Falta de engajamento e tecnologia afastam novas gerações do emprego
Em 2013, a rotatividade entre os jovens foi considerada excessiva pelo Ipea. O orientador de carreira, Marcos Nakatsugawa, dá detalhes sobre o fenômeno.
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Publicado em:02/11/2020 às 10:00
Atualizado em:02/11/2020 às 10:00
Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) há sete anos mostrou que, em um ano, sete em cada dez trabalhadores de 15 a 24 anos se desligam do trabalho. Dessa forma, a pesquisa concluiu que a frequência com que os jovens mudam de emprego é excessiva.
Será que esse cenário teve alguma mudança nos últimos anos?
O professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Marcos Minoru Nakatsugawa, lista alguns dos motivos que podem explicar o fenômeno.
Entre eles estão: conflito de gerações, avanço da tecnologia, falta de ações das empresas para engajar esses profissionais e a busca por um propósito de vida que não pode ser atendido pelas organizações. Confira!
Pesquisa do Ipea, de 2013, concluiu que jovens mudam de emprego com frequência
(Foto: Freepik)
De acordo com o professor, o choque geracional sempre existiu e trouxe mudanças de atitude e comportamento, no mundo todo. "Não se trata de uma prerrogativa do mundo contemporâneo, não é uma grande novidade, como muitos dizem", diz Minoru.
"As gerações de hoje nem de longe têm o pensamento de seus avós ou bisavós, que almejavam estabilidade, por meio de concursos públicos. Seus próprios pais são de outra geração, pois valorizam o trabalho e o sucesso profissional, medido pela ascensão vertical ou por fazer carreira em grandes corporações, preferencialmente multinacionais. Nossos avós ou bisavós certamente também possuíam outras perspectivas de carreira e de vida, se comparados a nossos tataravós.
Hoje, falamos em ciclos de carreira, que tendem a ser mais curtos, porque os próprios conceitos de emprego e de sucesso mudaram. É óbvio que alguém com mais de 50 anos terá uma visão de sua vida e de sua carreira bem diferentes dos jovens que estão a ingressar no mercado de trabalho. O choque é inevitável. Somente o exercício efetivo de empatia mútua pode resolver esse conflito."
Complexidade do mundo
O especialista diz que hoje se fala muito mais em "trabalhabilidade" do que em "empregabilidade". Isso representa a capacidade do indivíduo em gerar valor pelo seu trabalho, independentemente de seu vínculo empregatício com as organizações onde atua.
Minoru destaca que essa é uma forma necessária para se lidar com o denominado mundo VICA: Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo.
"O mundo não é nada estável. Uma das poucas certezas em nossas vidas é a de que tudo está em constante mudança. As novas tecnologias impulsionam tais mudanças, fazendo com que as pessoas sejam expostas a diferentes cenários, o tempo todo, e criando novas oportunidades e modalidades de trabalho. E os jovens, que anseiam por novidades, movimentam-se no mercado em busca delas. Se a empresa não oferece algo novo, eles saem."
Gestão nas empresas
Muitas empresas ainda se preocupam em reter os assim denominados talentos, como se seu objetivo fosse forçá-los a ficar, quando deveriam investir em ações de engajamento - ou seja, motivar as pessoas a ficarem porque se identificam, de alguma forma, com as organizações.
"A motivação vem de dentro do ser humano, é intrínseca. As empresas, representadas por seus líderes, perdem muitas oportunidades de se comunicar abertamente com seu pessoal, identificando, por meio desse diálogo franco, o que efetivamente motiva as pessoas a se engajarem com os negócios da companhia.
Já vi pessoas negociarem redução de remuneração em propostas de trabalho para, em contrapartida, trabalharem de casa um ou dois dias, isso mesmo antes da pandemia. Empresas competitivas oferecem vantagens para que as pessoas possam equilibrar, de fato, interesses pessoais e de trabalho."
Propósito de vida
Minoru ainda destaca outro importante fator declarado pelos jovens para mudarem de emprego: a busca de um propósito na vida e no trabalho.
"Muitos não encontram esse propósito e, por isso, acabam, ao trocar de trabalho, buscando algo que ainda não sabem o que é. Como orientador de carreiras, quando pergunto às pessoas que assessoro o que objetivam na vida, o legado que querem deixar à sociedade... geralmente, elas não conseguem responder. Vejo muitos fazendo movimentações de carreira por um ideal ainda não materializado".
Segundo o especialista, há um ponto positivo nessa busca por um propósito: o de que a pessoa acaba se desenvolvendo, de uma forma ou de outra.
"É claro que, com objetivos e planos bem definidos, é mais fácil se definir e executar a estratégia de desenvolvimento. Mas não é de todo ruim a experiência de aprender por tentativa e erro, de aprender com erros causados por falta de orientação ou planejamento. Navegar no caos nos ensina a lidar com o mundo VICA, eis a verdade."
Minoru ressalta que definir um propósito não deve cercear as pessoas em seus movimentos de carreira, já que o caminho até o objetivo pode ser tortuoso.
"A carreira em 'T' exemplifica o ideal de desenvolvimento pessoal e profissional, neste contexto: a especialização é representada pela vertical do 'T', enquanto que sua barra horizontal se refere às movimentações de carreira que objetivam aumentar o seu escopo de atuação - e até mesmo de 'trabalhabilidade'. O propósito delimita os movimentos e impede que as pessoas fiquem ziguezagueando, sem saber ao certo se essa dinâmica as está conduzindo aos seus objetivos, ou se as está estacionando ou retrocedendo, em termos de competências e carreira."