Trainee da Magalu exclusivo para negros é inconstitucional?
Realizar um processo seletivo exclusivo para pessoas negras fere o princípio de isonomia, garantido pela Constituição de 88?
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Publicado em:22/09/2020 às 13:00
Atualizado em:22/09/2020 às 13:00
Nos últimos dias, a Magalu causou polêmica nas redes sociais ao lançar um programa de trainee exclusivo para negros. A iniciativa da companhia recebeu algumas críticas e chegou até a ser acusada de "racismo reverso".
Apesar da cor da pele nunca ter sido explicitada como requisito em processos seletivos semelhantes, é visivelmente comum encontrar turmas de trainee compostas apenas por candidatos brancos.
E essa realidade pode ser vista em números: das 500 maiores empresas do país, somente 4,7% da liderança é negra, segundo pesquisa feita pelo Instituto Ethos. Dentro da Magazine Luiza, esse número é de 16%.
Isso fez com que a empresa optasse por criar um processo seletivo que tentasse mudar essa realidade interna, aumentando o número de negros nos cargos de liderança.
Mas será que esse tipo de ação fere o princípio de isonomia, presente no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que diz que não se deve fazer distinção de pessoas?
Para responder essa pergunta, Folha OAB conversou com Saulo Vianna, advogado e professor de Direito Constitucional. Antes de entrar na discussão, o especialista frisa que "o desenho do princípio da isonomia não é monocromático e nem pode ser".
Segundo ele, o princípio da igualdade formal (civil ou perante a lei) só faz sentido quando se tem, de forma concomitante, a igualdade material (real ou fática). E uma forma de se ter efetivamente a igualdade material é realizando ações afirmativas.
"As políticas de ações afirmativas (cotas, por exemplo) pretendem suplantar desigualdades históricas. Resumidamente, essas medidas buscam atingir grupos sociais determinados, por tempo específico e limitado, por meio de vantagens competitivas", explica Saulo.
O advogado explica que o objetivo das ações afirmativas é conseguir, de forma objetiva, a justiça distributiva - baseada no princípio aristotélico de "igualdade proporcional", sendo considerada um dos mecanismos para se garantir o equilíbrio e a justiça social.
O filósofo John Rawls - que foi professor de filosofia política na Universidade de Harvard - afirma que a justiça distributiva é o que transforma a isonomia em igualdade de oportunidades e possibilidades.
Magalu pode realizar processo exclusivo para negros?
"A Magazine Luiza, tal como a Goldman Sachs, Man Group e Pacific Investment Management Co estão realizando programas destinados, em específico, aos negros. De forma transparente são programas inspirados – direta ou indiretamente – pelo movimento Black Lives Matters ('vidas negras importam', em tradução do Inglês)", conta.
Saulo explica que essas iniciativas aplicam, de forma concreta, o princípio da isonomia material. Ou seja:
"trata-se de medida específica e limitada com o objetivo de minorar - dentro do contexto corporativo privado - desigualdade que não é insensível aos olhos, muito pelo contrário".
Segundo o professor de Direito Constitucional, não é difícil enxergar que essa ação respeita o princípio de isonomia. Além disso, esse tipo de iniciativa também garante o acesso a direitos fundamentais.
"Alguns críticos, talvez míopes ao real contorno dos direitos fundamentais, invocam tese frágil sobre pretenso racismo reverso. Ora, não há qualquer violação à aplicação horizontal de direitos fundamentais, muito pelo contrário", finaliza.
Essas medidas também são incentivadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), como forma de tentar concretizar o Princípio da Igualdade previsto na Constituição Federal de 1988.