Reforma Administrativa: o que pensam os servidores públicos?

O que pensam os servidores públicos sobre a Reforma Administrativa? Entenda no Folha Dirigida Entrevista desta quarta, 7.

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Publicado em:07/10/2020 às 16:50
Atualizado em:07/10/2020 às 16:50

Folha Dirigida: Inicialmente, gostaria que cada um falasse como enxergou, de forma geral, a Proposta da Reforma Administrativa?

Adriel Gael: Eu tenho falado em todas as oportunidades que tenho: a questão é que esse é um momento inoportuno, porque estamos desmobilizados. Nosso país está saindo de uma pandemia, fragilizado com a perda de mais de 140 mil vidas até o presente momento, mas só que o momento é oportuno para o Governo. Para eles é um momento oportuno, mas para a gente um momento inoportuno. 

A maioria tem se posicionado contrariamente à PEC e estamos debatendo a questão.  Uma coisa que a gente sempre bate no ponto é a questão da estabilidade, que é um ponto inegociável. 

Mas o que eu trago sempre é isso, que nós enquanto entidades sindicais representativas, estamos no momento em que não conseguimos mobilizar a base para uma manifestação, por causa da pandemia. Então a PEC, só por esse contexto do momento da apresentação dela, já deve ser rechaçada só por isso. 

Sergio Ronaldo: Acho que essa pergunta é fundamental para a gente desmistificar o que significa essa PEC 32. 

Eu sou de uma época em que quando meu pai falava queria fazer uma reforma na nossa casa, porque chegou mais um irmão, mais um filho, mais um parente, era no sentido de melhorar. Mas o Governo está se utilizando da expressão reforma para destruir, o que confunde a cabeça da população brasileira. 

Nós podemos chamar essa Proposta de Emenda à Constituição que chegou no Congresso Nacional no dia 3 de setembro de tudo adjetivo. Podemos colocar qualquer adjetivo nessa proposta. Menos de reforma administrativa.

Na verdade, o Governo está fazendo uma reforma fiscal dentro da estrutura dos serviços públicos. Esse é o fato. Alguns chegam a dizer que o Governo está levando o país ao Estado mínimo. Nós vamos muito mais além : se essa proposta vingar, nós chegaremos ao estado zero. Políticas públicas zero para a população em prol de fortalecer o capital financeiro.

Para quem entende o que é luta de boxe: o Governo está dando um golpe baixo. Não só no conjunto dos servidores federais, estaduais e municipais, mas na população brasileira. Por isso, a nossa contrariedade à forma rasteira com o Governo encaminhou, em um momento inoportuno, que a classe não pode reagir ao que deveria, por conta do que estamos vivenciando no nosso país: a maior pandemia dos últimos 100 anos.

FD Com essa proposta, o serviço público está em extinção? Ou seja, com risco de não termos mais concursos e processos seletivos? Estabilidade?

SR: Caso essa proposta prospere (o que nós vamos lutar com toda nossa força contra) será o fim do concurso público. Na verdade, já não está tendo concurso público desde 2016. As pessoas estudam uma vida inteira para fazer concurso, mas não está tendo concurso. E essa será a sacramentação dos concursos públicos, porque o que tá dentro no contexto do projeto de Emenda à Constituição é que, a partir do momento que ela seja aprovada e regulamentada, passa a ter prioridade simplesmente contratos temporários e a terceirização. E concurso público é jogado na gaveta.

Então a nossa luta não é apenas para defesa dos atuais servidores, embora seja verdade que esses serão atingidos tanto quanto os que estão se capacitando para fazer um concurso. 

Mas essa luta é unificada com quem já é servidor e com quem tem pretensão de fazer concurso, para que a gente consiga derrotar a proposta que evidentemente acaba com concurso público no nosso país.

E o pior: ela é um copia e cola para os estados e municípios. Porque impõem a mesma coisa. Quando o Executivo faz uma proposta dessa forma ela vira modelo para os estados e municípios, portanto é uma briga grande e nós topamos o desafio. Vamos enfrentá-lo de pé.

