Fim da quarentena: o que dizem lojistas, empregados e especialistas?

Lojistas, profissionais de saúde e trabalhadores divergem sobre a flexibilização

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Publicado em:10/06/2020 às 12:00
Atualizado em:10/06/2020 às 12:00

O fim da quarentena parece estar, aos poucos, se aproximando do Brasil. Mesmo em uma curva de novos casos ainda em ascensão, estados e municípios já anunciam o processo de retomada das atividades.

Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, por exemplo, já afrouxaram o isolamento social. No Sudeste, Rio de Janeiro e São Paulo, que lideram os casos de morte e confirmados com a doença, já possuem decretos para a retomada das atividades.

Em Pernambuco, a quarentena segue, mas o isolamento mais rígido nas cidades de Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e São Lourenço da Mata teve fim na última segunda, 1º de junho.

No Amazonas, estado com mais de 2 mil mortos, está em curso o plano de reabertura gradual. Já no Ceará, a capital (Fortaleza) está na Fase 1 do Plano de Retomada da Economia.

Insegurança atinge nove em cada dez pessoas

Apesar do processo de retomada, a insegurança dos brasileiros ainda é alta. Em pesquisa do DataSenado, divulgada no último dia 5, nove em cada dez pessoas se sentem pouco ou nada seguras para frequentar lugares com grande fluxo de pessoas, como feiras, bares, restaurantes e shoppings, devido à pandemia.

A pesquisa foi realizada entre os dias 27 e 29 de maio e ouviu, por telefone, 1,2 mil pessoas, em amostra representativa da população brasileira. O nível de confiança da pesquisa é de 95%. 

Entre as atividades classificadas com maior risco pelos brasileiros estão: transporte público (89% avaliam que há muito risco); escolas e faculdades (83%); academias (78%); shoppings (67%); e parques e praias (65%).

 

Trabalhadores têm medo com fim da quarentena (Foto: Adenir Britto/CMSJC)
Fim da quarentena ganha força nos estados e municípios
(Foto: Adenir Britto/CMSJC)

 

Trabalhadores relatam medo com fim da quarentena

Os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro lideram os números de Coronavírus no país. As duas regiões somam, até a última terça-feira, 9, 16.450‬ óbitos e mais de 223 mil casos confirmados da doença.

No entanto, ambos os estados se preparam para abrir o comércio. Em São Paulo, os setores que devem reabrir na capital fazem parte de uma lista de cinco que foram autorizados a funcionar, com restrições, na fase 2-Laranja da quarentena, que está em vigor em algumas regiões desde o dia 1° de junho.

O mesmo ocorre no Rio de Janeiro. Na última terça, 9, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Claudio de Mello Tavares, derrubou a decisão que havia suspendido os decretos de flexibilização do Governo do RJ e da capital.

Flexibilização do isolamento: medo de retornar ao escritório?

No Rio, o prefeito Marcelo Crivella anunciou a reabertura gradual, no dia 1º de junho, com o funcionamento de lojas de decoração e concessionárias, assim como atividades em calçadões e celebrações em igrejas.

Crivella declarou que a cidade deve voltar "ao novo normal" em agosto. Nesta quarta, 10, o prefeito garantiu ainda a abertura dos shoppings já a partir da próxima quinta, 11. Em relação ao estado, na última sexta-feira, 5, o governador Wilson Witzel autorizou o retorno gradual dos serviços de transportes e comércio.

Com a retomada das atividades, trabalhadores relatam o receio com a flexibilização da quarentena em meio ao atual cenário do país. A vendedora Mairiz Silva, que trabalha em um shopping da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, diz viver uma mistura de sentimentos entre o medo e o alívio de voltar ao trabalho.

"Tenho receio e alívio. Receio pois sei dos riscos que vou correr, até mesmo por ter uma idosa dentro de casa, e alívio por voltar ao trabalho", relata.

Ainda segundo ela, apesar de estar trabalhando com delivery, a modalidade não é suficiente para cobrir os custos de um quadro inteiro de funcionários, fornecedores e aluguel.

"Ou seja, em algum momento minha empresa vai quebrar. Outro ponto é que a quarentena é questão de saúde, não só em referência ao próprio vírus, mas também da saúde mental. Ficar em casa me trouxe muitos gatilhos: crises de ansiedade, convivência familiar, ociosidade, sedentarismo. Ou seja, até quando aguentaremos?", relata.

Apesar do sentimento, Mairiz acredita que a retomada das atividades não está ocorrendo no momento ideal. "Acho que não é a hora. Infelizmente vejo uma questão política nisso tudo", diz. 

