Quais serão os efeitos da pandemia no mercado de trabalho?

Em entrevista à UN News, a consultora técnica da OIT falou sobre o assunto

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Publicado em:02/06/2020 às 16:00
Atualizado em:02/06/2020 às 16:00

A pandemia do novo Coronavírus fez com que profissionais em todo o mundo passassem a trabalhar de maneira remota. Com essas práticas de produção à distância, surgem questionamentos de como será a lógica do trabalho no futuro.

Em entrevista a equipe de jornalismo das Nações Unidas, Susan Hayter, consultora técnica sênior sobre o futuro do trabalho na Organização Internacional do Trabalho (OIT), falou sobre como será o mercado de trabalho pós-pandemia.

Susan explica que, antes mesmo da Covid-19, já havia discussões sobre como a tecnologia afetaria o futuro do trabalho. Segundo ela, esse futuro não é pré-determinado, portanto cabe aos profissionais moldá-lo.

Mas ela conta que essa interferência da tecnologia acabou chegando antes do previsto. "As reuniões virtuais remotas agora são comuns e a atividade econômica aumentou em várias plataformas digitais".

A grande questão é: quando passar as restrições, o home office será considerado o "normal"? A consultora responde que grandes empresas já estudam um modelo de colaboração remota, de forma opcional, como um novo padrão.

"Algumas grandes empresas das economias desenvolvidas já disseram que o que tem sido um piloto não planejado – o teletrabalho remoto – se tornará a maneira padrão de organizar o trabalho. Os trabalhadores não precisarão se deslocar novamente, a menos que optem por fazê-lo", conta.

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Para Susan, essa mudança seria positiva tanto para as pessoas, como para o planeta. "Mas a ideia do fim do escritório é certamente exagerada. A OIT estima que, em países de alta renda, 27% dos trabalhadores possam trabalhar de casa. Mas isso não significa que eles vão continuar trabalhando remotamente", explica.

O ponto que a consultora levanta é de como será possível adaptar as práticas de trabalho e colher os benefícios do home office, mas sem perder o valor social e econômico do trabalho presencial.

"Ao celebrar as inovações na organização do trabalho que apoiaram a continuidade dos negócios durante a crise de saúde, não podemos esquecer que muitos perderam o emprego ou fecharam os negócios, pois a pandemia paralisou algumas indústrias", alerta.

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Para quem retorna ao trabalho presencial, é preciso ter um local seguro. "O grau de confiança dos trabalhadores nas medidas adotadas pelos empregadores para tornar os locais de trabalho seguros sem dúvida terá um impacto no retorno", explica, e acrescenta a importância de envolver, se for o caso, os representantes sindicais nessas decisões.

Essa segurança abrange muitas coisas, pede protocolos de distanciamento social até equipamento de proteção individual. Além disso, a consultora fala sobre alguns grupos, como motoristas de aplicativos, em que o local de trabalho é a própria atividade realizada.

"A pandemia revelou a falsa escolha entre flexibilidade e segurança de renda. Esses trabalhadores podem não ter ou ter acesso inadequado a licenças médicas e benefícios de seguro-desemprego. Precisamos garantir que seu trabalho seja realizado em condições seguras", enfatiza.

 

Home office
Home office não é opção para todos os profissionais
(Foto: Pixabay)

 

Home office x desigualdade

Segundo a OIT, é estimado que aconteça, no primeiro mês da crise, um declínio de 60% nos ganhos de quase 1,6 bilhão de trabalhadores informais. "Esses trabalhadores simplesmente não conseguem trabalhar remotamente e enfrentam a escolha impossível de arriscar a vida ou o sustento", explica.

As mudanças adotadas durante a pandemia terão efeitos a longo prazo e levarão que muitos setores repensem seus modelos de trabalho. Entretanto, a consultora chama atenção para o desemprego que será sentido imediatamente.

"Desigualdades na prontidão digital podem inibir ainda mais os países de aproveitar essas oportunidades", pontua. Ou seja, não dá para pensar em trabalho remoto se as pessoas não possuem acesso à tecnologia em casa.

Um ponto positivo do home office, segundo a consultora, é ter permitido "que muitas empresas continuassem operando e garantissem a saúde e a segurança de seus funcionários" durante a pandemia.

"Aqueles que puderam fazer a transição para o trabalho remoto durante a crise de saúde tiveram a oportunidade de compartilhar refeições com suas famílias. O trabalho tornou-se centrado no ser humano para acomodar a educação em casa e os cuidados com crianças e idosos", conta.

Mas nem tudo são flores. Susan explica que, em muitos casos, o tempo de trabalho e o tempo pessoal acabaram se entrelaçando - o que causou um aumento no estresse dos funcionários e riscos para a saúde mental.

Com a desaceleração econômica e aumento do desemprego, a consultora informa sobre a possibilidade de mudar a organização do trabalho, com novos esquemas que permitam flexibilidade e salvem empregos.

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"Isso pode significar semanas de trabalho mais curtas ou acordos de compartilhamento de trabalho para evitar folgas em períodos com menos funcionários, ao mesmo tempo em que é reformulado o regime de expedientes para obter melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal no longo prazo", sugere.

O trabalho remoto possibilita que trabalhadores mais velhos e mais experientes prolonguem a vida profissional, além de tornar possível o trabalho para aqueles que estão comunidades rurais com acesso à internet.

"No entanto, para muitos outros, significou isolamento e uma perda de identidade e propósito. O valor social do trabalho e a dignidade e pertencimento derivada dele não podem ser substituídos por salas virtuais, por mais casuais que sejam", contrapõe.

A pandemia colocou luz em desigualdades já existentes: "Os que estão entre os escalões de renda mais altas têm maior probabilidade de optar por trabalhar remotamente, enquanto aqueles nos mais baixos não têm escolha, terão que se deslocar e perderão mais tempo com esse deslocamento".

Futuramente, com o aumento da digitalização do trabalho, a consultora acredita que a demanda por profissionais qualificados irá subir junto com seus salários. Além disso, ela prevê que os profissionais da Saúde e outras áreas essenciais serão mais valorizados.

Em contrapartida, os trabalhadores que já são mal remunerados, "provavelmente verão suas rendas serem corroídas ainda mais à medida que as fileiras dos desempregados aumentam".

"Historicamente, choques econômicos, pandemias e guerras exacerbaram a desigualdade. A questão é se essa será uma mudança tectônica com crescente instabilidade política e social, ou um choque que nos levará a reforçar os fundamentos de sociedades justas e os princípios de solidariedade e tomada de decisão democrática que movem sociedades, mercados de trabalho e locais de trabalho na direção da igualdade", conclui.