FD: Os sindicatos foram ouvidos na hora de montar o texto para a proposta? E como vocês têm pressionado o Governo?

AG: Obviamente que não. Mas complementando o que o colega Sérgio falou sobre a questão da estabilidade eu acho que é inegociável nessa proposta da “reforma” administrativa. Sobre eles terem consultado as centrais sindicais, pelo que eu sei não foram consultadas.

Quando o Governo falou assim: “não vai atingir os atuais servidores”, eu acho que ele pensava que a gente ia ficar sentado, sem lutar por quem está querendo entrar no serviço público.

A verdade é essa. A visão que o Governo Bolsonaro tem do serviço público é a visão pré Constituição de 88. Na época em que um prefeito, ao ganhar uma eleição, colocava todos os seus cabos eleitorais. 

Mas hoje 70% das prefeituras são as maiores empregadoras nos municípios. Ele falou isso em uma entrevista, inclusive, né? Que seria absurdo o governante assumir a cadeira de prefeito e não poder mandar todo mundo embora e contratar os seus. 

Então a visão que o Governo tem não é uma que visa programar o estado para daqui a 20, 30 anos. A visão que ele tem é dar 30 anos para trás. E obviamente que esse desmonte do estado, não começou agora. O Sérgio deve concordar com isso, a gente tem a Reforma da Previdência e um pouquinho mais para trás a Reforma Trabalhista, um pouquinho mais para trás a emenda do Teto de Gastos.

Se a gente andar um pouquinho ainda mais para trás a gente teve em 98 a Emenda Constitucional 89 do governo FHC. Tivemos algumas coisas ali no Governo Lula e Dilma que mexeram com questões de previdência de servidor. 

Mas a gente sempre está vendo que esse negócio de Estado Mínimo, etá querendo entrar no Estado cada vez mais. E a relação do Estado com seu servidor Publico, é diferente do mercado privado.

Se o mercado privado é tão bom, porque a gente tem uma gama de pessoas que dedicam três, quatro e até cinco anos de sua vida para passar no concurso público? 

E por que o Governo Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes, não apontam para a sociedade qual a situação da gestão de pessoas e todos os órgãos públicos. Hoje a gente praticamente não tem gestão de pessoas.

Então eles apresentam uma reforma dessa magnitude sem poder fazer uma reforma interna, em cada setor. Colocar gestão de pessoas, psicólogo, essa questão toda. Porque eles falam que o serviço público como todo é ruim. Mas o que que eles pegam como serviço público?

Eu posso falar para você que a Receita Federal é ruim? Eu posso falar que a Polícia Rodoviária Federal é ruim? Que a Polícia Federal é ruim? Que o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho são ruins?

Então, eles pegam todos os agentes públicos, jogam tudo no mesmo balaio e apresentam como se fosse um quadradinho onde não tivéssemos serviços públicos de excelência, prestado por servidores.

Então a reflexão que eu quero deixar  para os internautas que hoje, que eu sei que majoritariamente são futuros servidores, é que se o serviço privado é tão bom e eles querem trazer isso para a gente da Administração Pública, não faz sentido termos tantos colegas aí querendo entrar no serviço público.

A relação estado/servidor é diferente da relação com o patrão celetista, entendeu? Além disso, os servidores públicos são extremamente qualificados, muitos pós-graduados e doutorados. 

SR: Nós tomamos conhecimento da PEC 32 através do Diário Oficial e no dia que os gestores do Ministério da Economia, pela manhã, fizeram uma live para divulgar o teor da proposta.

Na verdade, deram um show de desconhecimento do que é Administração Pública e da máquina pública. Números praticamente fabricados, números que não condizem com a realidade. 

E naquela tarde entregaram ao Congresso Nacional o projeto de Emenda à Constituição. Agora, praticamente há mais de um mês que essa proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional, o Ministério da Economia quer nos chamar para dialogar sobre Reforma Administrativa. Fazendo totalmente o inverso. Ele primeiro morde depois da assopra. 

Nós da Condsef dissemos não. ‘Não tem conversa com essa proposta que vocês encaminharam ao Congresso, nós vamos lutar com toda nossa força e com todo nosso rigor para que ela não ande no Congresso.