Ainda segundo ela, a flexibilização agora tende a causar outro pico. "O pior problema da mesma é a precariedade do sistema de saúde. Muitos locais não conseguiram abrir os hospitais de campanha, não têm respirador, não têm profissionais, como lidaremos com outro pico se não tem preparo para lidar nem com o quadro atual?", afirma a vendedora.

O medo de retomar as atividades também é compartilhado pelo vendedor André Agner. Segundo ele, a sensação é de falta de segurança.

"Eu sinto que não estamos seguros ainda, todos os dias temos notícias de pessoas morrendo e não vemos a diminuição neste número de forma significativa, para nos sentirmos seguros. Porém, também tenho medo de perder meu emprego, apesar da empresa estar nos dando muito suporte", relata.

A caixa Rafaela Castro já voltou às atividades e relata o receio e a preocupação com o vírus, em sua nova rotina.

"Me sinto mal, morrendo de medo de ser contaminada, fora que tem muita gente que não respeita as normas de higiene", afirma.

Ainda segundo ela, a volta dos shoppings, neste momento de pandemia, ocorre de forma prematura. "As pessoas não têm consciência alguma, muita gente já está indo só pra passear, tira a máscara no meio do shopping, não respeitam as novas normas", explica.

Com lojas no Rio de Janeiro, a administradora da D.Divas, Manne Callado, também relata o receio em voltar às atividades. Segundo ela, o retorno pode se mostrar ineficaz, já que muitas pessoas continuam com medo.

"Não acredito que teremos clientes andando pelo comércio", diz

Já a sócia e gerente de Marketing da Blah, Ana Beatriz Freitas, acredita que os eventos que ocorrem nos shoppings, como feiras, devem ficar por último, mas isso não seria um problema, considerando o cenário atual.

"Apesar de querer muito voltar aos eventos e a encontrar nossos clientes, entendemos que seja realmente necessário aguardar para que as coisas retornem a sua normalidade e as taxas de contaminação caiam. Não me vejo, hoje, expondo minha marca em um evento e correndo risco de me contaminar e contaminar familiares e clientes", explica.

Ainda segundo Ana Beatriz, há um medo de que essa volta "à normalidade" traga coisas muito piores.

"Na minha opinião não é hora de uma retomada, visto que as taxas de contaminação só crescem. Todos os outros lugares do mundo só iniciaram a retomada quando a curva desceu e os números estacionaram. Aqui só sobe e já querem abrir tudo. Muito complicado", finaliza.

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Para especialistas, não é hora de flexibilização

A flexibilização da quarentena parece ganhar força no Brasil, mas, segundo profissionais da área da Saúde, este não é o momento ideal. 

Para a especialista em Gestão de Saúde, Chrystina Barros, o país ainda segue com o número crescente de casos e, principalmente, de mortes por Covid-19. A gestora ainda reforça que não há testes suficientes para garantir a evolução dos casos.

"Os óbitos ainda estão aumentando e nós estamos acompanhando as mudanças do Ministério da Saúde, para que toda morte seja contabilizada", relata a gestora.

Ainda segundo Chrystina Barros, a curva no país está em ascensão. Para a gestora, liberar as atividades, enquanto ainda há uma transmissão do vírus ativa, gera risco para potencializar o número de casos e óbitos.

"Nós precisaríamos ter, pelo menos, duas semanas de estabilidade e tendência a queda no número de óbitos, e isso ainda não aconteceu, enquanto estamos levando alguns lugares ao relaxamento (da quarentena) mesmo com esses indicadores sinalizando cuidado", diz

O médico e vice-presidente da Cooperativa de Atendimento Pré-Hospitalar (COAPH), Valderi Souza Júnior, reforça a preocupação em relação à retomada das atividades neste momento da pandemia.

"O ideal era que todos os cuidados fossem tomados de uma forma muito responsável, visto que ainda existe um grande risco de contaminação por contato e aglomeração de pessoas, que pode nos levar a retroceder ao sistema de lockdown", explica o doutor.

Especialistas orientam sobre os cuidados com a retomada

Se o processo de retomada parece não ter freio por parte dos estados e capitais, os especialistas da saúde reforçam medidas que devem ser tomadas por todos que vão voltar a circular nas ruas.

Para Valderi Júnior, quem voltar a trabalhar precisa, ao sair de casa, reforçar todos os cuidados, tentando manter o distanciamento social, usando máscara e álcool em gel, além de lavar as mãos sempre que possível.

"Durante o percurso da casa ao trabalho, tente evitar o contato com superfícies, além de manter a etiqueta respiratória, colocando o cotovelo na frente ao tossir", explica.

Segundo Chrystina Barros, o momento de retorno precisa de cuidados especiais. O ambiente, de acordo com a gestora, deve ser mantido limpo, assim como o comportamento das pessoas deve ser controlado e vigiado.

