforma Administrativa chega ao Congresso na forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 32/2020). O presidente do Fonacate apontou que não foram apresentados estudos que comprovem o aperfeiçoamento da gestão pública a partir da PEC 32.
“Fica difícil então dizer que na medida existe algo de positivo. Não foi dito em que medida ela aprimora a gestão, nem mesmo qual a economia que ela gera aos cofres públicos, seja da União, dos estados ou municípios. Quanto à dedicação exclusiva, o instituto hoje já existe para a maior parte das carreiras de Estado”.
Segundo o representante do Fonacate, não houve diálogo do Governo Federal para a construção da proposta da Reforma Administrativa.
“O que seria o dial, porque temos muito o que contribuir nesse debate. O Fórum das Carreiras de Estado – Fonacate já lançou 12 publicações com diagnósticos e sugestões em diversas áreas”.
A entidade ainda destacou que, na União, não há qualquer desequilíbrio na despesa com pessoal. Em 2001, o país gastava 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB) com a folha de pagamento, hoje são 4,3%, e mesmo o comprometimento relativo à Receita Corrente Líquida está dentro dos limites fiscais.
“O problema do país é que não há um projeto viável de crescimento econômico. Então, sem perspectiva de avanços, a alternativa que o governo apresenta é cortar despesas com funcionalismo e com investimentos sociais”, disse Rudinei Marques.
Folha Dirigida, por fim, questionou o que o Fonacate fará, a partir de agora, para que a Reforma Administrativa seja o menos prejudicial possível para os futuros servidores.
O presidente do Fórum respondeu: “Estamos aprofundando estudos técnicos e jurídicos sobre a proposta e antevendo o calendário de tramitação. A média de aprovação de PEC’s gira em torno de 10 meses, e não acredito que o Congresso Nacional seja autoritário ao ponto de inviabilizar debates públicos sobre a matéria”.
Ele ainda complementou: “Nesse meio tempo, temos as eleições municipais. Então, provavelmente, as discussões sobre a proposta se estendam por todo o ano de 2021. Espero então que seja possível fazer os alertas necessários aos parlamentares para evitar alguns retrocessos estampados no texto”.
Entrevista completa com o presidente do Fonacate
FOLHA DIRIGIDA: Como recebeu o anúncio da Reforma Administrativa proposta pelo governo federal, onde militares, membros do Poder Judiciário e parlamentares não foram incluídos, sendo que essas duas últimas categorias são os que têm os maiores salários do serviço público?
RUDINEI MARQUES: Havia muita cobrança de segmentos do mercado e da mídia, assim como de parlamentares, quanto ao envio do texto. Na verdade, não há uma reforma administrativa, mas algumas mudanças na política de pessoal. Quanto ao Judiciário, a Constituição Federal reserva algumas competências aos titulares de Poder. Por isso, Rodrigo Maia já se adiantou e apresentou diretrizes da reforma do Legislativo.
FD: Antes da apresentação oficial da Reforma Administrativa, falava-se que havia diversos prazos para que os novos servidores viessem a ocupar a estabilidade. Com o anúncio oficial, surpreendeu ao senhor a manutenção da estabilidade dos servidores ocupantes de carreiras de estado, após três anos?
RM: A estabilidade hoje não é um valor absoluto, tanto é que a CGU já expulsou dos quadros da administração pública milhares de servidores que cometeram falhas graves. Mas relativizar ainda mais esse instituto é ruim para o serviço público e para o país. Se isso for mantido, é certo que a ingerência política sobre órgãos públicos e o assédio moral e institucional, que aumentaram muito neste governo, devem se intensificar ainda mais.
FD: Quais são, na sua visão, os pontos mais questionáveis da reforma apresentada e que poderá trazer prejuízos ao governo, à sociedade e aos futuros servidores?
RM: Há dezenas de pontos questionáveis, muitos não se sustentam. Por exemplo, criar com os “vínculos de experiência” regras para reprovação compulsória no estágio probatório seria inaceitável. E se todos os concursados tiverem um excelente desempenho nesses dois primeiros anos? Como se daria o desligamento? Por sorteio? Além disso, a possibilidade de o presidente da República extinguir órgãos públicos é assustadora.
FD: Se aprovada da forma que está, considera que haverá um aumento substancial das contratações temporárias em detrimento aos concursos para efetivos?