A nossa prioridade é que não seja aprovada nesse final de ano na CCJ e nem se instale a comissão mista. Porque nós estamos tendo toda cautela e toda a responsabilidade com a vida dos trabalhadores.

Nós acreditamos que daqui para janeiro, fevereiro vai ser capaz da gente já ter a vacina do Covid-19 aqui no nosso país e a partir de fevereiro do ano que vem, quando o Congresso Nacional retomar suas atividades, a gente possa ir para ter com os parlamentares que estão muito acomodados dentro dos seus palacetes, simplesmente apertando o teto para retirar nossos direitos. 

Aí nós queremos ver, na hora do ‘tete a tete’, como é que nós vamos fazer esse enfrentamento com relação a essa Reforma. E nós não fomos comunicados, não fomos escutados e agora é a pressão que vai dizer quem está com a razão.

FD: Uma pesquisa feita no site da Câmara aponta que 98% das pessoas desaprovam a proposta apresentada pelo governo federal, sendo 92% totalmente e 6% na maior parte. Vocês acham que eles vão levar em conta essa onda de reprovação para mudar algo no texto? 

SR: O Congresso Nacional Brasileiro é o segundo Parlamento mais caro do mundo, só perde para o Parlamento dos Estados Unidos em número de benefícios para si próprio. Esse Congresso atual não tem demonstrado interesse pelas causas sociais do nosso país, esse Congresso Nacional atual é um dos mais atrasados dos últimos 15, 20 anos. 

Então nós não temos nenhuma dúvida de que essa proposta só foi encaminhada agora pela pressão do mercado junto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia . Ele é o arquiteto, o engenheiro e o produtor de toda essa proposta. Como assim também o fez com a proposta da Reforma da Previdência.

Porque ele sabe que a partir de 1º de fevereiro do ano que vem, ele não pode ser candidato à reeleição. E ele comprometeu ao mercado, aos banqueiros e aos parceiros de reunião de fim de semana, que iria, antes de encerrar o mandato como presidente da Câmara, levar essa proposta. 

Então nós não temos dúvida que esse Congresso será capaz de querer colocar essa proposta em votação de forma remota. O que é uma coisa esdrúxula. Mudar a Constituição de dentro das suas casas, simplesmente apertando um botão, sem ouvir a população? 

Essa pesquisa que a própria Câmara fez é um espelho da negatividade do que ela significa. Portanto, acho que nós estamos no caminho certo em reagir, nos organizar. 

E certamente nós já estamos construindo, agora para a segunda quinzena de outubro, uma campanha nacional com todas as centrais sindicais, todas as entidades do conjunto dos federais, dos estaduais, dos municipais e das empresas públicas, para que a gente possa colocar para a população brasileira qual é o outro lado da moeda com relação a esses mitos e inverdades que colocam sempre nas costas e na conta do conjunto do funcionalismo público.

AG: Eu tenho a pesquisa da Câmara aqui ao meu lado, mostrando que são exatamente 92% de votos ‘discordo totalmente’ nessa consulta sobre a PEC. Ou seja, 173 mil pessoas que votaram contra. 

Mas não tem só essa consulta do próprio site da Câmara, que obviamente os parlamentares vão levar em consideração. E aqui eu peço para o público que vá lá e manifeste sua opinião no site da Câmara. Porém, há ainda outras consultas e petições públicas rolando. 

Com o distanciamento, a Câmara fechada e os deputados votando remotamente, nos restaram as redes sociais e os meios virtuais. Então pressione os deputados, votem.

Um outro ponto que eu quero trazer nessa discussão: será que uma Reforma Administrativa nesse momento é necessária? Cadê a reforma política séria? Que tal a gente voltar a discutir se a gente precisa realmente de 113 deputados federais? Que tal a gente começar a discutir os 81 senadores? Cadê a reforma política para diminuir a verba de gabinete das excelências, que tem 111 mil reais para contratar até 25 assessores?

E há outras reformas que são mais necessárias para o país do que essa Reforma Administrativa. E trago um questionamento para o ministro Paulo Guedes.