"Se no trabalho você usa uma mesa que alguém usou antes de você, faça você mesmo a limpeza dela. É claro que as empresas devem garantir que haja esse tipo de serviço, mas vale o cuidado de todos", explica a gestora.

A especialista recomenda ainda que as pessoas tenham cuidado com as portas, evitem a "hora do cafezinho" nas empresas, entre outras ações.

"É importante que as empresas olhem para as distâncias, principalmente entre as cadeiras e posições de trabalho, que precisam garantir, no mínimo um metro, sendo o ideal entre um metro e meio a dois metros", explica.

Por parte dos consumidores, é preciso eliminar o hábito de "ver com as mãos", evitando ao máximo o toque nas superfícies e produtos.

"Se você entra em um corredor e ele está lotado, deixe para mais tarde. Evite aglomerações", reforça a especialista.

Chrystina Barros recomenda ainda que lojistas e empresários pensem no comportamento de seus clientes e profissionais. "Cada um sabe do seu negócio melhor do que ninguém. Vale juntar pessoas de diferentes áreas, para que elas revejam o fluxo de pessoas na empresa".

Por fim, a gestora aponta que deveria partir do governo, tanto municipal, estadual quanto federal, a discussão para a conscientização da sociedade. 

"Existem problemas estruturais gravíssimos, como o transporte, que precisam de atuação do governo. Além disso, os órgãos precisam monitorar e dar transparência ao número de casos e óbitos, podendo voltar atrás em qualquer medida de restrição. Sem saúde, não há economia", conclui. 

Assim como a gestora, o médico Valderi Júnior entende que as atividades precisam voltar, mas reforça que a conscientização da sociedade precisa acompanhar este processo.

"É preciso mostrar para as pessoas que a cultura de prevenção é a que funciona, mas sempre acompanhando ao máximo possível a resposta que terá com a abertura, ou seja, se precisará recuar ou não", conclui,

Confira abaixo os cuidados indispensáveis para se proteger do Coronavírus

  • Use sempre a máscara de maneira correta;
  • Evite a lotação dos elevadores;
  • Reduza ao máximo o contato com superfícies;
  • Mantenha o distanciamento social entre 1,5 m e 2 metros;
  • Higienize sempre que possível as mãos (sabão ou álcool em gel);
  • Evite abraços e apertos de mão; e
  • Evite conversas em ambientes confinados (elevadores e locais com janelas fechadas).

 

Federações e entidades citam medidas adotadas

Com a retomada das atividades econômicas, principalmente em capitais com grande número de casos de Coronavírus, como no Rio de Janeiro e São Paulo, lojistas precisam redobrar os cuidados.

De acordo com estimativa da FecomercioSP, em 72 dias de fechamento (até o dia 4 de junho), o varejo paulistano já perdeu quase R$16 bilhões, o que significa 6% de todo faturamento esperado para 2020.

Para a reabertura parcial do comércio, a federação pautou suas ações de acordo com as diretrizes do Plano de São Paulo e em conformidade com o Decreto n.º 59.473/20 – da prefeitura da capital –, e apresentou sugestões de protocolos de saúde, higiene e regras de autorregulação.

Com base nas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), a federação sugere:

  • Uso de equipamentos de proteção por funcionários e clientes;
  • Disponibilização de álcool em gel e cartilha com as diretrizes sanitárias;
  • Distanciamento social de 1,5 metro;
  • Orientação para que não haja contato físico;
  • Horário de funcionamento alternado para os estabelecimentos, a fim de evitar aglomerações no transporte público em horários de pico;
  • Condições diferenciadas para grupos de risco;
  • Restrição de viagens de negócios;
  • Proibição de eventos em larga escala;
  • Separação de lixo com potencial de contaminação (que contenham luvas e máscaras, por exemplo); e
  • Restrições aos serviços de valet nos estacionamentos.

 

Já a Ancar Ivanhoe - plataformas de shopping center - informa que está analisando as orientações do Governo do Estado do Rio de Janeiro, para que todas as determinações dos órgãos de saúde e da prefeitura sejam cumpridas.

Os shoppings Nova América, Madureira, Boulevard, Botafogo Praia, Nova Iguaçu, Rios Design Barra e Leblon estão se preparando para a retomada com um amplo protocolo de segurança que contempla medidas de biossegurança e prevenção.

Segundo a empresa, são procedimentos de sanitização e desinfecção, com produtos de higiene regulamentos pela Anvisa, redução do controle de fluxo do shopping, obrigatoriedade do uso de equipamentos de proteção, além de pontos de álcool em gel e distanciamento social.

"O objetivo dessas medidas é garantir um ambiente seguro e adequado, preservando o bem estar de todos os colaboradores, terceirizados, lojistas e consumidores que circulam diariamente nos nossos empreendimentos", diz em nota a administradora.