RM: O espírito da PEC 32/2020 é esse: aumentar significativamente as contratações temporárias, as terceirizações e as parcerias com a iniciativa privada na condução de serviços públicos. Não tenho dúvida que aumenta a instabilidade e a precarização das relações de trabalho. O instituto do concurso público será duramente afetado com isso.
FD: A retirada de vários direitos pode deixar a carreira pública menos atrativa, afastando os profissionais qualificados para ela, contribuindo assim para o aumento da ineficiência dos serviços públicos?
RM: Em alguns casos, como nas contratações por tempo indeterminado, a situação ficará pior no serviço público do que na iniciativa privada. Mesmo com a reforma trabalhista que já precarizou ao máximo este segmento. Isso por que, caso esse servidor seja exonerado ou reprovado no período inicial, sairá com o estigma de trabalhador ruim, e sequer terá alguma compensação, como fundo de garantia, para sobreviver até encontrar outra colocação.
FD: A avaliação de desempenho que existe após o estágio probatório é meramente protocolar, como alega o governo? Defende que deveria existir uma avaliação de desempenho mais rígida que a atual, mas em que houvesse critérios claros e objetivos em sua execução?
RM: Atualmente já existe a avaliação de desempenho. Se não é utilizada com rigor, o problema não é dos servidores, mas da gestão. Mas sempre há espaços para melhorias e criação de mecanismos mais eficientes. Todavia, uma AD séria deveria ser aplicada a todos os agentes públicos, mesmo a ministros de Estado e políticos, que também precisam ser avaliados a respeito de suas entregas à sociedade.
FD: Quais pontos considera positivos da reforma proposta pelo governo? Considera interessante o fato de o servidor público que não ocupar uma função de carreira de estado poder assumir outros cargos, seja na iniciativa privada como no próprio serviço público?
RM: Como não foram apresentados estudos que comprovem o aperfeiçoamento da gestão pública a partir da PEC 32, fica difícil dizer em que medida existe algo de positivo. Não foi dito em que medida ela aprimora a gestão, nem mesmo qual a economia que ela gera aos cofres públicos, seja da União, dos estados ou municípios. Quanto à dedicação exclusiva, o instituto hoje já existe para a maior parte das carreiras de Estado.
FD: Diversas representações sindicais reclamam que não foram consultadas pelo governo para elaborar a Reforma Administrativa. O que seria, na sua visão, uma reforma justa? O que existe atualmente que precisa ser reformulado e quais propostas o senhor tem para melhorar a eficiência do setor públicos e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio fiscal?
RM: Não houve diálogo para a construção da proposta, o que seria o dial, porque temos muito o que contribuir nesse debate. O Fórum das Carreiras de Estado – Fonacate já lançou 12 publicações com diagnósticos e sugestões em diversas áreas, e estão disponíveis em www.fonacate.org.br. Na União, não há qualquer desequilíbrio na despesa com pessoal.
Em 2001, o país gastava 4,8% do PIB com a folha de pagamento, hoje são 4,3%, e mesmo o comprometimento relativo à Receita Corrente Líquida está dentro dos limites fiscais. O problema do país é que não há um projeto viável de crescimento econômico. Então, sem perspectiva de avanços, a alternativa que o governo apresenta é cortar despesas com funcionalismo e com investimentos sociais.
FD: O governo alega que não pode incluir membros do Poder Judiciário e membros (parlamentares) do Poder Legislativo na reforma, em respeito ao princípio da separação de poderes. Acha que o Judiciário e o Legislativo se sentirão pressionados a realizar também uma Reforma Administrativa ou é inimaginável que eles farão isso?
RM: O Legislativo já está apresentando as diretrizes de sua própria reforma de RH. Em função do teto de gastos (EC 95), que comprime o gasto público em todos os Poderes, haverá necessidade de adequação às restrições fiscais.
FD: O que o Fonacate fará, a partir de agora, para que a Reforma Administrativa seja o menos prejudicial possível para os futuros servidores?
RM: Estamos aprofundando estudos técnicos e jurídicos sobre a proposta e antevendo o calendário de tramitação. A média de aprovação de PEC’s giram em torno de 10 meses, e não acredito que o Congresso Nacional seja autoritário ao ponto de inviabilizar debates públicos sobre a matéria. Nesse meio tempo, temos as eleições municipais.
Então, provavelmente, as discussões sobre a proposta se estendam por todo o ano de 2021. Espero então que seja possível fazer os alertas necessários aos parlamentares para evitar alguns retrocessos estampados no texto.