Ele fala dos gastos que o servidor público tem para Administração. Mas será que a gente não contribui para o país? A título de exemplo, de Imposto de Renda é 27,5%.  Então eu desafio o senhor Paulo Guedes a informar quanto que a gente devolve para o PIB do país.

FD: Entrando nos principais temas que estão trazendo discórdia em relação ao serviço público: o fim do regime jurídico único, o fim da estabilidade para as carreiras que não são de estado e, principalmente, a criação dos vínculos que permitem a contratação de temporários. Dentre esses tópicos, a classe que vamos chamar aqui de “elite dos servidores públicos” não está sendo afetada. O que vocês pensam sobre isso?

SR: Eu acho que não menos importantes do que as outras perguntas, essa é uma das mais fundamentais. O que eles estão querendo com essa pec é voltar a época da pré Constituição de 88. 

Sabe como é que funcionava o serviço público antes de 88? Qualquer pessoa ingressava no serviço público através de uma cartinha, um bilhetinho de um vereador, de um prefeito, de um senador, de um parlamentar ou de autoridade.

Era assim que funcionava. Nós não temos um milímetro de saudade desse tempo. Foi na Constituição de 88 que nossas conquistas foram guardadas e através também da lei 8112/1990 que foram validadas essas conquistas: a estabilidade, as carreiras típicas. 

Eles querem ver o Brasil passar a ser espelho do que está acontecendo no Rio de Janeiro. Que coisa mais esdrúxula do que aquilo que chamam de “Guardiões do Crivella”. Primeiro é importantes destacar que aquilo não se trata de servidores públicos. São pessoas que foram cabos eleitorais do Crivella na sua campanha para prefeito.

Ele ganhou e levou esses cabos como cargos comissionados e chama aquilo de servidor público. É isso que nós não queremos ver no serviço público.  

Nós queremos que o servidor tenha estabilidade para justamente se preservar contra maus políticos.. 

Um Governo que trata o servidor público com inimigo já disse para o que veio. Mas o servidor público é inimigo de políticos nefastos que estão aí de plantão. A estabilidade não é um salvo-conduto. 

Você sabe quantos servidores são demitidos em média por ano? Em média 500, porque tem a regra de demiti-los. 

AG: Eu tenho dito que a estabilidade é um bem não é do servidor público, mas da sociedade. É em nome dela que nós conseguimos dizer não a um mal gestar que nos proponha fazer coisas erradas.

É em nome da sua estabilidade que a sociedade pode contar com o servidor para defender os interesses da sociedade. Então muito mais do que um bem do servidor público, ela é um bem do Estado brasileiro, da sociedade brasileira.

É por causa da estabilidade que a gente não aceita ser um ‘guardião do Crivella’, por exemplo. É por causa dela que a gente pode aplicar uma multa em uma autoridade. Os princípios da Administração Pública estão todos na Constituição, eles não morreram.

Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A questão da avaliação do Servidor Público está lá para ser regulamentada desde 88. O Congresso omisso, como sempre foi com diversos temas que precisavam de leis complementares.

Sobre essa questão das carreiras típicas de Estado que você colocou na sua pergunta:são cinco vínculos que eles querem que o servidor tenha com a Administração Pública.

A carreira típica de Estado seria referente àqueles cargos de auditor da receita, do TCU.  Esses carros mais “top top” do Estado. Aí tem o cargo por tempo indeterminado, o vínculo de experiência, por prazo determinado. Então esse tipo de proposta que a gente vê, quem a fez não conhece a estrutura do Estado.

FD: Em relação à estabilidade, vocês acreditam que dá para vencer essa luta?

SR: Nós acreditamos, nossa luta não é em vão. Porque não é uma luta em defesa de um princípio próprio, particular de cada servidor. É um princípio da Legalidade, da moralidade do serviço público. Não só acreditamos como achamos que é possível.

Eu penso que essa proposta que eles chamam de reforma administrativa, ela serviu para unificar o conjunto dos trabalhadores de todo o país. Os federais, estaduais, municipais e das empresas estatais. E nós, unificados,s somos capazes de mudar muita coisa e nós estamos apostando que vamos vencer essa batalha. 

É uma batalha a cada dia, mas nós estamos confiantes diante dos movimentos que estamos organizando. É uma questão de sobrevivência do serviço público.

FD: No discurso do governo e de parte da imprensa, os servidores públicos são os vilões das contas públicas e que o Estado está inchado. No entanto, um estudo do Dieese de 2018 aponta que não há servidores demais no Brasil e que a folha salarial deles não representa risco de colapso das contas públicas da União. Cita-se inclusive um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que mostra o Brasil entre aqueles países que têm menos servidores públicos em relação ao total de pessoas empregadas e em relação à população economicamente ativa (PEA). Vocês concordam com essa ‘miopia’ do atual governo? Conforme consta hoje no site da Câmara, um deputado recebe R$33 mil de salário, tem uma cota de exercício de atividade parlamentar que pode ser de R$30 mil ou R$45 mil, verba mensal de R$106.866,59 destinada à contratação de até 25 secretários parlamentares, R$4.253 para auxílio moradia, aposentadoria especial, entre vários outras vantagens e benefícios, sem falar na imunidade parlamentar e que os parlamentares praticamente trabalham no Congresso de terça a quinta. As vantagens de ser um senador são praticamente as mesmas. Em função disso, a revista The Economist coloca o parlamentar brasileiro como um dos mais bem pagos do mundo. Os senhores não acham que o exemplo deveria vir de cima para baixo? Não deveria causar constrangimento aos parlamentares discutir uma reforma para os servidores do “chão de fábrica” antes de uma reforma que abarcasse a classe política?

AG: A gente precisaria da reforma das reformas, a mãe de todas elas. Que seria uma reforma política séria. Se a gente não confia nesse Congresso que está aí para fazer uma reforma política séria, que tal a gente chamar uma constituinte específica? Com regras estabelecidas: o deputado que fosse eleito para participar da constituinte não poderia, por exemplo, se eleger deputado na próxima eleição ou nas duas próximas eleições, talvez.

Porque dessa forma teríamos gente da sociedade com compromisso para fazer essa reforma, entregaria ela pronta. Porque com esse Congresso aí, ninguém vai querer cortar na própria carne.

FD: Acreditam que a equiparação da remuneração dos cargos do serviço público com a iniciativa privada acarretará em desmotivação dos estudantes para estas carreiras. Na avaliação de vocês, a qualidade do serviço prestado à população não poderá piorar?

AG: A pessoa não vai perder quatro, três anos da vida estudando para um concurso público, se naquele cargo sem perspectiva de estabilidade ela ganhar a mesma coisa que  conseguiria na iniciativa privada.

E outra coisa, se vê o desconhecimento que o Paulo Guedes tem sobre Administração Pública. Como que vai ficar a questão do clima organizacional dentro das instituições? Eu terei, por exemplo, um servidor ganhando ‘x’ e o outro que vai estar ganhando menos que ele parece ter as mesmas atividades. Isso causaria uma animosidade muito forte. 

Outra coisa é que eles vão ter que ficar realizando concurso a todo tempo, por exemplo, suponhamos que uma autarquia abriu um concurso e depois de três outro foi aberto para outra autarquia com um salário melhor. Isso causaria falta de servidores.

SR: Já diz uma narrativa aí que “uma mentira repetida várias vezes termina se transformando em verdade”. Eu tenho um gráfico aqui que desmistifica as mentiras de Paulo Guedes.

Este gráfico diz: um servidor municipal ganha em torno de R$2.150 por mês. Para o servidor estadual a média é R$4.150 por mês. E para o federal, R$6.500 por mês.

Onde está o exagero desse salário? Para uma pessoa que fez concurso público, que não tem direito a fundo de garantia? Só tem direito à estabilidade para ficar reservada de maus políticos?

Servidor atual: você não pode confiar na narrativa de Paulo Guedes. Eles contaram a mesma história na Reforma da Previdência: de que os servidores não seriam prejudicados. São duas mentiras em uma mesma narrativa. 

Seremos atingidos sim e se essa proposta for aprovada não teremos servidores. Porque eles querem fazer terceirização, contratos temporários, para colocar seus cabos eleitorais no serviço público. E nós vamos lutar para não permitir isso.

Folha Dirigida: Um dos pontos mais problemáticos da reforma é a criação do chamado vínculo de experiência. Como vocês mencionaram, dentro da Constituição já existem formas de o servidor ser desligado. Será que a forma como esse desligamento está sendo feito não está sendo exercida de forma correta? Os maus servidores estão perpetuando em alguns cargos, porque não está sendo aplicado o que a lei já determina? Como garantir que não role propinas para passar a frente de avaliações?

AG: A primeira narrativa que eu gosto de mencionar quando recebo esse tipo de pergunta é a falácia de querer achar que o serviço privado é o suprassumo. Existe mau servidor? Existe! Existe mau funcionário na iniciativa privada?Existe também.

Os mecanismos para demitir o servidor público, com estabilidade e mesmo antes de adquirirmos a estabilidade após três anos de estágio probatório, eles existem também. No Ministério Público o que mais tem é demissão de servidor.

O problema é que o Paulo Guedes não mostra esses números. Porque assim ele enfraqueceria a tese deles. Existem sim servidores sendo demitidos. Se você observar o diário oficial, eu duvido que não encontrará em torno de duas a três demissões por dia. 

Existem também formas de avaliação, o Ministério Público, por exemplo, aplica uma avaliação que é 360 graus. Que é o que há de mais moderno hoje em termos de avaliação. Eu sempre trago para a a minha experiência no Ministério Público da União, porque nós somos um órgão de excelência. 

Nós não temos problemas em discutir reformas, mas essa que eles apresentaram não é uma reforma administrativa. Existem mecanismos modernos para serem implementados na administração pública. O ideal seria ouvir servidores e sindicalistas e não pegar uma proposta que veio pronta do mercado. 

SD: A avaliação de desempenho já existe na Administração Pública Federal em todos os sentidos. O servidor é avaliado e ele tem que cumprir as metas que são estipuladas. A cada ano é feita uma avaliação pelo chefe imediato. 

Eles (o Governo) jogam mentiras, palavras ao vento, que acabam colando. A população acha que é pouco a cada mês serem demitidos 80 servidores públicos porque não cumpriram com seu dever de ofício?

Servidor público tem regra, tem critérios, tem uma série de instrumentos que regem a vida pública dele. O que querem fazer é transformar o servidor público no inimigo do estado. Isso é inadmissível.

O brasileiro e a brasileiras são as pessoas que mais pagam impostos na face da terra. Esses impostos têm que ser devolvidos para a população através de serviços públicos, que alguns até chamam de gratuitos, mas não são. 

Serviços públicos devem ser de qualidade pelos impostos que o povo paga. Mas o Governo quer vender uma imagem de que acabando com os serviços públicos a iniciativa privada vai resolver isso. Mas não vai.

O SUS, mesmo com toda a sua precariedade, demonstra que é pelo serviço público que se salvam vidas. A cada 100 brasileiros e brasileiras, 75 são atendidos pelo Sistema Único de Saúde.

Imagine se em uma pandemia que há 100 anos não se via na face da terra, se aqui no Brasil não tivéssemos o SUS para salvar vidas, mesmo com a inércia dos negacionistas que estão aí de plantão.

Então é pelo serviço público que a humanidade e o brasileiro tem que lutar, com a qualidade que tem que ser, para que possamos não cair na inércia. A conta está começando a chegar.

O Brasil produz 257 milhões de toneladas por ano. Mas o sujeito do agronegócio prefere abarrotar os navios e vender em dólar, porque a moeda está quase chegando a R$7. Só visam o lucro e aqui está sendo desabastecido. Essa conta está chegando na mesa dos mais carentes, dos mais necessitados. 

FD: É possível que, num ato de manter a estabilidade, que seja negociado algum número para contratação de temporários?  Não seria adequado estabelecer um percentual máximo de temporários em relação a servidores efetivos? Exemplo: o número de temporários não pode ser superior a 20%, 30% do quadro efetivo. Os sindicalistas vão cobrar alguma forma de freio ao governo no que tange às contratações temporárias?

SR: Estabilidade do funcionalismo não está à venda. É inegociável. Nós temos hoje no Executivo Federal 599 mil servidores públicos em atividade, os que são estáveis. 

Você sabe quantos nós já temos temporários? 77 mil. E querem ampliar muito mais isso. Terceirizados chegam a mais de 20 mil.

Então a estabilidade do funcionalismo não está à venda e não tem preço. Não é que nós somos contra os temporários, são trabalhadores comuns como qualquer outro. Mas o serviço público não pode ser tratado desta forma. 

Folha Dirigida: Quais são as chances reais desse texto ser aprovado como foi apresentado?

SR: Na visão da Condsef, como nós estamos resistindo e nos organizando para enfrentar de pé essa proposta, estamos apostando na chance real da gente sepultar essa proposta. Não dá mais para continuar transformando a nossa Constituição em uma colcha de retalhos.

São 32 anos da Constituição Brasileira e já emendaram ela em mais de 110 vezes. Todas as emendas com o pretexto de retirar as conquista que foram conseguidas na Constituição de 88.

Nós conseguimos construir uma unidade da classe trabalhadora e nós estamos apostando que o primeiro contrapasso que vamos dar nessa turma serão nas eleições municipais. Será o termômetro para que a pressão fique mais incisiva sobre os deputados e senadores.

Esse é o primeiro passo. E como disse no início, a nossa expectativa é que esse ano esse entulho não ande no Congresso Nacional.Porque a partir de fevereiro do ano que vem, aí a conversa vai ser outra.

Eu tenho aqui nós vamos encarar vossas excelências, senhores deputados e senadores, cara a cara, na pressão, dentro do Parlamento. E nós estamos na expectativa de que essa proposta não vai andar e nós vamos continuar lutando por serviços de qualidade para a população brasileira. 

Porque se ela vingar, o que nós estamos lutando para que não aconteça, será o fim na prestação de serviços públicos de qualidade para a população. E é por isso que nós estamos resistindo. Estamos unificados e lutando para que a Reforma Administrativa vá para o lugar devido dela, que é a lata do lixo. 

AG:Em relação se ela será aprovada da forma como foi apresentada: nenhuma PEC é aprovada do jeito que chega lá (no Congresso). Por exemplo, existem duas emendas, no meu conhecimento. 

Uma é do deputado Kim Kataguiri e outra do deputado professor Israel, enfim. Mas se a Reforma for aprovada, não será esse texto como foi encaminhado. Há um grupo de parlamentares trabalhando para obstruir, seguindo essa visão que o Sérgio traz.

Eu espero que até lá (ano que vem) a gente já tenha uma vacina. A gente vai vacinar essa população e chamar essa galera sim, para a gente se manifestar na rua. Eu estou louco para ir para as ruas. Sentir o gosto do povo gritar.

Estou muito ansioso para que isso aconteça. Tenho a mesma visão do Sérgio, de que essa Reforma não anda este ano. Os deputados da oposição vão obstruir, até mesmo porque eles querem que as comissões que estão desativadas sejam reativadas.

E trata-se de uma PEC. E ninguém emenda uma Constituição sem discussão com o parlamento e audiências públicas. Uma coisa é uma Medida Provisória de prorrogação do auxílio emergencial. Outra é uma PEC que mexe na estrutura do Estado brasileiro.

Então, agora mais do que nunca, a gente necessita que servidores, estudantes, futuros servidores, empresas do mercado de concursos públicos, esclareçam cada vez mais a importância de estarem engajados nas redes sociais, participarem.

Vai chegar o momento certo da gente se encontrar nas ruas. Eu quero ver se o Governo vai querer milhares de pessoas ocupando a Esplanada dos Ministérios. Queremos ter a chance de ir ao Congresso fazer uma manifestação pacífica para mostrar a nossa força, enquanto servidores públicos. Ano que vem haverá também a mudança da presidência das Casas Legislativas, então pode ser que mude este cenário.